Canecas & Kanakas


Por: Ferreira Moreno

A descoberta das ilhas hawaiianas, em Janeiro de 1778, é atribuída ao Capitão James Cook, navegador e explorador inglês. Em homenagem ao Conde de Sandwich, ministro da Marinha, Cook conferiu ao arquipélago o nome de Ilhas Sandwich. Embora mundialmente conhecidas geograficamente intituladas Ilhas de Hawaii, tempos houve que tais ilhas foram alcunhadas, em português, com o título de Ilhas Canecas, por razões que já explico.
Kanaka é a palavra usada em referência aos nativos das ilhas hawaiianas, ou mais precisamente, kanaka é o termo local aplicado a todo e qualquer indivíduo. Acontece que a pronúncia do vocábulo kanaka se assemelha ao som de caneca em português. E como antigamente milhares de madeirenses e açorianos emigraram p’ra Hawaii, daí resultou a significativa e curiosa expressão “Ilhas Canecas.”
Convém ainda recordar e registrar que muitas centenas desses pioneiros emigrantes e respectivos descendentes trocaram Hawaii pela Califórnia, marcando uma presença visível na Área da Baía e Condado de Alameda.
Na cidade de San Leandro, por exemplo, o número de moradias com famílias portuguesas, vindas de Hawaii e estabelecidas na Orchard Avenue, era deveras extraordinário e deu origem, na gíria popular, a chamar-se-lhe “Kanaka Road”, ou seja, Rua das Canecas!
E foi precisamente nesta localidade que, em 1909, os próprios “transplantados” kanakas portugueses construíram o seu Império, com capela e salão social, a que deram o nome de Irmandade do Divino Espírito Santo de São João da Orchard Avenue. Nos moldes tradicionais das nossa ilhas açorianas, a Festa realiza-se anualmente à voltado dia 24 de Junho, quando se comemora liturgicamente o dia do nascimento de S. João Baptista.
É muito provável que portugueses dos Açores e da Madeira já estivessem a residir em Hawaii entre 1778, (data da descoberta efectuada pelo Capitão James Cook(, e um século depois, quando famílias inteiras de madeirenses e açorianos, contratadas p’ra trabalhar nas plantações da cana de açúcar, começaram um povoamento migratório em larga escala.
O professor, Dr. Edgar Knowlton, no seu artigo “Madeirans in Hawaii”, forneceu-nos com uma extensa lista de datas de chegadas e nomes de navios transportando famílias a dar incremento à mão-de-obra nas plantações locais, (Gávea-Brown, Revista Bilingue das Letras e Estudos Luso-Americanos, 1984 – 1987). O distinto professor, que participou nos Congressos de Comunidades Açorianas, teve o cuidado em realçar que o termo “português” é frequentemente empregado de forma genérica, aplicando-se a pessoas quer de Portugal continental, quer de Portugal Insular (Açores, Madeira ou Cabo Verde).
No volume 11 da “Encyclopedia Britannica”encontrei a seguinte informação;
“Na última parte do século 19, após um acordo levado a efeito entre Hawaii e Portugal, cerca de onze mil portugueses da Madeira e dos Açores passaram a trabalhar nas plantações (1878 – 90) e trezentos mais chegaram em 1899. Os portugueses demonstraram serem bons trabalhadores, poupados e honrados. Consigo trouxeram suas famílias, e a maioria aqui se estabeleceu e multiplicou-se. No período de 1906-13, mais de cinco mil emigrantes chegaram e estabeleceram-se em Hawaii, muitos deles vindos de Portugal continental.”
O meu bom amigo Fernando dos Santos, no seu livro “Os Portugueses no Hawaii” (1996), confirma tudo isto e muito mais, apontando que “o crescimento da comunidade portuguesa teve início após um acordo de emigração (1878) entre Hawaii e Portugal, colocando milhares de famílias madeirenses e açorianas (também algumas do norte continental) nos vapores desse tempo, com destino às plantações de cana de açúcar do Hawaii, onde chegavam ao fim de 15 mil milhas e de três a seis meses de viagem.”
No entanto, prossegue Fernando dos Santos, “os trabalhadores destinados às plantações não foram os primeiros portugueses a pisar terras do reino de Hawaii, presume-se que os primeiros foram baleeiros açorianos que, ali chegados, se recusavam a voltar ao mar.”
De facto, há notícia de que em 1790 já havia portugueses nas ilhas hawaiianas, permanecendo em terra depois de se recusarem a embarcar nos baleeiros que ali tinham aportado p’ra passar o Inverno. Como acentuou Fernando dos Santos, “a indústria baleeira entrou em crise sensivelmente por volta de 1860,começando por esta altura a desenvolve-se a indústria da cana-de-açúcar, que estaria na origem da emigração maciça portuguesa pr’ás ilhas de Hawaii.”
No que diz respeito à presença na Califórnia de autênticos kanakas-hawaiianos, isto então é material p’ra nova crónica, dada a abundância de informações que temos acerca dos nativos das “Ilhas Canecas”, vivendo e trabalhando aqui à volta, muito antes da descoberta do oiro em 1848. A sua história é um marco de nobreza e valor humano!