|
Por: Ferreira Moreno
Diz-nos o compêndio de zoologia que o caracol
é o “nome vulgar extensivo a uns moluscos gastrópodes,
pulmonados, da família dos Helicídeos, nocivos à
agricultura. “Na linguagem popular é costume chamar
os caracóis “aquelas madeixas de cabelo enrolado
em espiral”, de que ainda hoje me recordo, pois que em criança
sempre “embirrei”com o meu cabelo penteado em “caracóis.”
Dá-se igualmente o nome de caracol a um caminho ou escadaria
em ziguezague. Em anatomia, chama-se caracol àquela parte
do ouvido interno representada por um tubo enrolado em espiral.
Na Bíblia (Salmo 58:9), o caracol aparece como referência
simbólica a um trajecto viscoso, “que se derrete
ao caminhar.”
No nosso folclore, temos a modinha regional do Caracol, “caminhando
à roda, pegadas as mãos, uma na cintura, outra por
cima do ombro, com muita presteza.” (Augusto Gomes, A Alma
da Nossa Gente, Edição 1993). Na página 41
de “O Folclore da Ilha do Pico”, editado em 1991,
da autoria do já falecido professor e escritor João
Homem Machado, está incluída a música deste
“bailo de roda.”
Por seu turno, no terceiro volume de “Cancioneiro Geral
dos Açores”, na secção “Balhos”,
o saudoso Armando Cortes Rodrigues menciona o Caracol. Através
de diversas líricas que recolheu em S. Miguel, Terceira
e Pico, e que tenciono transcrever (abaixo) nesta crónica.
O motivo que ora me impeliu a escrever a respeito do caracol deve-se
ao facto de que. Embora nos encontremos em pleno mês de
Junho, tem-se notado um extraordinário número de
caracóis, certamente provocados pelas chuvadas que hão
caído aqui à volta.
Reza a história que, muitos antes dos antigos romanos,
já os britânicos, gregos, fenícios e outros
povos do Mediterrâneo, comiam caracóis. Na Europa,
durante a Idade Média, o caracol era comida favorita no
tempo quaresmal, visto não ser considerado carne ou peixe.
O próprio Napoleão usou caracóis p’ra
sustentar os soldados nas suas campanhas militares.
Tanto assim, que hoje em dia, os caracóis – como
típico nome de escargots – constituem um acepipe
de categoria e da minha inteira predilecção. Tenho
conhecimento da existência duma moderna empresa portuguesa,
denominada “Helix Oeste”, dedicada exclusivamente
à criação deste tipo de caracóis (escargots).
Confesso que ao ler a lista de receitas no “website”
da Helix Oeste, intensificou-me a tentação de ir
à procura dum pratinho fumegante com escargots “baptizados”em
manteiga e alho!
Eis agora as quadras da modinha O Caracol de S. Miguel:
Eu já vi o Caracol
A subir na parede;
Depois de lhe dar o sol
Caiu mortinho de sede.
O Caracol é vadio,
Mas a graça que ele tem:
Como as ervinhas do campo,
Sem ofender a ninguém.
O Caracol é velhaco,
Só quer praticar o mal:
De noite pela calada
Vai às couves do quintal.
Ai, ai, Caracol,
Meu caracolaço,
Dá cá um beijinho
Qu’eu dou-te um abraço.
Ai, ai Caracol,
Meu doce alimento,
Eu sempre te trago
No meu pensamento.
Na Terceira enquadra-se o Caracol nestas líricas:
Olha o Caracol
Em cima do muro,
Olha o meu amor
Que não está seguro.
Olha o Caracol
Não sobre nem desce,
Que o meu amor
Mingua e não cresce.
Caracol pica na couve,
P’ra no alho não picar;
Digam lá que o Caracol
Se não sabe governar.
Ai ai, Caracol,
Qu’eu bem te dizia,
Que papas à noite
Faziam azia.
No Pico, então temos, uma fartura de quadras p’ró
bailinho do Caracol:
O Caracol vai subindo
Devagar, mas não demora,
P’la folha do repolho,
Co’os corninhos de fora.
A vida do Caracol
É uma vida arrastada;
Anda co’a casa às costas,
Onde chega faz a morada.
A vida do Caracol
Quem na pudera imitar,
Vivendo entr’as florzinhas
E a todas podendo amar.
A vida do Caracol
É a vida que nos faz rir;
Entre cravos e junquilho,
Sem o sol o descobrir.
A vida do Caracol
É bem triste de levar:
Poisa aqui e poisa ali
Nunca tem onde parar.
Caracol, Caracol,
Qu’eu bem te vi onte
Estar de joelhos
No pátio da fonte.
Caracol, Caracol,
Qu’e eu te vi estar,
Domingo na missa
Ao pé do altar.
Ai! da minha vida
Qu’eu fui não tornei,
Em teu coração
É qu’eu naufraguei.
Ai! Ai!... Caracol,
Da racha da lenha,
Menina bonita
Ninguém apanha.
Adeus, adeusinho,
Adeus, Caracol!
Que tu és casado
Não és do meu rol.
|