MORREU ÁLVARO CUNHAL

Por: Carlos Morgadinho
Adiaspora.com

 

 

A minha ida a Portugal no passado dia 9 de Junho de 2005 coincidiu com o falecimento de vários figuras emblemáticas da resistência e luta anti-fascista em Portugal e do após 25 de Abril de 1974. No dia 11 daquele mês morre uma, talvez a mais querida e polémica do após Revolução tendo liderado, como primeiro-ministro, os sucessivos governos (do II ao V), na época turbulenta do chamado “Verão Quente” dos anos de 1974 e 1975, o General Vasco Gonçalves, por todos conhecido pelo “Camarada Vasco”. Logo a seguir, no dia 13 daquele mês é outra grande figura da luta anti-fascista e ex-secretário geral do Partido Comunista Português que subitamente desaparece do nosso convívio: o Dr. Álvaro Barreirinhas Cunhal. No dia 29 daquele mês outro grande pilar da luta contra as ditaduras vigentes então na Europa, o Professor Emídio Guerreiro, morre com a idade de 105 anos.

Não hajam dúvidas que ficamos mais pobres com o desaparecimento destes três ícones duma época bastante turbulenta da História contemporânea onde a democracia e a liberdade dos povos foram espezinhadas por ditaduras ferozes em muitas partes do globo com especial referência para a Itália de Mussolini, a Alemanha de Adolfo Hitler, a vizinha Espanha de Francisco Franco e, como todos nós sabemos, Portugal de Oliveira Salazar.

No caso do Dr. Álvaro Cunhal, vitimado por doença súbita aos 91 anos de idade na sua residência no Bairro dos Olivais, em Lisboa, ocupou o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Português até ao ano de 1992 e indubitavelmente é um dos elementos mas destacados na luta anti-fascista que mais se sacrificou na sua cruzada para apear o regime de Salazar. Detido pela PIDE em 1949 foi encarcerado no Forte de Peniche onde esteve onze anos, oito dos quais em regime incomunicável. Evadiu-se em 1960 e na clandestinidade continuou a desenvolver e a organizar a luta de resistência contra Salazar tendo pouco depois fugido para o estrangeiro donde continuou a sua actividade para que, não só os valores da democracia e liberdade fossem restaurados como também acabar com uma guerra colonial desgastante onde milhares de soldados e civis tinham já sido imolados.

Com a queda da ditadura graças à Revolução de 25 de Abril de 1974 o Dr. Álvaro Cunhal regressa a Portugal poucos dias depois, mais precisamente no dia 30 daquele mês, onde toma posse de ministro sem pasta durante do governo provisório que se seguiu à Revolução. Uma particularidade deste político foi manter sempre a sua coerência e fidelidade à filosofia marxista-leninista embora muitos apontem-lhe ser ainda mais radical e seguidor do Estalinismo soviético. O certo é que não importa neste momento analisar e muito menos criticar os seus idealismos político-sociais mas sim enaltecer e respeitar os sacrifícios e sofrimentos que durante anos passou na sua oposição à ditadura do Estado Novo que culminou com a sua prisão como atrás já referimos onde foi interrogado e torturado inúmeras vezes. Inacreditável. Deu onze anos do melhor da sua vida, que é a juventude, e da sua liberdade para que a causa da Democracia vingasse anos mais tarde com a queda do fascismo que, desde 1926, vinha aterrorizando a nação lusa.

Fui à sede do Partido Comunista Português, o Centro de Trabalho Vitória, sito na Avenida da Liberdade onde se encontrava a urna daquele carismático político em câmara ardente, para poder, como cidadão amante da liberdade e democracia, poder prestar a última homenagem e dizer adeus àquele Herói da luta anti fascista. Não foi surpresa que durante as 48 horas que antecederam o seu funeral que milhares de pessoas esperaram pacientemente, e muitas chorando, durante horas para entrar no edifício onde o corpo repousava numa urna coberta com a bandeira do PCP ladeado por uma guarda de honra composta antigos colegas de luta e alguns militantes, muitos dos quais jovens.

No dia 15, quarta-feira, foi o seu funeral sendo a urna transportada num carro ladeado por de milhares de pessoas até ao cemitério do Alto de S. João. Segundo entendidos calculam que, aquele mar de gente que seguia o carro funerário, ultrapassaria o meio milhão. Desde a Praça do Chile e subindo a Rua Morais Soares até ao cemitério era como se fosse uma massa compacta e sem fim de gente, com dezenas de milhares de bandeiras vermelhas e cravos de Abril nas mãos. Chegados ao cemitério poucos foram aqueles que puderam entrar por aquele não poder albergar tanta pessoa. Foi então entoado, por quantos ali presentes, A Portuguesa e o Avante, este último que é o hino do PCP, com a multidão de braços direitos erguidos e punhos cerrados no ar gritando “Camarada Cunhal, A luta contínua”, após que a multidão destroçou ficado a urna com pouco mais de uma centena de pessoas, possivelmente familiares, amigos mais chegado e companheiros de longa data, para as cerimónias de cremação que, ao que parece, foi um dos seus desejos para quando este momento chegasse.