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Por Ferreira Moreno
A freguesia dos Fenais da Luz, pertencente ao
concelho de Ponta Delgada e sob o patrocínio de Nossa Senhora
da Luz, foi igualmente conhecida ( em tempos recuados) por Fenais
de Rabo de Peixe, devido à sua proximidade com a freguesia
de Rabo de Peixe, pertencente ao concelho da Ribeira Grande e
com a respectiva igreja dedicada ao Bom Jesus.
Bom Jesus dos Aflitos - Fenais da Luz
Ainda nos Fenais existe o lugar de AFLITOS cujo
nome, segundo a tradição, adveio por ter ocorrido
no local denominado BATALHA uma peleja entre as tropas de D. António
Prior do Crato e as de Filipe II de Espanha, aos 17 de Julho de
1582. Reza a tradição que, no meio de profunda angústia,
o povo recorreu aflito ao Senhor Bom Jesus. No azulejo,
hoje existente no referido local, lê-se o seguinte:
" Neste lugar, chamado Batalha, se
travou em 17 de Julho de 1582 um combate entre as tropas de D.
António Prior do Crato e de Filipe II de Espanha, morrendo
setenta e cinco soldados e um oficial."
Fotografia de Maria J. Brum
De há muito que trazia comigo esta informação,
extraída do " Apontamento Histórico & Etnográfico,
S. Miguel & Santa Maria" (Volume V). Há anos publicado
pela Direcção Escolar de Ponta Delgada. Aquando
da minha recente passagem põe S. Miguel tentei satisfazer
a minha curiosidade e obter mais pormenores acerca deste evento.
Primeiro, indicaram-me um campo de golfe chamado Batalha, localizado
entre o Pico da Pedra e os Aflitos. A seguir, um casal ( paciente
e amigo) levou-me no seu carro até aos Fenais da Luz, mas
não conseguimos descobrir o azulejo devido ás péssimas
condições do caminho, que conduz ao exacto ponto
e assinala o local da Batalha, originalmente conhecido por Pico
do Cascalho.
No entanto, esta excursão não foi de todo infrutífera
pois que nos ofereceu o ensejo de conhecer a igreja de Nosso Senhor
dos Aflitos, acerca da qual Guido de Monterey escreveu ter sido
uma ermida na sua primeira construção ( 1756-1778),
sendo posteriormente reconstruída e ampliada ( 1957), e
finalmente benzida aos 3 de Julho de 1960 com a inauguração
do jardim fronteiriço.
No supra-citado " Apontamento Histórico & Etnográfico"
diz-se que o primeiro templo do Bom Jesus dos Aflitos data de
1787, por alvará da Rainha de Portugal D. Maria I. Ao lado
da ermida existiu a " Casa dos Romeiros", servindo de
dormitório às pessoas que vinham pagar promessas
ao seu patrono. A edificação do templo deveu-se
aos beneméritos Manuel Rodrigues Pinheiro e sua mulher
Maria Francisco Alvredo.
Mais tarde, para que não faltasse a celebração
da Eucaristia aos domingos e dias santificados, Manuel Sousa Resendes
fez a doação de três prédios num total
de 23 alqueires. Foi seu primeiro capelão o padre José
António Braga que, nesta igreja em 1826, celebrou a sua
Missa Nova, cuja efeméride ficou comemorada numa lápide
afixa no alpendre da igreja.
Uma outra lápide comemorativa, também exposta
no alpendre, presta homenagem ao padre Manuel Francisco Cordeiro
que, através duma escritura de doação feita
em 1957, deixou os seus bens ao Senhor Bom Jesus, revertendo a
favor da igreja os rendimentos dos mesmos.
Conheci este sacerdote ainda em vida quando, já reformado,
residia com duas sobrinhas em Pacific Grove da Califorlândia.
