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Por: Ferreira Moreno
Na recolha de curiosidades acerca das abelhas,
consegui rabiscar um par de crónicas com o “recheio”de
ingredientes históricos e folclóricos, a que ajuntei
ainda uns “salpicos”mitológicos e lendários.
Hoje tenciono ir aos “Açores dos meus amores”
na companhia de Gaspar Frutoso, a fim de levantar uma pontinha
do véu secular que agasalha essas atlânticas ilhas
, e cuja historicidade se revela pujantemente nas páginas
das “Saudades da Terra”.
Desde já previno que vou usar a edição mais
recente, que o Instituto Cultural de Ponta Delgada publicou em
1998. Veremos que, de certo modo, as abelhas também contribuíram
p’rá economia insular logo após o povoamento
humano.
Começando por Santa Maria, diz-nos Frutoso que ao tempo
em que escrevia a História dos Açores era reduzido
o número de abelhas em terras marienses. Porém,
o que minguava em quantidade primava pela qualidade, pois que
o mel era muito bom e coalhava-se como marmelada. O mel encontrava-se
em muitas abelheiras; tanto assim que, em 1579, na Ribeira Grande
dos Moinhos, perto da Vila do Porto, um indivíduo achou
uma abelheira, de que tirou quatro camadas de mel.
De facto, Frutoso recorda que era costume dos antigos irem à
busca de abelheiras, e todos os anos achavam-nas com frequência
e abundância. ( Saudades, Livro III, pág 43).
Em S. Miguel viveu um continental de nome Bartolomeu Roiz, “chamado
da Serra, porque morava nela na freguesia dos Fenais (perto de
Ponta Delgada), cuja fazenda tinha cerca de seiscentas colmeias,
de que tirava cada ano mais de uma pipa e uma quarto de mel.”
(Saudades, Livro IV, Páginas 214 – 215).
Na página 239 referente ao ano de 1510, Frutoso menciona
um Lopo das Cortes, morador na Ribeira Grande, no sítio
das Covas à beira-mar, a caminho do porta da Santa Iria,
onde havia muito mato de sanguinhal. Devia ser um tipo bastante
guloso, pois que “querendo comer mel fresco de abelhas,
mandava a um seu filho, chamado Bartolomeu Lopes, que derramasse
o mel que tinha em casa em umas cabaças, e fosse buscar
outro fresco ao sanguinhal, nas tocas e buracos das árvores
e sanguinhos, onde as abelhas criavam muito.”
Frutoso delicia-nos com a narrativa (página 367) que dedica
ás actividades das abelhas na produção do
mel. É deveras notável a preponderância de
Frutoso no que diz respeito a detalhes informativos. Se bem que,
1515, era de trinta réis o preço duma camada de
mel de abelhas, o certo é que inúmeras “colmeias”
desapareceram após o terramoto de 1522, que sacudiu a ilha
e arrasou a Vila Franca.
Na freguesia de Fajã de Baixo, em S. Miguel, além
do Pico da Abelheira (150 metros de altitude), existe a grande
casa da Abelheira (Família Augusto Arruda), em cuja extensa
propriedade se espalham estufas de ananases.
Passando à ilha Terceira, no lugar do Posto Santo (freguesia
desde 1980, pertencente ao concelho d’Angra) existiram muitas
e ricas colmeias, “pela grande cópia de erva-ursa,
que é pasto gratíssimo das abelhas, onde há
um homem que tem 500 colmeias.” (Saudades, Livro VI, Pág.
14).
Ainda na Terceira, e adentro do concelho da Praia, entra-se na
freguesia da Agualva “com muitas vinhas e pomares de muitas
frutas, e muitas colmeias e muitos criadores delas.” (Páginas
17 – 18). O próprio Frutoso diz categoricamente (página
23) que na Terceira “há muito mel e bom pasto para
ele, como é alecrim, rosmaninho, erva-ursa ou timo, queiró,
poejos, cubres e muitas flores de árvores diversas.”
Aparentemente, S. Jorge albergou muitas abelheiras e enxames de
abelhas, mas que desapareceram após o “espantoso
terramoto que aconteceu na ilha aos 28 d’Abril de 1580”,
em conformidade com o testemunho de Frutoso. ( Saudades, Livro
VI, Capítulo 34).
No Pico vamos encontrar “muito mel de abelhas e cera”na
freguesia de Nossa Senhora da Piedade (página 113), enquanto
na freguesia de São Mateus (página 115) dá-se
conta dum Amaro Pires, “criador de muito gado e proprietário
de muitas colmeias.”Finalmente, na página 117, Frutoso
dá destaque a “muita quantidade de mel de abelhas
e cera” existente na freguesia de Santa Cruz das Ribeiras.
E nada mais apurei de concreto acerca do Faial, Graciosa, Flores
e Corvo. No entanto, estou a par duma lenda encantadora advertindo
que a abelha é merecedora da nossa inteira estimação
e o seu zumbido em casa é presságio de boas novidades.
Foi Nossa Senhora quem abençoou a abelha p’ra produzir
o mel e a cera, em retribuição da abelha se ter
oferecido a acompanhar Nossa Senhora, que se encontrava sozinha
no caminho antes de parir Jesus!
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