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Por: Ferreira Moreno
Já por aqui transitei, em crónicas
anteriores, narrando histórias acerca do açúcar
na Madeira. E ainda há pouco tive a oportunidade de agrupar,
numa ligeira crónica, uma série de lembranças
sobre o antigo açúcar micaelense. Apresenta-se-me
agora o momento propício p’ra transcrever novas histórias,
e outras curiosidades, relacionadas com o açúcar
nos primeiros séculos do povoamento dos Açores.
Começando por Santa Maria, o nosso Gaspar Frutoso dá
inteiro crédito ao Infante D. Henrique na escolha do mestre
António Catalão, que ficou incumbido de ir plantar
canas-de-açúcar nesta ilha. A tentativa foi, inicialmente,
bem sucedida, embora de curta duração, como é
fácil deduzir das palavras do próprio Frutoso: “Das
canas fez-se muito bom açúcar, mas pela pouca curiosidade
dos homens, ou por não haver regadias, ou pelo pouco poder,
cessou a granjearia delas.” (Saudades da Terra, Livro III,
Página 7, Edição 1998).
No faial também houve a cultura da cana sacarina, “pelo
menos por parte do donatário, que encarregou o genro Martin
Behein, numa viagem que este fez a Flandres, de lhe vender ali
o açúcar do seu fabrico.” (Marcelino Lima,
Anais do Município da Horta, Página 378, Segunda
Edição, 1976).
Sem querer ofender, de forma alguma, a memória do venerado
Marcelino Lima (1868 – 1961), confesso que fiquei decepcionado
em não ter deparado com a devida confirmação
dessa viagem de Behein p’rá venda do açúcar
do sogro. O ilustre Dr. Ernesto do Canto não menciona este
espisódio no seu extensivo artigo, dedicado a Behein e
publicado nas páginas 435 – 444 do primeiro volume
do “Arquivo dos Açores.”
O escritor Ernesto Rebelo (1842 – 1890), igualmente, não
incluiu a ocorrência nas suas “Notas Açorianas”,
dispersas no sétimo volume do “Arquivo dos Açores”,
especificamente nas páginas 401-405 dedicadas a Martin
Behein (1430-1507). Convém esclarecer que Behein é
o autor do famoso “Globo de Nuermberg”, e nos espaços
não ocupados pelos desenhos geográficos ele acrescentou
varias notas explicativas, três das quais referentes aos
Açores.
Na segunda nota, tratando das ilhas açorianas, ele apenas
diz que “cresce nelas o açúcar de Portugal.”
Passando agora à Terceira, encontrei uma carta enviada
a D. João III pelo Provedor das Armadas nos Açores,
de nome Pero Anes do Canto, com data de 16 d’Agosto de 1552,
donde me prontifico a transcrever os seguintes excertos:
“Eu tenho umas herdades nesta ilha Terceira, onde chamam
Agualva, que me parece que darão açúcar como
se dá na ilha de S. Miguel e queria fazer sobre a experiência
disso despesa (...) e na dita comarca há uma ribeira que
se chama a Ribeira d’Agualva onde o capitão tem suas
moendas em que o povo moe seu pão (...) peço a Vossa
Alteza me faça mercê da água da dita ribeira
que depois que passar por os ditos moinhos se vai perdida ao mar,
para regar as ditas terras que assim quero fazer em canaviais
d’açúcar se as terras para dar o dito açúcar
dela tiverem necessidade.” (Arquivo dos Açores, Volume
I, Página 1350.
Este provedor era um tipo bastante astuto, e a sua artimanha patenteia-se
expressivamente nestes dizeres: “Porque não queria
depois que eu tivesse feito gasto sobre a dita experiência,
outra pessoa que no dito limite tivesse herdade a pedisse a Vossa
Alteza e eu ficar com o gasto de experiência a ela com a
água”
No que respeita a S. Miguel, o meu saudoso “mestre”
Carreiro da Costa (1913 – 1981) é de firme opinião
que a cultura da cana de açúcar foi “implantada”
na ilha à volta de 1474, altura em que o capitão
do donatário, Ruy Gonçalves da Câmara, veio
“instalar-se” em S. Miguel. ( Tradições,
Costumes & Turismo, Maio de 1973).
O Padre Manuel Luis Maldonado (1644-1711), nas páginas
133-143 do primeiro volume da sua “Fenix Angrence”
(Edição do Instituto Histórico da Ilha Terceira,
1989), transcreve o Foral das Alfândegas das Ilhas dos Açores,
feito em Lisboa aos 4 de Julho de 1499 por ordem do rei D. Manuel
I, onde está claramente estipulado que “todo o açúcar
que se carregar p’ró Reino por naturais em navios
dele não paguem dízimo.”
Gaspar Frutoso fixa a introdução da cana-de-açúcar
em S. Miguel no ano de 1540, como podemos verificar no Capítulo
58 do Livro quarto das suas “Saudades.” Porém,
isto tão somente pressupõe ter havido qualquer quebra
na produtividade da indústria sacarina, e Frutoso estar
a falar duma presumível recuperação da mesma.
Que eu saiba, e baseando-se numa carta enviada em 1554 pelo Capitão
Gaspar do Rego Baldaya a D. João III, o açúcar
estava a dar “maior despesa e pouco proveito”, ou
seja, a produção da cana de açúcar
encontrava-se, novamente, numa rápida fase de declínio.
E p’ra mais, não há espaço. No entanto,
prometo voltar com o doce mel de abelhas.
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