A Respeito de Ares e Arzinhos


Por: Ferreira Moreno

Toda a gente sabe muitíssimo bem o que seja propriamente AR e respectivos atributos.
Consequentemente, dispenso-me de ajuntar aqui explicações desnecessárias. O ar está por toda a parte é a nossa volta, na natureza das coisas e das pessoas. O meu intento é ir mais além, e procurar observar a presença do ar como parcela essencial e acessória em determinadas situações e interpretações do que se vê e se sente.
Decidi abalançar-me a esta empresa após a leitura dum trabalho de Carreiro da Costa, publicado em Fevereiro de 1973, a que adicionarei material da minha inteira responsabilidade.
E começo por recordar que “Um ar da minha graça”foi precisamente o título com que o meu irmão-emigrante António de Medeiros Silva “baptizou” o sei livro de rimas. Mais conhecido por Zé da Chica, as suas gazetinhas semanais no “Portuguese Times” de New Bedford gozam duma popularidade deveras extraordinária.
Dar uma ar da sua graça, portanto, é mostrar agrado e cortesia, ao contrário da frase “um ar que lhe deu”, que significa que, num instante, determinado facto se consumou.
Enquanto ir ao ar significa rebentar e ir aos ares entende-se irritar-se, ir pelos ares subentende-se explodir. Tomar ar é ir passear, e andar no ar é andar com juízo pouco assente. Igualmente usa-se a expressão “andar no ar” p’ra indicar que consta ou diz-se.
Dar ares aplica-se a alguém que pretende parecer o que realmente não é. Por outro lado, beber os ares (por alguém) manifesta grande afecto por essa pessoa. A par dos ares de parvo e dos ares de esperto, temos os ares de fidalgo e de plebeu, de vilão e de ladrão.
Ter ar é dispor de boa aparência, mas ir ao ar é ruir por falência no caso de certos projectos e negócios. Ouve-se dizer, por brincadeira, que quem vai ao ar perde o lugar, e quem vai ao vento perde o assento.
O ar pode ser bom ou mau, agradável ou desagradável, airoso ou desairoso, salubre ou insalubre. Com respeito à natureza, temos os ares da serra, do monte e do campo. Por sua vez, o mar oferece uma variedade de ares, incluindo humidade, sal e iodo, bem como ares de bonança e tempestade. Além dos ares frios e quentes, temos os ares relacionados com a claridade (ar de dia) ou com o escuro (ar da noite), e ainda o ar pardo (da manhã ou da tarde), vulgarmente conhecido por alpardo ou alpardinho.
No referente aos seres humanos, podemos mencionar esses ares de boa ou má pessoa, inteligente ou estúpida, esperta ou morta, mimosa ou esquisita, não esquecendo aqueles ares de cão vadio, de burro e de galinha choca. Por mais curioso ou estranho que pareça, temos ainda os ares de demónio, dos endemoninhados, das feiticeiras e dos gabarolas.
Se há ares saudáveis, em contrapartida existem ares doentios. Daí provém, por exemplo, o característico arzinho de frio, que causa constipações e paralisias. E deste tipo de arzinho, nem os padres se livram dele. Ouçamos Gaspar Frutoso:
“Na Ilha Terceira, nesse mesmo ano de setenta e sete, se foi para o Reino o padre jesuíta Luis Pero Pinhão, que por lhe dar o ar em um braço e estar perigoso a lhe tolher mais outro membro, por conselho dos médicos o mandaram.” (Saudades, Livro VI, Pág. 50. Edição do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998).
Um valioso testemunho é nos oferecido por Frutoso na página 258 do Livro IV das suas “Saudades da Terra”, onde se diz: “É desta ilha de S. Miguel de tão bons ares e sadia, que vivem os moradores muito tempo nela, e muitos assim homens como mulheres chegaram a cem anos e passaram, que por serem muitos não nomeio todos.”
Na “minha” Ribeira Grande, onde Gaspar Frutoso exerceu o seu ministério sacerdotal, arquivei os nomes de Catarina Gonçalves, Branca Roiz e António Martins (cem anos ou pouco mais), Catarina Lopes e Inês Gonçalves (105), Catarina Pires (109) e Bartoleza Franca (110).
Carreiro da Costa escreveu que ir a ares (veranear) difere de ir ao ares (zangar-se) e ir pelos ares (destruir). No entanto, andar pelos ares traduz caminhada rápida, e fazer castelos no ar implica banalidades. Apanhar as coisas no ar significa perspicácia, e viver do ar é viver com muito pouco. Falta de ar é bronquite ou asma.
Quero ainda lembrar os poços de ar, quando se viaja de avião, e ainda as bolhas de ar, as câmaras-de-ar, os filtros e as caixas-de-ar, terminando com um picnic ao ar livre!
Deixo-vos com um par de adágios populares: “Livra-te dos ares que eu te livrarei dos males; Artes que limpam de noite e mulher de outrem, não há que fiarem.”