|
Por: Ferreira Moreno
No vigésimo capítulo da sua narrativa
evangélica, ao descrever a primeira visita de Jesus aos
discípulos após a ressurreição. S.
João afirma categoricamente que as portas do Cenáculo
encontravam-se hermeticamente fechadas, o mesmo acontecendo aquando
da segunda visita do Divino Mestre uma semana depois.
No primeiro caso, compreendo perfeitamente a complexidade da situação:
os discípulos temiam (com carradas de justificação)
que as autoridades judaicas batessem no ferrolho com ordens de
prisão imediata.
No segundo caso, porém, não encontrou justificação
plausível. E já me explico...
Na sua visita inicial, Jesus demonstrou claramente que, de facto,
havia ressuscitado. Não se tratava, pois, de um fantasma,
tanto mais que, em conformidade com a narrativa evangélica,
Jesus cuidou ainda em soprar sobre os discípulos, assegurando:
“Recebei o Espírito Santo”.
Portanto, depois de toda esta actividade, seria de esperar uma
reacção mais positiva da parte dos discípulos,
revelando de forma extraordinária um sensacional perfil
de coragem e entusiasmo, regozijo e firmeza.
No entanto, a correnteza dos factos aponta noutra direcção,
ou seja, ainda que brevemente, o Cenáculo permaneceu de
portas cerradas. Ao meu ver, isto aconteceu devido à mentalidade
dos discípulos não estar ainda completamente sintonizada
com as perspectivas da história da salvação,
proclamada pelo próprio Jesus.
Durante o seu ministério, Jesus fez largas e frequentes
referências à importância e significado das
portas, como é fácil deduzir, por exemplo, naquelas
passagens da parábola do bom pastor. Ele mesmo identificou-se
nos seguintes termos: “Eu sou a porta e quem entra por mim
será salvo.” (João 10:9).
Na narrativa evangélica de S. Mateus, deparamos com Jesus
recomendando: “Quando rezares, entra no teu quarto e fecha
a porta” (6:6), p’ra uma maior intimidade com Deus,
acrescida com a promessa; “Pedi e ser-vos-á dado!
Batei e abrir-vos-ão a porta!” (7:7).
Um exemplo concreto dessa promessa está patente no capítulo
undécimo da narrativa evangélica de S. Lucas, através
da parábola do indivíduo que, à meia-noite,
vai bater à porta dum amigo e pedir-lhe comida.
Sem dúvida alguma, o mais dramático episódio
e estreia simbólica de como Jesus agiu perante portas cerradas,
ocorreram na ressurreição de Lázaro, cujo
túmulo estava numa gruta fechada com uma pedra. Nas palavras
do evangelista, Jesus disse: “Tirai a pedra. Lázaro,
sai p‘ra fora!”
Podia prolongar o tema desta crónica com mais passagens
bíblicas. Não é esta, porém a minha
intenção. Neste momento, como já é
habitual, cumpre-me satisfazer a curiosidade dos leitores com
a transcrição de quadras do cancioneiro relativas
à porta!
Digam lá o que disserem,
O que dizem pouco importa,
Não há degrau, nem de torre,
Igual ao da tua porta.
Eu bato à vossa porta,
Vós fazeis que não ouvis;
Deus mande um anjo do Céu
Que me diga se dormis.
Passei p’la tua porta,
Rentinho à tua janela;
Ia p’ra te dar um beijo,
P’ra que fugiste, donzela?
Amanhã se Deus quiser,
Hei-de-me sentar à porta;
Meu amor, há-de-me dar
Pepinos da sua horta.
Domingo, ao tocar à missa,
Por tua porta passei;
Não sabia onde moravas,
Mas agora já o sei.
Domingo, se Deus quiser,
Hei-de ir à missa do dia,
P’ra ver o meu amor
À porta da sacristia.
Passei p’la tua porta;
Pedi-te água, deste vinho;
Quando passares à minha,
Fala, qu’eu não adivinho.
Quem me dera, ó menina,
À tua porta parar,
Mas c’mo mundo murmura,
É preciso disfarçar.
Eu soldado sirvo o rei
E também sirvo à rainha;
Também deito sentinela
À tua porta, menina.
Não quero à minha porta,
Nem cabo, nem furriel;
Que minha casa é quartel.
Não quero amor com soldados,
Com soldados é que não;
Não quero à minha porta
Recados de capitão.
Oh! Quem chegará ao dia
Mais à hora abençoada
De bater à tua porta
E de nela ter entrada?!
Da tua porta p’ra dentro
Não deixes entrar ninguém;
Espera, tem paciência,
Qu’ eu hei-de ser o teu bem.
Quando fui à tua casa
Melhor fora lá não ir;
Fecharam a porta à chave,
Não me deixaram sair.
Ó minha bela menina,
Ó minha menina bela,
Antes que abrisses a porta
E fechasse a janela.
Se à minha porta faz lama,
À tua faz um lameiro;
Não fales mal de ninguém,
Sem olhar p’ra ti primeiro.
|