UMA
PERSPECTIVA TRADICIONAL DA MILHER
NUM HOMEM MODERNO: Eça de Queirós
“Dado que o tema escolhido pela adiaspora.com“Tradição
e Progresso”, tentei escolher algo para vos falar que
dentro, da minha área – as literaturas, línguas
e culturas -, se integrasse neste tema. A escolha recaiu, assim,
em algo que me pareceu um pouco mais polémico e, por
isso mesmo, de maior interesse.
Habituámo-nos todos a pensar em Eça
de Queirós como um homem progressista porque Moderno.
Moderno, entenda-se inserido dentro da Modernidade que se define,
sobretudo, como processo de ruptura em relação
aos valores tradicionais. Claro que a Modernidade é um
conceito por demais discutido e complexo para o analisarmos
aqui e envolve em si mesma diversos períodos, sendo o
último deles o pós-modernismo.
Definindo-se a si mesma como ruptura, a Modernidade
tem também de considerar os valores-modelo com os quais
procura romper. Esse modelo – dito tradicional, por oposição
ao moderno progressista - subsiste ainda, de algum modo. A longo
prazo, será o modelo moderno que se tornará tradicional,
visto que ele contém em si, inevitavelmente, o gérmen
da sua própria neutralização em processo
cíclico.
Assim, o romper com a Tradição
não é nem completo nem desejável. A Modernidade
vaporizar-se-ia sem o suporte do modelo anterior. Há
uma ponte entre a Modernidade e a Tradição –
deste modo, se constrói o progresso, sem estagnação,
a Modernidade nascendo da revolta contra a Tradição
e respirando ainda do seu perfume e a Tradição
vivendo ainda como o fundo do quadro onde está a Modernidade
em primeiro plano.
Como homem Moderno e ainda como introdutor
e expoente máximo do Realismo em Portugal, Eça
surge-nos como um dos baluartes progressistas no Portugal do
século XXI. Rompendo com o predomínio sentimental
romântico, os seus escritos pretendiam não ser
apenas uma representação do real da nação
mas alertar para os seus aspectos mais problemáticos
e apresentar-lhe um novo caminho por onde seguir. A sua veia
de censura era uma atitude essencial, visando a regeneração.
Este espírito estendia-se, aliás, a boa parte
da chamada Geração de 70 da qual ele fazia parte.
Foi com outro companheiro da Geração
de 70 – Ramalho Ortigão – que Eça
escreveu As Farpas, com o mesmo propósito pedagógico
e reformista. De entre os temas mais relevantes que podemos
encontrar nestes textos teóricos de intervenção
estão as questões, frequentemente interligadas,
da educação e do sexo feminino. De salientar que
a crítica à formação das jovens
meninas, futuras mulheres portanto, era exclusiva às
classes burguesas e aristocratas (as únicas a receber
instrução na época) e exclusiva também
às jovens da capital.
Esta educação era deficiente, segundo Eça
(veremos em que termos), e causadora de muitos males e doenças
futuros, tornando as jovenzinhas mulheres “vocacionadas”
para a fatalidade (a fatalidade deve ler-se aqui sob a forma
de adultério – outro tema caro a Eça –
prenúncio de degradação pessoal, social
e familiar).
Vamos, pois, debruçar-nos brevemente
sobre alguns aspectos deste farpeamento social levado a cabo
por Eça – podem encontrar as Farpas de sua autoria
coligidas na obra Uma Campanha Alegre – e igualmente procurar
correspondências no seu universo ficcional, nomeadamente
n’O Primo Bazílio, e na sua personagem feminina
principal, Luíza. Vão dar-se conta, comigo, que
a visão queirosiana é um pouco misógina,
tradicionalista em relação ao modo como a mulher
devia ser educada e em relação às suas
responsabilidades perante a sociedade, a família (todos
esses círculos supra-individuais que a rodeavam no século
XXI).
Eça acreditava ser vital debruçar-se
sobre o problema da educação feminina, não
só pela problemática que ela em si mesma representava
mas sobretudo porque “a valia de uma geração
depende da educação que recebeu das mães”
(Uma Campanha Alegre, 322). Ora, se “a acção
de uma geração é a expansão pública
do temperamento das mães” (ibidem, 322), preocupava-o
superiormente a formação das jovens do século
XIX, mães e educadoras da geração seguinte.
