Providence, 27 de Abril de 2003
É um privilégio participar neste
evento anual que visa enaltecer o sucesso da mulher luso-americana
no seu contributo à comunidade, ao mesmo tempo, que proporciona
mais um momento de reunião e convívio daqueles que
têm orgulho na sua raiz portuguesa e açoriana, e
sabem que como são mais ricas as comunidades em que a mulher
tem um papel activo, informado, interveniente e participativo.
Sinto-me, assim, profundamente honrada por ter
sido escolhida para receber esta distinção de pessoas
cujo trabalho tenho vindo a conhecer, respeitar e admirar. Passar
a fazer parte deste ilustre conjunto de mulheres que a PAWA anualmente
tem vindo a distinguir pelo mérito e qualidade da sua intervenção,
é para mim um motivo de orgulho.
É um prémio que aceitei receber,
sobretudo, porque o entendi como uma forma de distinguir todas
as mulheres que nos Açores trabalham aos mais variados
níveis, e assim contribuem para o desenvolvimento e enriquecimento
dos Açores. É, portanto, à Mulher Açoriana
que eu dedico esta homenagem que me é feita, expressando
à PAWA o meu profundo agradecimento.
A Portuguese American Women's Association, ao
longo dos seus 12 anos de trabalho, tem sido um exemplo de persistência
nos seus muitos domínios de actividade, ao mesmo tempo,
que tem sido uma voz permanente e respeitada na defesa dos direitos
humanos - como foi no caso da ocupação de Timor
ou do repatriamento de cidadãos portugueses - na defesa
dos direitos da Mulher, na defesa da herança cultural portuguesa
e da língua portuguesa como elo aglutinador fundamental
da portugalidade e da açorianidade.
Nos últimos anos, dada a minha natural
proximidade com a área governativa, tenho tido a oportunidade
de acompanhar muito de perto o dia a dia dos Açores, quer
nas modificações positivas que se têm verificado
no seu desenvolvimento económico e social, quer nas suas
fragilidades mais persistentes. Se bem que seja visível
o progresso da nossa Região, também é verdade
que séculos de isolamento e atraso fazem dos Açores
ainda uma das regiões mais frágeis do nosso Pais
e da União Europeia. O próprio desenvolvimento rápido,
que estamos a assistir nos Açores, gera novos problemas
e novos desafios de exclusão social tal como acontece em
outras sociedades contemporâneas.
Nestes últimos seis anos, tenho assistido
ao lançamento de políticas governamentais que procuram
um desenvolvimento sustentado e centrado no que existe de mais
importante - as pessoas. Acções de grande alcance
social como a construção de uma extensa rede de
apoio social à escala regional, com a construção
ou melhoramento de equipamentos onde funcionam mais de 400 valências
de apoio a idosos, crianças e jovens ou mulheres vitimas,
deficientes ou pessoas com necessidades especiais, grupos de risco,
combatendo-se as dependências, tudo numa nova perspectiva
de formação e de integração, fazem
dos Açores uma Região onde as preocupações
do crescimento económico não fizeram esquecer o
investimento social.
Todos têm direito ao bem-estar, à
igualdade de oportunidades e a perspectivas de futuro. É
este princípio que deve nortear todo o exercício
da política e da intervenção cívica,
o que exige a criação de riqueza, mas também
uma qualificação de recursos humanos e uma responsabilização
dos cidadãos na ajuda e assistência aos outros.
É nestas áreas de preocupação
que se insere a acção do Banco Alimentar Contra
a Fome, a que presido (uma organização privada,
gerida e sustentada essencialmente por voluntários), que,
numa atitude solidária fundada na fraternidade activa
tem conseguido recolher e distribuir anualmente muitas toneladas
de alimentos a mais de 10000 açorianos com carências
económicas.
Vivemos hoje num mundo cada vez mais caracterizado
pelo individualismo e pela desumanização, e em que
nada parece ser seguro - nem a paz, nem o trabalho, nem a família.
Para ultrapassar essa insegurança ninguém está
isento de contribuir.
Temos um combate a travar, e este só
poderá ser feito com espírito de solidariedade e
generosidade e com um empenhamento individual e colectivo, em
que cada um de nós tem uma função a desempenhar.
Estes desafios da mudança não são
exclusivos dos que governam. Não podemos olhar e não
ver. Não podemos assistir sem participar. Não podemos
ser e nada fazer. Não podemos fazer parte de uma realidade,
pensando que o "poder" e o "dever" são
dos outros.
Neste quadro, também a MULHER, mãe,
esposa, filha, educadora, trabalhadora e cidadã tem um
papel fundamental a desempenhar, porque a Humanidade são
as mulheres e os homens, ou seja, uma dualidade que só
se diferencia porque é complementar.
O reconhecimento do estatuto de igualdade da
mulher perante o homem é hoje um princípio inquestionável
e está consagrado a nível das declarações
internacionais e das legislações da maior parte
dos Estados.
No entanto, ainda em muitos lugares, por razões
de subdesenvolvimento ou de fundamentalismo religioso, existem
milhões de mulheres a quem é negada a dignidade
e o respeito a que qualquer ser humano tem direito. Por outro
lado, sociedades também existem em que as mulheres atingiram
um nível de emancipação real, com uma paridade
no mercado de trabalho e no poder político, e mesmo superioridade
em certas áreas profissionais, científicas e culturais.
