Por Carlos Morgadinho
Adiaspora.com
No dia 29 de Março de 1974, José
Afonso, actua no Coliseu dos Recreios, em Lisboa e, a dado momento
canta a canção “Grândola, vila morena”,
tendo sido acompanhado em coro por quantos enchiam aquele recinto
de espectáculos. Esta canção, como é
sabido, foi a senha que, dias depois, na madrugada do dia 25
de Abril, despoletou o golpe de estado organizado pelo Movimento
dos Capitães e conhecido pela Revolução
dos Cravos.
A ditadura, que perdurava há mais de
48 anos, estava então a cair de podre. Dias antes, mais
precisamente no dia 16 de Março daquele ano, uma intentona
tinha fracassado quando a maioria dos elementos da guarnição
do Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha,
se revoltaram-se e se dirigiram para Lisboa onde, por falta
de coordenação, muitas das outras unidades a não
secundaram. Mais de 200 militares foram detidos e esperavam
julgamento cujas penas iriam, certamente, desde a expulsão
das Forças Armadas até ao cumprimento de alguns
anos de prisão nas masmorras administradas pela PIDE.
A opressão do então chamado
Estado Novo, da longa guerra colonial em África onde
milhares pereceram, da censura, das perseguições
aos cidadãos que discordavam com o regime vigente, das
prisões onde muitos ou quase todos eram torturados por
agentes da tenebrosa polícia política, o salto
para o exílio para fugir aos tentáculos dessa
mesma polícia, à supressão dos sindicatos
e às cargas policiais massivas sobre os estudantes das
diversas universidades do país que se rebelavam e manifestavam
constantemente contra a guerra e a depressão fez com
que a resistência catalizasse e apressasse os seus esforços
para a queda daquela tão odiada ditadura.
Não poderemos ignorar o contributo
da chamada canção de intervenção
e do seu valor pedagógico tanto no alertar como no apontar
as aberrações e prepotências existentes
que oprimia o povo português, muitas das vezes com a real
mensagem camuflada nos seus versos para evitar que a censura
pudesse levar à confiscação desses trabalhos.
No entanto, por esse tempojá existiam dezenas de canções
proibidas tanto de serem transmitidas pelas rádios locais
e da sua venda ao público. Alguns dos artistas e poetas
tinham voluntariamente, ou à força (pelas perseguições
sofridas), optado por refugio no estrangeiro. Os outros, os
que se recusaram a fazê-lo, viviam marginalizados num
terror constante de arbitrariamente serem apreendidos pela polícia
de estado, muitas das vezes a altas horas da madrugada nas suas
residências perante os olhares atemorizados de familiares
e vizinhos. Um verdadeiro terror que só por quem passou
por essas situações pode verdadeiramente avaliar.
É que a cantiga intervencionista sempre
foi considerada uma arma pelos governos que tentam contra a
opinião e anseios dos seus povos ocultar ou ignorar os
erros e prepotências. Temos muitos exemplos nestes últimos
50 ou 60 anos. Na França onde a resistência à
guerra na Argélia foi bastante eficiente. Na nossa vizinha
Espanha muitos foram os que abertamente se rebelaram publicamente
contra o ditador, o caudilho Generalíssimo Franco. No
Brasil muitos foram os cantores que se exilaram na Argentina,
França e Uruguai durante os anos da ditadura dos militares.
Os Estados Unidos da América do Norte também atravessaram
uma época turbulenta com a oposição à
guerra no Vietname, inclusive com alguns mortos e feridos pela
intervenção da Guarda Nacional, numa Universidade,
no Estado de Illinois, durante uma manifestação
pacífica de estudantes, no ano de 1968 (Ainda hoje não
se apurou quem foi o superior ou governante que deu as devidas
ordens para aquela força militar de intervenção,
de abrir fogo com as suas armas sobre estudantes pacíficos
e desarmados, alguns dos quais sentados e deitados no chão).
Após a Revolução de Abril
e durante as comoções do chamado “Verão
Quente de 1975” muitas foram, também, as cantigas
que muitos poetas e compositores inspirados pela instabilidade
política do após revolução e do
clima da incerteza do amanhã que se vivia então,
criaram poemas revolucionários musicados que marcaram
uma época de transição difícil da
nação portuguesa.
A cantiga de intervenção é
uma arma, assim afirmou José Mário Branco, acrescentando
que “A cantiga é uma arma, mas se não for
arma do povo é porque é uma arma contra o povo”.
Seguem-se algumas dessas cantigas bem conhecidas
cujos interpretantes ou autores as eternizaram não só
durante a luta para a libertação da nação
lusa e na reconquista dos valores democráticos cerceados
durante os 48 anos de ditadura como de apoio reivindicativo
às classes trabalhadoras do após Revolução.
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