Natural dos Fenais da Luz, onde nasceu a 13 de Maio de 1877, frequentou
o Seminário d'Angra e recebeu a ordenação
sacerdotal no Continente aos 23 de Dezembro de 1905, após
o que emigrou p'ra Califorlândia e aqui trabalhou em várias
dioceses até à data da sua aposentação
em 1937. Faleceu em Monterey a 28 de Abril de 1961, contando 83
anos d'idade.
Regressando agora à história da Batalha, vou descrevê-la
sucintamente, baseando-me na narrativa que nos legou Gaspar Frutuoso
nas " Saudades da Terra", Livro IV, Capítulo
101, Páginas 399-405, Edição 1998, Instituto
Cultural de Ponta Delgada...
Aos 14 e 15 de Julho de 1582, encontra-se S. Miguel entregue
ao domínio espanhol, apareceu pela banda do sul da ilha
D. António Prior do Crato " com uma grossa armada
de 60 velas, entre grandes e pequenas, em que vinham oito mil
soldados bem luzidos e armados, e outros muito senhores e fidalgos
franceses e portugueses, e alguns frades e letrados" sob
o comando do capitão francês Filipe Strosse e do
condestável português Conde de Vimioso.
Não quero, de forma alguma, enfadar os leitores com detalhes
acerca de todas as ocorrências que se seguiram. Bastará
por ora mencionar que, depois de desembarcados, três mil
mercenários franceses roubaram as vinhas e saquearam a
vila da Lagoa, marchando ao lugar dos Fenais e foram ter junto
do Cascalho, (por haver ali muito), ao pé de uma serra.
Aqui travou-se uma escaramuça com centenas de biscainhos
e castelhanos, que tinham partido de Ponta Delgada no encalce
dos invasores. Tal aconteceu precisamente no dia 17 de Julho,
como está gravado no azulejo, tendo perdido a vida 25 espanhóis
e 50 franceses e ainda o capitão francês Roque Morea.
( No azulejo lê-se apenas " setenta e cinco soldados
e um oficial").
Foi o capitão D. Lourenço Cenoguera ( Nogueira)
quem abateu mortalmente o capitão francês, mas um
outro francês de nome " monsior" Ferreira acometeu
e feriu gravemente D. Lourenço, ocasionando-lhe a morte
pois que, nas palavras de Frutuoso, " D. Lourenço
deu ao outro dia a alma a Deus que a criou."
É igualmente Frutuoso, em referência à Batalha
no Cascalho dos Fenais, quem nos diz: " E se não mandara
Deus a este tempo uma borriscada de chuva e vento, que encobriu
uns e outros, nenhum espanhol escapara com vida, porque já
os franceses entendiam não haver mais gente que a que aparecia
ao redor daquele pico do Cascalho e eles eram muitos."
Desnecessário acrescentar que os mercenários franceses
saquearam os Fenais da Luz, e seguidamente roubaram quintas, vinhas
e pomares da Fajã, enquanto outros mais saquearam os arrabaldes
de Ponta Delgada, ao ponto de D. António Prior do Crato
ver-se obrigado a impor a pena de morte a qualquer soldado do
seu exército, " que tocasse em alguma coisa dos vizinhos
de toda a ilha."
COM a chegada da poderosa armada enviada por Filipe I I, sob
o comando de D. Álvaro de Bassam (Marquês de Santa
Cruz), o Prior do Crato partiu p'ra Terceira aos 22 de Julho.
Dias depois teria lugar a batalha naval em Vila Franca do Campo,
saindo vencedores os espanhóis que, numa barbaridade aterradora,
enforcaram e degolaram os prisioneiros.
Devo registar (mas sem comentários) a
presença em S. Miguel, a esse tempo, do continental D.
Pedro de Castilho, Bispo dos Açores e ferrenho partidário
do espanhol Filipe I I , que galardoaria o bispo com muitas mercês
e títulos quando ele regressou a Portugal na armada do
Marquês de Santa Cruz. Todas essas " honrarias"
encontram-se gravadas em pedra na capela onde jaz sepultado...
excepto a alusão de ter sido Bispo d'Angra e Ilhas dos
Açores!!!
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