Em Louvor da Abóbora


Por: Ferreira Moreno

A encantadora cidade de Half Moon Bay, já de si pitoresca pelo nome e localidade onde está situada, ou seja, na baía de meia-lua, continua apostada em reclamar o título exclusivo e curioso de “Capital Mundial da Abóbora.”
É tal a fartura de abóboras que há já três décadas se vem realizando, em half Moon Bay, um festival de arromba em louvor da abóbora. Este ano, novamente, convergiu a esta localidade um autêntico “mar de gente” avaliado em duzentos e cinquenta mil forasteiros, a fim de participar no trigésimo quarto festival anual da abóbora, que decorreu no fim-de-semana de 16 a 17 d’Outubro.
Houve parada, música, dança, arte, fantasia, gastronomia, concursos, e muitas outras actividades, que seria longo enumerar. A “entrada é gratuita, e tudo se desenrola na rua principal de Half Moon Bay, desde as dez horas da manhã até as cinco da tarde.
Não é, porém, deste “Art & Pumpkin Festival”que quero falar. Tenciono, ainda que ligeiramente, discorrer acerca do cenário que, antigamente, se observava nas ilhas e que ainda hoje guardo na minha memória.
Estou a ver ainda os carros de bois e as carroças transportando as maçarocas de milho, no cimo das quais vinham as abóboras e os morangos. Depois de descarregar umas e outros, as nossas freguesias adquiriram um ar festivo, por muros e talhados, quintais e balcões, com o verde dos mogangos entremeando-se com as diversas tonalidades de abóboras, desde o cinzento claro ao amarelado e avermelhado.
A abóbora era de grande estimação, servindo mesmo de oferta entre vizinhos e familiares, beneficiando até a igreja paroquial quando havia a tradicional recolha da “migalha.”
Aproveitam-se, então, as pevides que, depois de assadas no forno e temperadas com sal, alho e pimenta, constituíam um apreciável aperitivo, p’ra acompanhar vinho ou cerveja. A abóbora também entrava na culinária, pois comia-se quer cozida quer assada no forno. Geralmente quando vinha assada, ajuntava-se-lhe açúcar e canela. Servida em talhadas era uma sobremesa deliciosa, e da sua polpa era costume fazerem-se bolos, pudins e pastéis, adicionando-se-lhe farinha, ovos, açúcar e canela.
Bem lembrado estou ainda dos caldos ou sopas de abóbora. Partia-se a abóbora aos bocados, levando-a a cozer juntamente com feijões inteiros, na água bastante p’ró caldo, temperando-a com sal, malagueta ou gordura. Pr’a maior proveito, além do conduto, migam-se sopas de pão de milho ou de trigo. Era, de facto, uma refeição regalada!
Simplesmente a título de curiosidade, recordo-me que nas ilhas aplicavam-se as expressões “cabeça-de-abóbora” e “cabeça-de-mogango” a pessoas tagarelas e chocalheiras. No aspecto etnográfico, com referência à alimentação terceirense, o Dr. Leite de Vasconcelos escreveu:
“no tempo da monarquia dava-se aos do partido progressista a alcunha de mogangos e aos do partido regenerador a de abóboras. Por ocasião das eleições, o bando que saia vencedor e festejava pelas ruas a vitória, entre o habitual estrondo das filarmónicas e dos vivas, levava respectivamente como insígnia de triunfo, espetada num pau, ou uma abóbora ou um mogango. Assim, pela ostentação do objecto de escárnio, afirmava melhor cada um que não se importava da alcunha que lhe infligiam, e só se vangloriava de haver vencido o competidor e de o espezinhar.” (Mês de Sonho, Segunda Edição, 1992, Página 58).
Não posso reprimir a tentação em transcrever, agora, um episódio ocorrido na “minha” Ribeira Grande, em tempos passados. Trata-se da ermida de Santo André, que remonta aos fins do século XV ou princípios do século XVI. Quando o visitador apostólico Lopo Gil Fagundes a visitou em 1606, os mordomos da respectiva ermida foram aconselhados a lajear a mesma dentro de um ano. Mas tudo ficou “em águas de bacalhau” até o ano de 1648, quando um indivíduo de nome Lourenço de Medeiros Chicharro, mas com a alcunha de “O Abóbora”, decidiu lajear a ermida.
Em galhofa, os amigos entraram a dizer que só de abóbora seria ladrilhada a ermida, o homem, porém, não perdeu as “estribeiras” e avançou com os seus planos. Ao concluir o lajeamento, na pedra do degrau de entrada p’rá ermida, deixou escrito o seguinte epitáfio, que ainda existe: “É de pedra e não de abóbora.”
A semelhança do que acontece pelo “Halloween” nos Estados Unidos, com espantalhos de abóboras, disse-nos Carreiro da Costa (1913 –81) ter sido esta tradição observada nas ilhas por ocasião dos cantares aos Reis e ás Estrelas, bem como nas esgalhadas do milho à noite.

Eu plantei no meu quintal
Uma abóbora já crescida;
Se por mim perdes a alma,
Eu por ti perco a vida.

Tanta laranja de China,
Tanta abóbora pelo chão!
Tanta menina bonita,
P’rá minha perdição!