A menina lisboeta de 1870 sofre de numerosos
males, tanto de ordem física como psicológica
e moral, segundo a acutilante pena queirosiana. Aliás,
o seu próprio aspecto é enfermo (olheiras fundas,
uma palidez de cera, uma magreza de tísica romântica)
e lhes revela o sentir mórbido, devorado por apetites
romanescos e sem força vital, decisiva. Por outro lado,
é esse mesmo sentir que contribui para a sua própria
condição física, pelo que podemos afirmar
que estamos perante uma simbiose maligna, muito comum nos estados
psicossomáticos.
São, regra geral, jovenzinhas anémicas,
o que se deve, sobretudo, à sua pobre alimentação,
pouco racional, rica apenas em sobremesas. Ao invés de
peixe, hidratos de carbono e carne, nutrem-se de açúcar
continuamente... ou antes, desnutrem-se, visto o açúcar
e as natas não constituírem verdadeira fonte alimentícia.
Esta deterioração sanguínea
tem como resultado um corpo débil, padecendo de cáries
e dispepsia, mas também, segundo Eça, uma “alma
amolecida”, pouco enérgica, de onde se conclui
que a gulodice tem uma influência nefasta no carácter.
Ramalho Ortigão, que amiúde partilhava das opiniões
queirosianas, concordaria com ele neste aspecto na sua Farpa
sobre “Alimentação”, acreditando que,
se as jovens meninas se alimentassem racionalmente de carne,
deixariam de sonhar com os poetas românticos e adquiririam
o vigor que as prepararia para a futura maternidade.
Logo, a concepção da mulher começa
por ser a de ser especificamente talhado para o fim último
da maternidade. A maternidade não se apresenta à
mulher como um dos seus muitos papéis, mas como o único
a desempenhar na sua vida, para além, é claro,
do de companheira do homem.
Na crítica à alimentação,
Eça aproveita para criticar o ambiente da capital portuguesa,
que as predispõe ao pecado da gula: “Lisboa é
uma cidade doceira como Paris é uma cidade intelectual.
Paris cria a ideia e Lisboa cria o pastel.” (Uma Campanha
Alegre, 325)
Salvaguardando esta ironia, tão própria
do autor, não há que negar a profusão de
confeitarias que abundavam e abundam na capital.... e nas páginas
dos seus romances (Baltrechi, Confeitaria Lisbonense, Ferrari
) e a importância dada aos bolos (relembremos a cena dos
Maias, do passeio a Sintra, em que era forçadamente necessário
levar queijadas... a maneira como o capítulo acaba ,
no bucolismo do local “no vasto silêncio da charneca,
sob a paz do luar, Cruges, sucumbindo, exclamou: Esqueceram-me
as queijadas!” (Os Maias)
De resto, Luíza, d’ O Primo Bazílio
– a personagem ficcional que escolhemos por o próprio
Eça considerar que essa “burguesinha da Baixa”
representava todos os erros educacionais que uma mulher podia
sofrer e, por isso, caiu na fatalidade do adultério e
de um casamento falhado (afinal, toda a desgraça que
podia cair sobre uma mulher, na perspectiva queirosiana) –
é o protótipo da senhora que pede ao marido que
não esqueça de lhe trazer bolos do Baltrechi,
romances do livreiro e um chapéu que ficara na modista.
(O Primo Bazílio, 18). Isto para além de dar os
seus famosos chás ao domingo, a que não faltam
os bolinhos de ovos. Porém, tal conduta já é
aceitável e verdadeiramente faz parte dos deveres de
uma senhora burguesa para com os amigos de seu marido. Isto
é: parte dos deveres da “fada do lar”. Diz-nos
o Conselheiro, bom amigo da família e frequentador dos
seus chás, que a Luizinha era um “anjo louro”,
pela sua submissão e delicadeza e pela sua atitude em
relação ao marido: “Quem melhor [...] bom
amigo que o marido que a alma [me] escolheu?”
Como burguesa lisboeta, Luíza passava
os dias em casa. Já na sua crítica à educação
da jovem, Eça apontava a falta de exercício, de
sol e de oxigénio (em casas que nem possuíam quintal
e que dependiam das janelinhas para alargar horizontes) como
uma causa de sobreexcitações nervosas, de melancolias
profundas e de cloroses físicas (as “bonecas de
cera” do século XIX).
