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Por: Dr. Tomás Ferreira
Rev. Tommy Douglas, o pioneiro do sistema médico
canadiano
Num sistema médico que é suposto
ser grátis continuam a aparecer maneiras de fazer os doentes
gastar dinheiro. Abordaremos hoje uma delas.
A semana passada, um doente que tinha sido enviado
por mim a um especialista para um teste, hoje muito comum, informou-me
que lhe tinham pedido que pagasse 30 dólares por aquilo
a que chamaram um “block fee” (pagamento em bloco)
Claro que poucos minutos depois de receber a notícia, eu
estava ao telefone informando o meu colega, que por sinal é
um excelente médico, especialista, do meu total desacordo
com semelhante pagamento, que na minha opinião é
contrário aos princípios que regem o nosso sistema
médico que é gratuito e igual para todos. Interessante
de notar, que na discussão que tivemos ao telefone o meu
colega defendia o seu pedido de dinheiro ao doente como uma coisa
muito natural, argumentando que o que ele queria era pouco mais
do que o doente gastaria a estacionar o seu carro no hospital.
Infelizmente, este jovem médico, que ainda não tinha
nascido quando o nosso sistema médico foi criado, e portanto
passou a sua vida numa terra sem medicina privada, não
compreendeu a gravidade da sua atitude. O problema não
consiste apenas na quantidade de dinheiro exigido ao doente, mas
no princípio envolvido, embora 20 ou 30 dólares
sejam muito dinheiro, para alguns doentes, especialmente pessoas
desempregadas ou da terceira idade.
Por outro lado se outros se outros médicos começam
a usar o mesmo sistema, poderemos chegar a uma situação
em que uma pessoa que tenha de fazer vários testes será
obrigada a dispender dezenas ou centenas de dólares. Claro
que os hospitais, pelo menos por enquanto, não irão
cobrar dinheiro, o que levará à tal “two tiers
system”(duas classes de medicina), uma mais rápida
e eficiente para os que pagam e outra com grandes listas de espera,
par os que menos possuem. Enfim, uma medicina para os ricos e
outra para os pobres e remediados. Nessa medida, como eu disse
ao meu colega ao telefone, mais do que o dinheiro o que conta
neste caso é existência da tal “block fee”,
seja ela de 20 ou 30 dólares ou de 25 cêntimos. Seja
como for, na minha opinião é ilegal e uma injustiça,
que irá prejudicar os mais pobres ou mais idosos.
O que é a “block fee”?
Os meus leitores, conhecem a minha embirração
a usar palavras inglesas quando estou a escrever em português,
porém, está expressão não tem equivalente
na língua de Camões embora literalmente se possa
traduzir para o pagamento em bloco. Uma “block Fee”
é uma quantia de dinheiro que certos médicos querem
pedir aos doentes para serviços que não são
cobertos pelo OHIP (Ontario Health Insurance Plan), normalmente
paga adiantadamente.
Para que o leitor, fique protegido contra futuros pedidos de “block
fee”, depois de terem desaparecidos dá impressão
que estão a tentar voltar-se é bom que conheça
quais são os serviços que não são
pagos pelo seguro de saúde do governo provincial, o tal
a que a nossa gente teima em chamar o “Ontario Hospital”em
vez do seu verdadeiro nome que é desde 1970 “Ontario
Health”.
Esses serviços, estão estabelecidos na secção
24 do regulamento 552 do Health Insurance Act e são entre
eles.
- Cópias e transferir a ficha dum doente dum médico
para o outro.
- Cirurgia coméstica como mudanças no feitio do
nariz, orelhas ou outras parte do corpo.
- Pagar por ter faltado a consulta.
- Preencher impressos ou documentos para trabalho, férias,
seguros, escolas, advogados, cartas de condução,
ou qualquer actividade que não é necessária
para a saúde do cliente ou doente.
Quanto às “block fees” elas
estão sujeitas a certas regras, que o leitor pode e deve
exigir a qualquer médico que lhes pede dinheiro para esse
fim.
Elas são:
1 – uma “block fee”tem de ser
apenas para serviços que não são pagos pelo
OHIP, para um período de pelo menos três meses e
não mais que um ano.
2 – Os serviços devem estar claramente
explicados por escrito e ser compreendidos pelo doente.
3 – O doente, deve ser informado da quantia
exacta que lhe estão a pedir para pagar.
