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Por Adelina Pereira
A ALHEIRA
Recém chegada de outras terras além-mar,
acabei por passar algum tempo na Cidade de Mirandela por motivos
profissionais. Habituada a outros costumes e iguarias, tinha eu
descoberto, há relativamente pouco tempo, os deleites do
tradicional Fumeiro Transmontano - o presunto, salpicão,
chouriço, butelo, palaio e a alheira de Mirandela. Como
a ignorância, por vezes, nos presta uma certa arrogância,
releguei estas especialidades gastronómicas ao plano da
banalidade, tanto, que num passeio na margem do plácido
Rio Tuela, fiquei extremamente indignada ao ver passar um furgão
com os dizeres "AS ALHEIRAS DA ADELINA", designação
de uma fábrica artesanal de alheiras local. Já um
pouco descontente com o nome que os meus progenitores me tinham
atribuído, não me pareceu muito digno que este fosse,
de alguma forma, conotado com UMA FÁBRICA DE ALHEIRAS
!!!
Mas o tempo é o melhor mestre, e o destino
prolongou a minha estada naqueles remotos lugares transmontanos
por mais sete anos, facultando-me a oportunidade da conhecer melhor
a história, hábitos e costumes das suas gentes,
os quais portam nos rostos graníticos e tisnados a paisagem
serrana da sua terra. Encontrei nas regiões de Vimioso,
Izeda, Mirandela e Macedo e Cavaleiros famílias e comunidades
marranas e judias e a riqueza do seu legado, que, com os celtas,
romanos e mouros, moldaram o espírito independente transmontano.
"Para além do Marão, mandam os que cá
estão".
A perseguição da qual foram alvo os judeus ibéricos
os obrigou ao exílio ou à conversão. Muitos
exibiam os sinais exteriores do cristianismo, mantendo, todavia,
a prática dos ritos judaicos na intimidade dos seus lares,
longe dos olhares dos informadores do Santo Ofício. A celebre
alheira nasceu desta necessidade de auto preservação.
Sendo a matança do porco e os enchidos costume das gentes
cristãs, os marranos, proibidos de ingerir carne de porco
pelos os preceitos da fé judaica, inventaram uma chouriça,
feita de massa de pão, carne de caça e frango, que,
pendurada e curada à lareira, de forma idêntica ao
fumeiro dos cristãos, enganaria qualquer vizinho cristão
mais curioso ou zeloso. O fabrico da alheira está intrinsecamente
ligado à cultura gastronómica do Concelho de Mirandela
e redondezas, testemunho da presença sefardita naquelas
regiões. Com o decurso do tempo, foi introduzida a carne
de porco na sua confecção, mas ainda encontrei algumas
famílias na zona de Limãos, no concelho de Macedo
de Cavaleiros, que as confeccionam com os ingredientes originais,
produzindo, a meu ver, a melhor alheira transmontana que alguma
vez tive o prazer de provar!
Nada melhor, num dia de invernia serrana, e grande apetite, do
que um prato de batatas fritas, uma alheira e o celebre ovo a
cavalo, acompanhado de um bom tinto transmontano da região
de Valpaços!
E assim, após o lento desfolhar da história
e nobres valores das gentes serranas, apercebi-me da minha estultez
naquela tarde na margem do Tuela, e que, afinal, até era,
de algum modo, um privilégio associar o meu nome ao fabrico
do prato emblemático da Cidade de Mirandela, a ALHEIRA!
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