Aqui, há dois aspectos importantes a considerar –
se é verdade, por um lado, que a falta de todos estes
factores leva a problemas tanto físicos como emocionais,
não é menos verdadeiro que este tipo de problemas
não é exclusivo do sexo feminino. Um erro longo
tempo perpetrado, mesmo no ec. XX, quando, nos primeiros tempos
da Psicanálise, Freud julgava serem as mulheres as únicas
a padecer desse mal. O que está em jogo é o tipo
de vida a que as mulheres podiam entregar-se, visto a maior
parte das actividades lhes estarem vedadas... Essa mesma vivência
podia conduzir a maior incidência de patologias.
As meninas criadas em quintas, segundo Eça,
tinham, por outro lado, outras condições, naturalmente.
E, junto com o florescimento corporal, o marido destas meninas
teria a garantia da inocência... As meninas burguesas,
fechadas em casa, passavam o tempo lendo os jornais e metendo-se
nas conversas dos adultos, pelo que aos quinze anos diziam “com
um desdém que espantava e fazia recuar, que estavam cheias
de experiência” (Uma Campanha Alegre, 336).
O próprio passo de uma menina burguesa
(habituada às pequenas voltas das lojas e das igrejas)
é incerto, diz Eça. O hábito do sofá
dá-lhe as detestáveis posições lânguidas,
que não devem admitir-se numa senhora.
Já a miss inglesa (Eça admira muito a educação
e a formação britânicas) tem uma firmeza
no caminhar recto, dado pelas suas duas horas de marcha diárias,
questão de higiene e constante disciplina. As misses
sentam-se sempre direitas; as meninas da capital adoptam posições
de rola, acostumadas às almofadas, posições
despudoradas que uma protestante, envergonhada, nunca adoptaria.
A falta de exercício leva à idealização,
a um excesso de inquietação interior, a romanescas
enfermidades quase sempre inexplicáveis. Eça estava
convicto que o casamento era um bom remédio para acabar
com estes problemas, visto que, segundo ele “ Toda a mulher
que não se casa, idealiza” (Uma Campanha Alegre,
397). Eis o outro ponto da função última
da mulher enquanto elemento social: o casamento.
No entanto, o casamento acabava por nada trazer
de novo à vida destas mulheres, visto que a vida que
levavam em casa dos maridos era uma cópia arrastada da
que tinham levado em casa dos pais. Todas as questões
sociais lhes estavam vedadas, e, segundo Eça, muito naturalmente,
dado que as mulheres não tinham capacidade nem intelectual
nem emocional para lidar com estas. Deviam dedicar-se, pois,
ao mundo doméstico. Mas, as burguesas até nisso
falhavam...
Eça referia-se-lhes como desconhecedoras
de tudo o que dissesse respeito à ciência doméstica
(dado que a cozinha e as limpezas não faziam parte das
obrigações das burguesas, tão pouco das
aristocratas). No entanto, tanto ele como Ramalho Ortigão
eram da opinião que os conhecimentos indispensáveis
à mulher eram o asseio da casa e o governo da cozinha,
pois por aí governava a mulher a casa, apoio e sustentáculo
do... homem, claro. Assim, no ec. XIX, antes aprender a fazer
o caldo do que aprender o que é um substantivo, até
porque “o aperfeiçoamento intelectual das mulheres
(...) é incompatível com a perfeita direcção
do ménage.” (Ramalho Ortigão, Farpas, 163)
Verificamos aqui a concepção
da mulher como ser intelectualmente inferior que era partilhada
por grande parte da Geração de 70; a mulher como
ser que nem devia desenvolver as suas capacidades intelectuais
(até porque não as possuía como o seu congénere
masculino), mantendo-se, ao invés, apenas como suporte
do marido. Eça demonstra bem a sua opinião nesta
frase: “ A mulher, pela simples constituição
do seu cérebro, é adversa ao estudo e à
ciência.” (Uma Campanha Alegre, 336)
Esta ideia era, possivelmente, compartilhada
por quem dirigia os colégios femininos. Pouco de ciência
se ensinava, e os métodos para a aprendizagem da história
e da geografia (as ciências dignas de serem estudadas
pelas meninas) eram fatigantes. Estudava-se à força
de decorar, e não com cientificidade. Estudavam-se também
as línguas, para uso doméstico, para abrilhantar
os chás a que nos referimos, como se estudava a música,
o bem tocar piano. As curiosidades da biologia, da medicina
e outras ciências naturais estavam vedadas às mulheres,
por serem consideradas impróprias à sua constituição
débil. O próprio Jorge, marido de Luíza
(O Primo Bazílio) diz ao seu melhor amigo Sebastião
(falando acerca da sua Luizinha): “é mulher, é
muito mulher... não tem coragem para nada!” (O
Primo Bazílio, p.36) A falta de coragem era, aliás,
estimulada por uma religiosidade de catástrofe e de luxo.
