UM TESTEMUNHO ETNOGRÁFICO
DE PORTUGAL
ANTIGO EM TERRAS DO CANADÁ
(Toronto, 21 de Setembro de 2003)
Por Adelina Pereira - Adiaspora.com
Adiaspora.com: Encontramo-nos na décima sétima
edição do Ciclo de Cultura Açoriana na companhia
da Sra. D. Olígia Rezendes, que tem participado em diversos
eventos culturais comunitários com uma colecção
de artefactos tradicionais ligados à produção
e transformação do linho. Em primeiro lugar gostaria
de saber donde é oriunda e qual a data do seu nascimento?
Olígia Rezendes: Sou natural da Fazenda do Nordeste, S.
Miguel, onde nasci a 31 de Julho de 1936.
Adiaspora.com: Quando emigrou para o Canadá?
Olígia Rezendes: Vim para o Canadá em 1960.
Adiaspora.com: Qual o motivo da sua vinda?
Olígia Rezendes: Vim porque tinha aqui o meu marido.
Adiaspora.com: Quando cá chegou foi logo trabalhar?
Olígia Rezendes: Não. Estive alguns anos em casa
e depois trabalhei 5 anos na CNIV.
Adiaspora.com: Como surgiu o seu interesse pelos artefactos e
pelo artesanato do linho?
Olígia Rezendes: Eu nasci lá na minha freguesia,
no Nordeste, e vi a minha avó a fazer estes trabalhos.
Era tecedeira e tinha todos os utensílios necessários
para trabalhar o linho.
Adiaspora.com: Quais eram esses utensílios?
Olígia Rezendes: O ripanço para ripar o linho;
a grama para gramar; o cedeiro para acedar, a roda para dobar,
o fuso e a roca para fiar; o sarilho para ensarilhar; canelas
para dobar o linho depois de fiado e lançadeiras para colocar
as canelas para utilizar o tear.
Adiaspora.com: Naquele tempo havia muito cultivo do linho na
sua zona?
Olígia Rezendes: Havia muitas senhoras a trabalhar no
linho e iam para muitas freguesias vendê-lo porque era muito
utilizado para fazer lençóis.
Adiaspora.com: Quem plantava o linho?
Olígia Rezendes: Os homens cavavam a terra e plantavam
o linho e as mulheres trabalhavam-no. Estas também o mondavam
e apanhavam. Os homens limitavam-se a semear e ripar que eram
os trabalhos mais pesados. Por vezes, também ajudavam a
transportar o linho nos burros para os lagos de água enquanto
as mulheres o faziam à cabeça.
Adiaspora.com: A senhora nunca chegou a ser tecedeira?
Olígia Rezendes: Não.
Adiaspora.com: Mas seguiu de perto na sua infância todo
o processo de fabrico do linho. Após a sua colheita, qual
o passo seguinte?
D. Olígia, de imediato, apontou
para um cartaz que, por norma, ilustra as suas exposições
e no qual descreve as diversas fases da transformação
do linho que aqui transcrevemos:
Toda gente sabe o que é o linho. Trata-se
de uma semente de cor castanha que os nossos antigos aproveitavam
para tecer. Assim, a semente do linho era a linhaça. Semeava-se,
e mondava-se. Dava uma linda flor roxa à maneira que o
linho crescia. Essa flor depois ficava amarela. Dava-se o nome
de baganha. Daí saia a semente do linho. Apanhava-se, e
ripava-se com um ripanço. Após ser ripado, a baganha
ia a secar numa eira e o linho para um lago de água durante
uma semana. Tirado do lago, estendia-se na terra as cafuas para
enxugar o linho. Estava ali alguns dias. Depois juntava-se às
mãos cheias, deitava-se no forno por um dia para se poder
amassar com uns paus próprios. O linho ficava mais macio.
Novamente, era estendido na terra entre o tremoço para
o vento não levar. Ficava então mais fino e, claro,
recolhia-se da terra às mãos cheias. Ia ao forno
quente para de novo gramar-se. Era então tasquinhado nas
costas de uma cadeira com um pauzinho. Depois ia ao cedeiro e
assim se dividia a estopa do linho. Ficava pronto a fiar na roca
e no fuso. Passava depois ao sarilho para ensarilhar e daí
fazer meadas. As meadas iam a seguir a cozer numa panela com água,
cinza e sabão para o linho tornar-se mais branco e macio.
