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Por Carlos Morgadinho - Adiaspora
Quem não conhece esta portuguesa alentejana no nosso meio
comunitário? Certamente muito poucos. Esta nossa conterrânea,
pequenina como uma pétala, mas grande na alma e na obra
que vem fazendo em prol da sua comunidade e cultura. Sempre atarefada
e movendo-se de um lado para outro onde o seu apoio, conselho
e experiência nestas lides associativas seja necessária,
Bia Raposo, é, com razão, tida como uma pedra estrutural
na sua Casa do Alentejo de Toronto, onde há vinte anos,
conjuntamente com o seu marido, Raul Raposo, despende o seu tempo
livre com a finalidade de engrandecer a região que a viu
nascer - o Alentejo - e desta maneira a sua comunidade e o nome
de Portugal. É vê-la sempre com um sorriso aberto
no rosto que nos faz lembrar o sol do estio das planícies
douradas do sul. Bia Raposo é um elemento a ser apontado
como exemplo do amor às suas raízes, dedicação
e sacrifício à causa comunitária, muitas
vezes com prejuízo próprio.
Adiaspora.com não quis perder a
oportunidade de falar com este elemento tão querido da
nossa comunidade e por quem nutrimos o máximo respeito
e admiração, tendo sido recentemente homenageada,
não só pelos sócios da Casa do Alentejo,
como pelos inúmeros amigos e colegas da direcção
daquele centro regional, num serão que acomodou mais de
400 pessoas.
Foi lindo e ela, a Bia Raposo, bem o merece. Ao longo dos anos,
muitos compatriotas nossos têm sido galardoados pelo Governo
Português com distinções e comendas, e pensamos,
que talvez num futuro próximo, Bia Raposo, mulher, esposa,
mãe, avó e voluntária, venha também
a ser igualmente reconhecida. Seria justo.
Dirigimos à Casa do Alentejo num dia de semana pelas 18H
com o intuito de colhermos alguns dados para, e com justiça,
darmos a conhecer pela diáspora a obra da "Comadre"
Bia Raposo. Como prevíamos lá encontramos aquela
senhora, desta a trabalhar na cozinha, antes da reunião
da Direcção que todas as semanas se realizam.
Iniciamos, então, a nossa entrevista:
Adiaspora: Quem é a Bia Raposo?
Fale-nos um pouco de si, do seu nome Bia, pois não haverá
muita gente que conhece o seu nome real.
Bia: Bom, o meu nome é nome é
Maria. Lá no Alentejo há o hábito de chamar
Bia às Marias e a minha mãe não fugiu à
regra. Sempre me trataram assim e eu nada podia fazer para alterar
um hábito ou uma tradição. Aqui em Toronto,
no início, gostava que me tratassem por Maria mas na Casa
do Alentejo os meus conterrâneos continuavam a usar o de
Bia e, pronto, tive de aceitar, Sou uma Alentejana de raiz e bairrista
que se envolveu nesta Casa regional há vinte anos. Foi
no ano de 1982, mais precisamente em Setembro, que com o meu marido
começámos a ensaiar no Grupo Coral Masculino desta
Casa - éramos então apenas duas senhoras no Grupo.
No ano de 1983, na realização da I Semana Cultural
Alentejana, tínhamos o Grupo Coral pronto para actuar e
que foi um sucesso. Ocupei sempre cargos directivos e sendo também
a coordenadora do Grupo Coral Feminino que se formou há
dez anos e do qual sou fundadora, do Grupo de Teatro, das festas
que se organizam de homenagens, de cultura e de beneficência.
Adiaspora: Da sua actividade profissional
à vida familiar, como é que a Bia conseguiu arranjar
tempo para se envolver na Casa do Alentejo?
Bia: Quando há vontade tudo se
pode fazer. Com o meu envolvimento na Casa do Alentejo não
descurei, no entanto, a minha actividade em casa nem o da minha
família. Confesso que muitas vezes me deitei já
de madrugada mas sempre tive as minhas lides domésticas
em dia - disso também muito me orgulho, bem como de esposa
e mãe. Sempre tive o carinho e apoio do meu marido e dos
meus filhos que me incentivaram o meu envolvimento na Casa do
Alentejo e na verdade, tem de ser o casal a envolver-se nestas
actividades, pois não faz sentido só um andar envolvido,
deixando o outro em casa sozinho. Tal certamente que trará,
mais tarde ou mais cedo, desavenças. Nós, como lhe
disse, envolvemo-nos juntos e disso fazemos jus pois é
algo que gostamos.
Adiaspora: A Bia sente-se realizada? Qual
o seu empenho em querer espalhar a cultura alentejana?
Bia: É quase uma obrigação.
Poucos foram os casais que ao longo deste 20 anos continuam activos
nesta Casa. É cansativo, saturante e às vezes até
apanhamos dissabores ou incompreensão pois há coisas
que não correm como a gente quer. É o que neste
momento sinto - o cansaço pois já não sou
nova e falta-me as energias que tinha há vinte anos atrás.