O colégio provoca, pois, um tédio
enfraquecedor da vontade feminina, deixando apenas viva a curiosidade
pelo mundo social e alimentando o sonho do casamento. Nele (colégio)
surgia uma vida sentimental confusa e apaixonada, em que as
meninas escreviam já cartas umas às outras cartas,
assinando com nomes de heróis de romances.
A maior diversão de uma menina (e posterior
ocupação de uma mulher burguesa) consiste na leitura
de romances. Todos os romances da época, destinados às
senhoras, lhes falam de amor, um amor dramático e romântico,
e é esse romantismo que faz com que Eça também
os reprove.
De facto, segundo Eça, “o romance
é a apoteose do adultério. Nada estuda, nada explica:
não pinta caracteres, não desenha temperamentos,
não analisa paixões. Não tem psicologia
nem acção.” (Uma Campanha Alegre, pág.
22). Isto, como vemos, é diverso da escola realista que
Eça professava (contrária aos excessos líricos
e fiel à reprodução objectiva do mundo).
Mas a maior crítica de Eça aos
romances acontece pela sua condução certa à
dissolução do casamento, já que o espírito
feminino era fraco e influenciável... Vejamos: nos romances
que a mulher estava habituada a ler, era sempre a paixão
que conduzia e por ela tudo era desculpado; ela dava a felicidade
suprema, que se encontrava sempre num amor ilícito. Suspirando
por entre as páginas da Dama Das Camélias de Dumas,
as mulheres julgavam-se Margarida Gautier e ansiavam por um
amor igualmente devastador. O drama não as assustava;
pelo contrário, exaltava-as como fuga à sua vida
entediante pelo ócio. Nasce assim o que se poderia chamar
o encanto da catástrofe e a idealização
da paixão (outro tema muito caro a Eça, que ele
começara já a analisar n’ O Mistério
da Estrada de Sintra), que conduzirão a resultados desastrosos.
A música romântica ajuda ao incremento
da situação. De entre os passatempos de uma senhora,
consistia também a ida ao S. Carlos com a família
para escutar ópera – as óperas italianas,
Norma, Traviata, Il Trovatore, plenas de sensualidade e sentimento.
Nelas, o amor aparece como a finalidade última da existência,
mas não o amor conjugal, o amor consagrado pelo dever.
A opinião queirosiana sobre estas óperas é
feroz, visto destruírem o lugar sagrado da mulher como
mãe e esposa – o único que lhe competia
preencher com aprumo: “uma ópera é um lupanar.
Cada dueto, cada allegro, uma excitação erótica.
Imagine-se uma menina ouvindo durante um ano aquela ladainha
de sensualidades (...) e toda aquela moral suspirada, gemida,
arrastada na dilacerante agonia da rabeca, assobiada irritantemente
na flauta, modulada aereamente na harpa, soluçada de
um soluço inteiro pelo demónio invisível
que habita o violoncelo (...) Ah! Nós não somos
bárbaros. Estimamos a música. Meyerbeer, Gluck,
Mozart, Beethoven são verdadeiros pensadores... Mas S
Carlos canta-os? De modo nenhum, a não ser de dois em
dois anos, a fugir. De resto, Donizetti, Bellini, todos os sensualistas.
Ora, aqueles respeitamo-los como ideias que cantam – estes,
detestamo-los como erotismos que arrulham!”
Luíza (O Primo Bazílio) é
o perfeito exemplo da jovem casada, “mulher, muito mulher”,
e logo, fraca e permeável às más influências
– os romances que lê constantemente e as óperas
(recordemos como canta constantemente trechos de La Traviata,
sua ópera de eleição, onde se conta o sacrifício
de uma mulher por amor e se condena a moral hipócrita).
