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Por: Ferreira Moreno
A porta reveste-se dum determinado aspecto sacrossanto,
especialmente quando considerada como protecção
contra tudo que nos possa ameaçar do exterior. Mais frequentemente,
porém, a porta abre-se num ritual de familiaridade, quando
alguém nos visita num espírito de intimidade e estima.
Estes sentimentos encontram-se bem expressos no seguinte par de
quadras, que julgo pertencer ao poeta Lopes de Araújo:
Cantinho da minha casa,
Silêncio doce, profundo...
Bendita a porta da rua
Quem me separa do mundo!
Tens aberta a minha porta,
Não batas, podes entrar...Mas vem na graça de Deus,
Que Deus vive no meu lar!
De forma particular, a porta apresenta-se-nos
como sendo a representação da boca da casa, visto
servir p’ra dar as boas vindas a quem chega, e dizer adeus
a quem parte. E p’la maneira como nos abrem e fecham a porta,
podemos até ajuizar do carácter (meigo ou hostil)
de quem reside nessa casa.
A soleira da porta, igualmente; parece inspirar certa reverência,
pois há quem tenha por costume descalçar-se antes
de entrar em casa. Bem assim é tradição que
compete ao noivo, após o casamento, transpor a soleira
com a noiva nos braços. E uma vez que a porta é
o lugar por onde se entra e saí, há quem acredita
que é por ela, também, que podem entrar todos os
malefícios possíveis e imaginários.
Daqui resultou, sem dúvida, a crença no uso de amuletos,
a que se ajuntaram crendices eivadas de superstição,
tais como espirrar ou tropeçar na soleira da porta serem
sinais de mau agouro. No entanto, tudo isso não impedia
que as mulheres e raparigas das nossas ilhas, antigamente, observassem
o costume de sentar-se à soleira da porta a dar seguimento
às suas costuras e bordados, aproveitando-se ainda da oportunidade
p’ra se catarem e pentearem-se.
Consta-me que na Irlanda, Escócia e Inglaterra, existe
o costume de abrir todas as portas da casa, onde alguém
está morrer, p’ra facilitar e apressar o nascimento
duma criança.
Diz-se e conta-se como mau presságio deixar as portas abertas,
quando se sai de casa.
Francamente, a meu ver, tal não se acomoda aos moldes da
superstição ou crendice, mas de preferência
presta-se abertamente à roubalheira e vandalismo. Portanto,
será mais aconselhável respeitar o ditado popular
que diz: “Porta fechada tira o dono do baralho”, e
ter sempre presente o aviso do adágio antigo: “Porta
aberta, o homem peca.”
No “ementário” (Livro de ementas, receitas,
lembranças, curiosidades e trivialidades) deparamos com
diversas referências à porta, incluindo as Portas
do Céu e do Paraíso, até às profundezas
das Portas do Inferno e de Hades (Mansão dos mortos).
São assaz numerosas as expressões típicas
às quais a palavra “porta” faz companhia...
Assim, entre outras, temos: porta-aviões, porta-bandeira,
porta-cartas, porta-chapéus, porta-clavina, porta-emendas,
porta-escovas, porta-espada, porta-estandarte, porta-frasco, porta-jóias,
porta-lápis, porta-livros, porta-maçã, porta-machado,
porta-manta, porta-marmita, porta-mechas, porta-moedas, porta-novas,
porta-objecto, porta-página, porta-paz, porta-penas, porta-pneumático,
porta-rede, porta-retratos, porta-vento e porta-voz.
Em latim o vocábulo “porta”está relacionado
com o verbo “portare”, que significa transportar.
Daí deriva a curiosa expressão “Uvas Athenas
Portas”, que em português transmite o som das “uvas
até nas portas”, mas cuja tradução
correcta é “Levar uvas para Atenas.”
Como complemento a esta série de expressões peculiares,
apontarei ainda: Estar às portas da morte; Estar às
portas travessas; Estar o diabo atrás da porta; Levar com
a porta na cara; Á porta fechada; Ao pé da porta;
Jogar de porta; Burro e Surdo como uma porta.
Ó senhor dono da casa,
Porta aberta e luz acessa!
Um copinho d’aguardente
Em cima da sua mesa.
Amor de ao pé da porta
E que eu desejava ter:
Inda que lhe não falasse,
Os olhos gostam de ver.
Da minha porta p’rá tua
São vinte e quatros passadas;
Olha o bem qu’eu te quero
Que até as tragos contadas.
O luar da meia-noite,
Tu és o meu inimigo:
Chego à porta de quem amo,
E não posso entrar contigo.
Passei p’la tua porta,
Pus a mão na fechadura,
Não ma quisestes abrir,
Coração de pedra dura.
Abre-te porta do céu,
Que por ela quero entrar,
Desejo gozar da glória,
Basta de tanto penar!
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