Lavado na ribeira, estendia-se na terra a corar, recolhia-se,
tornava-se a lavar e a estender a secar. Passava à dobadeira
para dobar em novelos. Enchia-se as canelas para tecer. Depois
era a mão da tecedeira que fazia no tear pano de linho
que se usava para se fazer lençóis, colchões,
mantas, cobertores, passadeiras e toalhas, saindo da estopa um
trabalho mais grosseiro e do linho um trabalho mais fino.
Adiaspora.com: Quando começou a interessar-se por mostrar
a história do linho em eventos culturais portugueses em
Toronto?
Olígia Rezendes: Há 13 anos desta parte. O meu
primo, o Prof. Nestor Sousa, que é docente universitário,
veio a Toronto para participar no Ciclo de Cultura Açoriana
com o tema "A História do Nordeste" e esteve
hospedado em minha casa. Nesse tempo, já tinha praticamente
quase todos os artefactos que hoje possuo, guardados numas prateleiras
em casa mas ninguém os conhecia. O Sr. Neto (organizador
do Ciclos de Cultura Açoriana) foi sabedor do que tinha
em casa e convidou-me a participar. Foi esta a primeira vez que
expus estes artefactos antigos, entre os quais louças antigas
e utensílios de lavoura. Desde então tenho vindo
a participar em todas as edições do Ciclo de Cultura
Açoriana. Já lá vão 13 anos.
Adiaspora.com: Expõe a sua colecção só
nos Ciclos de Cultura Açoriana?
Olígia Rezendes: Já expus na Igreja de Santa Inês
de Toronto e na escola de S. Francisco, onde fui mostrar aos alunos
estas coisas antigas.
Adiaspora.com: Acha importante mostrá-los à juventude?
Olígia Rezendes: Acho que sim porque gostaria que os pais
dessem a conhecer a sua cultura aos filhos e que houvesse alguém
que desse continuidade a este meu trabalho de divulgação.
Adiaspora.com: Gostaria de ver um museu etnográfico português
em Toronto onde se pudesse expor estes artefactos tradicionais?
Olígia Rezendes: Gostava.
Adiaspora.com: Acha que é importante ensinar a nossa língua
aos jovens?
Olígia Rezendes: É uma das coisas
que peço a todos os pais portugueses que nunca deixem de
ensinar a sua língua materna aos seus filhos. É
muito importante que esta continue a viva neste país.
Adiaspora.com: Tenciona continuar com este seu trabalho de divulgação
etnográfica no futuro?
Olígia Rezendes: Se alguém me convidar
e logo que possa, tenho todo o gosto em continuar. Este arquivo
cultural que possuo é para servir.
Adiaspora.com: Voltando novamente ao trabalho do linho, concerteza
que sempre que fala nele e o divulga lembra-se de sua avó?
Olígia Rezendes: Lembrou-me sempre da
minha avó que era tecedeira e a minha mãe que tecia
no tear da minha avó as mantas para a nossa casa (mas a
minha mãe não era tecedeira profissional). No tear
faziam-se as mantas, lençóis, cobertores de lã
e passadeiras.
Adiaspora.com: No tear trabalhava-se não só o linho
mas também a lã?
Olígia Rezendes: Da lã fazia-se
os cobertores e do linho as mantas e os lençóis.
Adiaspora.com: A D. Maria Olígia Rezendes vai continuar
a dar a conhecer este legado cultural que herdou dos seus ancestrais.
Olígia Rezendes: Isto para mim é
um verdadeiro património.
Adiaspora.com: Tem o apoio da sua família nestes eventos?
Gostam de a ver a fazer este trabalho?
Olígia Rezendes: O meu marido gosta, mas
especialmente os meus filhos. Tenho um filho e uma filha que dizem
que dar continuidade ao que agora faço.
Adiaspora.com: Os seus filhos encontram-se envolvidos na vida
comunitária?
Olígia Rezendes: Sim. Actualmente nem
tanto, mas no passado estiveram muito envolvidos em grupos de
escuteiros, ensinavam catequese, participaram em ranchos folclóricos
e tiveram aulas de piano. Pensei ser bom para a educação
dos meus filhos e assim dar-lhes aquilo que não tive e
que tanto desejava.
Adiaspora.com: Pelos vistos gosta muito de música? Gostou
muito de ouvir a Banda do Senhor Santo Cristo da Igreja de Santa
Maria de Toronto que ontem actuou aqui no XVII Ciclo de Cultura
Açoriana?
Olígia Rezendes: Gostei imenso.
Vejo que os meus filhos também gostam e dizem, assim como
eu, que não devemos permitir que estas tradições
venham a desaparecer!
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