Mas quando penso na decisão de abandonar o meu envolvimento
nesta Casa e sei que tenho um Grupo Coral, o Feminino, não
arranjo a coragem necessária para essa decisão.
Até porque as minhas colegas do Grupo Coral apoiando-me
e encorajam-me a continuar. E eu gosto imenso delas. Com o meu
marido passa-se o mesmo e, como eu, não há coragem
para tal decisão. Os grupos corais estão sempre
ensaiados para as exibições e isto envolve muito
trabalho, podem crer, pois para cada evento há canções
diferentes (Natal, 25 de Abril, Páscoa, aniversários
etc., etc., e etc.)
Adiaspora: Tem tido dissabores?
Bia: Temos tido dissabores, obviamente,
como acontece em tudo que nos envolvemos na vida. Para mim não
dou muita importância a esses factos negativos. O que é
preciso é seguir em frente saltando por cima dos obstáculos.
Tenho dito muitas vezes que, se um dia a Casa do Alentejo me fizer
chorar será o ponto final. Então voltarei costas
a esta Casa, embora me vá custar bastante.
Adiaspora: É recompensante?
Bia: Sim, muitas vezes. Todas as Direcções
que por aqui passaram têm enaltecido o meu trabalho e citado
o meu nome com respeito, agradecendo o meu envolvimento e a minha
dedicação. E isto basta-me. Não estou à
espera de recompensas monetárias ou comendas, pois isso
é patético; primeiro porque não é
com esse fim que aqui estou, e segundo, a Casa do Alentejo não
anda a nadar em dinheiro e somos nós, directores e os sócios
que temos de a ajudar com esses fundos quando é necessário.
Acredite se quiser que nós directores temos de pagar os
nossos jantares nos eventos que cá se realizam. Não
há borlas. Todos temos de ajudar a Casa para cobrir as
muitas despesas que regularmente nos afligem. Quero também
agradecer aos meus colegas das Direcções que fiz
parte a co-operação, boa vontade e apoio que me
têm dado. É confortante. E a prova dos nove foi a
homenagem que me fizeram. Fui apanhada de surpresa por tal - no
passado dia 5 de Outubro - que só quem está no outro
lado, como eu, junto dos sócios e público, sente
verdadeiramente a recompensa que me deram pelo meu trabalho nesta
Casa, coisa que jamais olvidarei por muitos anos que viva. é
aí, nesses momentos, que se pensa maduramente e vemos que
fizemos algo de importante e que existe gratidão. Aí
tudo se esquece no que se refere aos aborrecimentos e frustrações.
Há outros sócios nesta Casa que também muito
têm feito e contribuído para o seu engrandecimento
e, merecedores de tais honrarias, pois esta Casa não é
só Bia ou Raul Raposo, o que seria totalmente impossível
para a sua gestão. Mas todos, todos, contribuímos
com um bocadinho de nós para vingar e a encaminhar para
o lugar que lhe é devido no seio comunitário. A
experiência de todos nós é a nossa riqueza,
um trunfo de sucesso e progresso, graças também
ao apoio dos nossos sócios.
Adiaspora: Fale-nos um pouquinho de si,
onde nasceu, onde passou a sua infância, pois muitos de
nós gostamos de saber esses pormenores.
Bia: Tanto eu, como o meu marido, nascemos
na mesma região - na zona de Beja, eu na Beringela e o
meu marido em Albernoa, perto de Castro Verde. Vivi até
aos nove anos de idade no lugar onde nasci, tendo ido então
com os meus pais para Albernoa, onde conheci o meu marido. Casamos
e fomos morar para Lisboa mas o meu marido não gostou e
regressámos ao Alentejo. Emigramos seguidamente para a
Holanda e dali para o Canadá há 35 anos e, aqui
estamos.
Adiaspora: Os seus filhos são casados,
sendo as esposas canadianas e os seus netos não falam a
língua de Camões. Não senti tristeza em ver
que a cultura que sempre defendeu está-se a perder na sua
própria casa?
Bia: Isto é uma mistura. Nós
viemos para um país onde a cultura é diferente.
Eles, os meus netos, começam desde pequenos a ter amigos
que só falam inglês e a língua vai ficando
para trás. Os meus filhos falam bem português, pois
frequentaram o ensino português paralelo com o inglês.
Em minha casa só se falava o português. Isso agora,
infelizmente, está fora do meu alcance. No entanto quero
dizer que os meus netos, por agora dois, embora não falem
a nossa língua, entendem-na cem por cento, pois eu falo-lhes
em português e eles de imediato respondem em inglês
ás perguntas ou pedidos que lhe façamos. Este mal
parece ser geral, pois muita gente se queixa do mesmo.
Adiaspora: Muito obrigado pela sua disponibilidade
desejamos ao mesmo tempo muitas e muitas mais alegrias neste seu
trabalho em prol da cultura portuguesa, mais precisamente a de
região do Alentejo.
Bem haja.
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