A situação da mulher não
é assim homogénea, no Mundo e também nas
nossas comunidades. Nos Açores ou mesmo nos USA, temos
a clara percepção de que tudo depende do nível
cultural ou social em que ela se insere, do seu grau de independência
económica ou o seu estatuto académico. Mas também,
da sua força e capacidade de afirmação perante
uma sociedade que resulta e continua a ser regulada por valores
tendencialmente masculinos.
Mesmo para as mulheres informadas, empenhadas
ou detentoras de educação superior, há sempre
uma altura em que se colocam grandes conflitos na conciliação
da sua esfera profissional ou cívica com o seu papel tradicional
na família. A mulher trabalha dentro e fora de casa. À
mulher são exigidas sempre maiores qualidades e esforços
do que ao homem para conseguir os mesmos sucessos.
Há que prestar atenção à
necessidade de trabalhar em novas formas de organização
das famílias, com um repensar dos papéis que cabem
a cada um e que devem assentar numa nova ideia de partilha de
tarefas e numa divisão social do trabalho isenta de preconceitos.
A Família será, cada vez mais,
o núcleo social fundamental, mas a sua defesa deve passar
por novos pressupostos, reclamando-se a ajuda dos poderes públicos
no apoio à maternidade e à infância, no papel
da educação dos adolescentes, nas estruturas humanizadas
de cuidados aos idosos, sem que se desresponsabilize ninguém,
para que todos - Estado e Famílias - assumam proporcionalmente
as suas responsabilidades.
Em toda essa organização, os direitos
da mulher e do homem devem desenvolver-se, a par dos seus deveres,
como uma única realidade.
Fazer compreender às mulheres os seus
direitos, nesse novo enquadramento, enquanto pessoa e cidadã,
é uma tarefa de todos nós.
Sei que nos Estados Unidos este trabalho de proteger,
educar, garantir oportunidades tem já um percurso de muitos
anos.
Também nos Açores, muitas associações
estão a aparecer, as quais, beneficiando de financiamentos
do Governo Regional, prestam apoio local à mulher e às
suas famílias, em questões como a violência
doméstica, o planeamento familiar, a formação,
a gestão doméstica. Programas oficiais, recentemente
lançados, nos Açores, como a Rede Oficial de Amas
e o Programa de Substituição Temporária de
Grávidas nas Empresas, beneficiam em muito a estabilidade
profissional das mulheres açorianas.
Caras amigas e amigos.
Mulheres preparadas, educadas, informadas e socialmente
integradas são mais felizes e fazem famílias e comunidades
mais unidas e fortes.
No fundo, é o que desejamos para as nossas
comunidades vivam elas nos Açores ou na América.
A PAWA é, sem qualquer dúvida,
nestas áreas, uma instituição de referência.
Destacaria ainda duas vertentes do seu precioso
trabalho: por um lado, contribui para que as novas gerações
não percam os seus laços congregadores e identificadores
- é a defesa da língua portuguesa, é a preservação
de uma cultura e espiritualidade próprias, ao mesmo tempo,
que tem consciência que esta cultura está viva e
evolui permanentemente com novos agentes e criadores, e novas
formas de expressão.
Por outro lado, desenvolve a pedagogia dos direitos
e deveres cívicos e a necessidade de esta comunidade ter
consciência da sua força e poder colectivos, quer
no plano da defesa dos direitos sindicais, no incentivo aos imigrantes
portugueses para obterem a cidadania americana através
da naturalização, no apelo ao voto e na luta contra
a abstenção eleitoral, quer na atenção
que dedica à legislação sobre imigração,
que em muitos aspectos ainda é desumana e penalizadora
para as famílias.
Saúdo, também, a preocupação
da PAWA a favor da educação, como o investimento
mais importante que se pode fazer pelas futuras gerações.
A literacia, a educação, o ensino bilingue, a qualificação
profissional são factores que conferem às comunidades
armas de defesa da sua coesão, dos seus direitos e do seu
poder para influenciarem os seus próprios destinos.
Infelizmente, a ideia natural de serviço
à comunidade ainda não foi inteiramente assimilada
nas nossas ilhas, tal como a encontramos nos Estados Unidos. Nestas
minhas deslocações às nossas comunidades,
tenho verificado que muitos açorianos que aqui vivem participam
de forma comprometida e regular como voluntários em inúmeras
actividades, integrados em instituições culturais,
religiosas, filantrópicas e cívicas numa acção
solidária.
Como nos diz o Papa João Paulo II "a
solidariedade é a determinação firme e permanente
de nos empenharmos pelo bem de todos e de cada um, porque todos
somos verdadeiramente responsáveis por todos".
Termino, por isso, renovando o meu agradecimento,
e estimando que a mulher portuguesa e açoriana seja, cada
vez mais, pilar desta nossa comunidade renovada, em que renasça
com maior intensidade o contributo humanismo que este Mundo tanto
precisa.
Muito obrigada a todos
Luísa César
Providence, 27 Abril 2003
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