4 – O doente deve ter a opção
de pagar cada serviço separado e recusar pagar tudo junto
numa “block fee”.
5 – O não pagamento da “block
fee”não deve ser uma razão para o médico
não aceitar o doente
6 – O doente deve receber uma cópia
dos regulamentos que regem o uso de “block fees” e
declarar que irá pagar os serviços mencionados usando
este sistema.
7 – A “block fee”, não
pode ser usada para pagar para um médico estar acessível
durante um certo tempo, para tratar um doente.
Os regulamentos acima mencionados, foram criados
pelo “College of Physicians and Surgeons of Canada”
uma organização constituída por médicos
e não médicos, responsável pelas licenças
para praticar medicina no Ontário e manter os níveis
científicos e éticos da profissão.
A propósito não confundir esta organização
com o Royal college Physicians and Surgeons (especialistas), Canada
e Ontario College of Family Physicians (medicina de família)
e Canada e Ontario Medical Associations (sindicatos dos médicos).
Defendendo o Sistema
Como os meus leitores assíduos sabem,
o nosso sistema de saúde que é gratuito e igual
para todos, foi baseado num criado pelo sacerdote protestante,
Tommy Douglas líder do CCF (mais tarde NDP), quando tomou
conta do governo de Sasktchewan em 1946. Esse sistema viria a
ser tão eficiente e humano, que os líderes do governo
Federal do Canadá em Otava, viriam a participar. A propósito,
é de lembrar que o primeiro a ser “convertido”,
foi o então Primeiro-ministro do Canadá Difembaker,
que por sinal era conservador. Embora tenham sido os liberais
que tornaram o sistema nacional, com passagem do Canada Health
Act, no tempo dum ministro chamado Paul Martin, pai do actual
ex-primeiro ministro de mesmo nome, ele foi introduzido no Ontario
pelo governo conservador de Bill Davies.
A razão porque estou a voltar um pouco à história
do novo sistema médico é para lembrar ao leitor,
como ele tem existido no Canadá por duas ou três
gerações e hoje é uma parte importante e
fundamental da estrutura da nação em que vivemos.
Infelizmente, ao longo dos anos, políticos e até
muitos médicos, tem tomado medidas que poderão levar
à destruição ou pelo menos ao enfraquecimento
do nosso sistema médico, que por enquanto é igual
para todos.
Com um Primeiro-Ministro em Otava que não parece mostrar
muito interesse em defendê-lo, é preciso que como
residentes ou cidadão deste país, estejamos atentos
à defesa do nosso sistema de saúde.
Na minha opinião, re-introdução de “block
fees”, especialmente para um ato médico necessário
para a saúde, é uma iniciativa perigosa. Se hoje
o meu jovem colega está a requerer 30 dólares para
fazer um teste, amanhã outros seguirão. Mesmo que
os 20 ou 30 dólares não venham a aumentar, eles
irão lentamente espalhar-se para a toda comunidade médica,
podendo chegar a um ponto que os que têm dinheiro para pagar
vários “blocks fees”, irão passar à
frente dos pobres que não podem despender essas quantias.
Infelizmente, muitos doentes portugueses ainda reagem aos médicos,
especialmente aqueles que são “canadianos”com
um certo temor que lhes veio dos tempos em que os médicos
de Portugal tinham um poder absoluto.
Não devemos esquecer que qualquer ato médico necessário
deve segundo as leis que nos regem. O Canada Health Act para toda
nação e o Health Accessibility Act para a província
do Ontário ser totalmente grátis e acessíveis
a toda a gente.
Sempre que nos digam para pagar por serviços de saúde,
nem que sejam 10 cêntimos, devemos perguntar qual a razão
para isso. Ao fazer isso, estamos não só a defender
os nossos direitos, mas também a impedir que eventualmente
o nosso sistema de saúde venha deteriorar-se, levando à
criação de doentes de primeira e de segunda classes.
Se não nos for dada uma resposta razoável às
nossas perguntas, deveremos recorrer às autoridades competentes
como o College of Physicians and Surgeons of Ontario ou aos nossos
membros de parlamento provinciais ou até federais.
Todas estas pessoas e organizações, são pagas
por nós os contribuintes e portanto têm o dever de
defender os nossos interesses.
E mais uma vez, recomendo ao leitor, que não pague nem
um cêntimo por qualquer serviço médico necessário
– a lei está ao seu lado, e se ela não for
cumprida proteste.
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