Açúcar e Escravatura


Por: Ferreira Moreno

Na bíblia não encontramos a mínima referência ao açúcar, mas o mel é mencionado frequentemente. Por exemplo, no Livro de Isaías (7:22) topamos coma evidência de que o mel era parte integrante da dieta das tribos nómadas, que não cultivavam cereais. Não consegui precisar, no entanto, quando a apicultura foi introduzida quer na Palestina, quer na Mesopotâmia e Egipto.
No Antigo Testamento, o mel está enumerado entre os produtos dos campos israelitas (2 Crónicas 31:5), bem como o mel silvestre encontrado em rochas pedregosas (Deuteronómio 32:13). Temos ainda a referência feita a um favo de mel (1 Samuel 14:25 – 26).
Digno de registro o episódio (Juízes 14:8-9) acerca de Sansão e o enxame de abelhas com mel na carcaça do leão, que o próprio Sansão havia despedaçado. Como símbolo duma região rica e fértil, o mel integra-se naquela passagem bíblica acerca da Terra da Promissão, “onde corre leite e mel.” (Êxodo 3:17).
Nos Salmos (119:103) lê-se: “Doces são ao meu paladar as tuas promessas, mais do que o mel da tua boca.” Porém, os Provérbios (5:3-4) advertem que “os lábios da estrangeira destilam mel, mas no final ela é amarga como o fel.” Finalmente, as narrativas evangélicas de S. Mateus (3:4) e de S. Marcos (1:6) assinalam que João Baptista alimentava-se no deserto, “com gafanhotos e mel silvestre.”
Quer nos tempos bíblicos, quer nos períodos pré-históricos e clássicos, usava-se o mel e determinadas frutas p’ra adocicar a comida e bebidas. O açúcar, tal como é hoje conhecido, apareceu mais tarde adveio originalmente da cana-de-açúcar, enquanto o açúcar da beterraba só começou a ser produzido no século 18.
Aparentemente, a cana-de-açúcar espalhou-se na área do Mediterrâneo através dos Árabes à volta do século sétimo. No entanto, o açúcar extraído da cana continuou a ser uma dispendiosa e rara mercadoria no Ocidente até o século 14. na opinião de Maguelonne Toussaint Samat, a cana-de-açúcar é originária da Índia. (History of Food, Edição 2003).
Quando Darius I (Rei da Pérsia, 521-486 antes de Cristo) invadiu o Vale dos Indus, ele encontrou “uma cana quedava mel sem a ajuda das abelhas”, e trouxe-a consigo. Os persas guardaram-na como se tratasse dum segredo do estado, mas subsequentes invasões, conquistas e caravanas comerciais eventualmente introduziram a cana-de-açúcar através do Médio Oriente. Primordialmente considerado como especiaria rara e cara, o respectivo xarope foi usado em medicina pelos Egípcios e Fenícios, muito antes dos Gregos e Romanos.
Deve-se aos Árabes a construção da primeira refinaria industrial do açúcar no primeiro milénio da Era Cristã. As Cruzadas foram parcialmente responsáveis pela introdução do açúcar através da Europa. O nosso Infante D. Henrique (1394-1460), na sua infatigável campanha em tornar Portugal n mais grandiosa potência mundial, deu início à plantação da cana-de-açúcar nas recém-descobertas ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé.
Desastradamente, a fim de compensar pelas lacunas na mão-de-obra destinada ao cultivo e produção do açúcar, teve que recorrer-se ao emprego de escravos africanos, não só nos territórios portugueses, mas também em muitas outras terras sujeitas ao domínio colonizador de nações estrangeiras.
Segundo o testemunho do historiador britânico Philip de Souza, “o sucesso do comércio do açúcar está intimamente relacionado com a mais infamante de todas as actividades marítimas e comerciais, ou seja, a escravatura.” (Seafaring & Civilization, London 2001).
A necessidade da mão-de-obra nos campos da cana-de-açúcar, alterou permanentemente a natureza da escravatura portuguesa que, de escravatura doméstica, se tornou em autêntica escravatura das plantações.
Convém realçar, aqui e agora, que as plantações de açúcar não foram as únicas a fornecer o destino p’rá importação de escravos africanos. E assim, teremos as plantações de tabaco, arroz e algodão nos Estados Unidos. Os ingleses, espanhoes, franceses, holandeses, e outros colonizadores europeus, fizeram largo uso dos escravos africanos. Porém, o que mais ressalta deste comércio da escravatura no Atlântico é o incremento e intensidade, que acompanharam e igualmente se estenderam às Caraíbas.
Na Califorlândia, a antiga Spreckels Sugar Company em Salinas, construída em 1899,chegou a ser considerada a maior refinaria de açúcar no mundo inteiro. A antiga Holly Sugar Company em Union City, estabelecida em 1870, teve fama de ser a mais próspera fábrica produzindo açúcar de beterraba na América. E a cidade de Crockett tornou-se conhecida como centro principal da California & Hawaiian Sugar Refinery.