Eça quer demonstrar, com o seu romance
de tese O Primo Bazílio, que a ociosidade feminina (esta
mulher que “todo o dia vai puxando o tempo pelas orelhas”
e mesmo desse esforço se ressente), o carácter
passivo da mulher, influenciável e pouco resistente e
racional, medrosa (com terrores de tudo, das trovoadas, de Deus,
dos insectos, dos fantasmas...), curiosa apenas acerca de um
mundo generoso de bailes que nunca viveu e viu no teatro, aliado
a uma educação deficitária e romântica,
levam-na a ser incapaz de resistir ao sedutor tornado fascinante,
tanto pela elegância exterior como pela experiência
do exótico das suas viagens.
Além disso, o amor de alguém
como Bazílio que Luíza idealizara enchia-lhe o
ego de burguesa: “ As qualidades de Bazílio apareciam-lhe
então como as de um deus! E estava apaixonado por ela!
E queria viver junto dela!”
Nesta paixão adúltera, vemos
a cada passo, a idealização livresca – um
traço de bovarismo, à maneira de Flaubert. A Madame
Bovary apresenta, de resto, o mesmo tipo de educação
romanesca, construindo um mundo imaginário e sedutor
a partir das suas leituras, que são a antítese
do mundo prosaico e trivial onde vive. “Ia ter, enfim,
aquela aventura que tantas vezes lera nos romances amorosos!
Era uma nova forma de amor que ia experimentar, sensações
excepcionais! (O Primo Bazílio, 195)
A mesma palpitação amorosa julgou ter Luíza
quando se casou.
Eça também é duro com
as mulheres quanto aos seus propósitos em relação
ao casamento: segundo ele, a mulher tem dois fins, ao casar-se
– não ficar economicamente desamparada (dado que
nada podia nem sabia fazer) e mudar de vida (visto que a vida
com os pais a entediava). Deste modo, a economia tem também
um alto valor dentro das expectativas de uma jovem mulher.
Depois do casamento, a mulher está (ou
continua) “excluída da vida pública, da
indústria, do comércio, da literatura, de quase
tudo enfim, pelos hábitos ou pelas leis, fica apenas
da posse de um pequeno mundo, seu elemento natural – a
família.” (Uma Campanha Alegre, 334).
Confinada à sua prisão caseira,
esta mulher, em breve, se desgostará desta vida monótona
e também do marido, que imaginara um galã de romance
e que não é mais do que um prático homem,
sem nada de misterioso nem aventureiro. Esta mulher cairá
no abismo quando o amante (neste caso particular, Bazílio)
lhe disser “Mas queres que te ame como no teatro? (...)
isso são tolices! Já nos conhecemos muito para
isso, minha rica!” Então, Luíza olhará
para dentro de si para constatar apenas: “O que a levara
para ele? Nem ela sabia: não ter nada que fazer, a curiosidade
romanesca e mórbida de ter um amante, mil vaidadezinhas
inflamadas, um certo desejo físico... e sentira-a, porventura,
essa felicidade que dão os amores ilegítimos de
que tanto se fala? Nunca! Todo o prazer que sentira ao princípio,
que lhe parecera ser o amor, vinha da novidade, do saborzinho
delicioso de comer a maçã proibida!” (PB,
224)
O que Luíza ganha com a relação
extraconjugal é a sua própria destruição
(Eça reserva-lhe um curioso destino romântico –
a morte febril por remorso). Já o sedutor Bazílio
continua a sua vida galante – ele “parte, levando
as recordações romanescas da aventura; ela fica
nas amarguras permanentes do erro” como nos diz Eça.
O castigo social para o homem que tem relações
socialmente não legalizadas nunca é grave –
veja-se o conselheiro Acácio, amigo da casa, que vive
em uma situação amorosa com a criada, que todos
fingem ignorar... Já a amiga de Luíza, Leopoldina,
é criticada por todos e mesmo proibida de frequentar
as casas das “boas famílias” por ter numerosos
amantes.
Assim, esta breve panorâmica queirosiana
(baseada nos textos teóricos d’ As Farpas e no
romance de tese sobre os efeitos catastróficos da educação
romântica que é O Primo Bazílio) vem mostrar-nos
um outro lado de Eça, desse homem tão moderno
e tão amante do progresso, porta-voz da geração
revolucionária e culta de 70: um lado tradicionalista,
misógino, parcial, verdadeiramente diverso e oposto ao
Eça que conhecemos e que tanto admiramos.”