Nossa Senhora na Medicina Caseira


Por: Ferreira Moreno

Já aqui pronunciei acerca do uso de plantas na medicina caseira e popular das nossas ilhas. Hoje, com a ajuda do saudoso “Mestre” Carreiro da Costa, tenciono relembrar algumas invocações cujos significados traduz determinadas situações em que a intercessão de Nossa Senhora é inerentemente solicitada.
É igualmente minha intenção ajuntar quadras apropriadas, bem como diversas curiosidades históricas de permeio com amostras do nosso folclore...
Uma invocação muito lembrada por todos os doentes em estado grave é essa de Nossa Senhora da Aflição, com uma ermida na freguesia da Relva (S. Miguel), aparentemente abandonada em 1970, ao tempo da publicação do artigo-palestra de Carreiro da Costa. Esta ermida é mencionada por Francisco Afonso de Chaves e Melo no seu livro “A Margarita Animada”, publicado em 1723.
A supracitada ermida foi mandada edificar na Grota do Contador pelo Capitão inácio de Melo, com os rendimentos que legou à Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, conforme consta do seu testamento aprovado aos 16 de Maio de 1618. Nesse testamento ordenava ele que se fizesse uma casa p’ró ermitão que viesse a tratar da ermida, e que se dessem dois alqueires de terra p’ró seu património, ao longo da dita Grota do Contador. (Apontamento Histótico-Etnográfico, Volume V, Direcção Escolar de Ponta Delgada).
Os nomes Fontes do Contador e Grota do Contador derivam do célebre contador das ilhas, Martim Vaz, um fidalgo que residiu na Relva com a sua gente e mandou reparar a fonte da Grota e o caminho que à mesma conduzia, quase junto ao mar. (Carreiro da Costa, A Relva Doutros Tempos).

Senhora d’Aflição,
Que na Relva estais,
Permiti qu’eu inda logre
Carinhos do meu rapaz.

A Senhora d’Aflição
Traz o menino na mão;
Vem trazer uma bênção
À Vila da Povoação.

Outra invocação muito frequente, sobretudo em situações de parto, é essa de Nossa Senhora da Ajuda que, nos Açores, serve de orago a várias igrejas e ermidas. Em S. Miguel, encontrámo-la na Ajuda da Bretanha, nos Fenais da Ajuda e na Covoada. Na Terceira, deparamos com ela em Santa Bárbara e na Vila Nova. Topamos ainda com ela no Topo (S. Jorge), Pedro Miguel (Faial) e Praínha do Norte (Pico).

Minha Senhora d’Ajuda,
Ajudai a cantadeira;
A cantadeira é casada
E pensa que é solteira.

Minha Senhora d’Ajuda,
A quem dei a carta a ler,
Não hácoisa neste mundo
Que se não venha a saber.

A invocação Nossa Senhora da Alegria surge-nos entrelaçada com doenças, porquanto se relaciona com a evidente alegria de melhoras alcançadas. No micaelense Vale das Furnas temos a igreja paroquial de Nossa Senhora da Alegria, cuja primeira pedra foi lançada aos 9 de Julho de 1901, numa cerimónia presidida pelo Bispo d’Angra e com a presença do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia. Os trabalhos de construção ficaram suspensos por muitos anos, dando-se andamento definitivo à obra depois de actualizado o projecto em 1959. Esta igreja foi benzida em Novembro de 1963 e sagrada em Fevereiro de 1964.

Esta noite, à meia noite,
Ouvi cantar ao divino:
Era a Senhora d’Alegria,
Que embalava o seu Menino.

A Senhora d’Alegria
Tem o rosário na mão;
Se ela me desse uma conta,
Dava-lhe o meu coração.

Igualmente relacionada com certas situações aflitivas de doença, justifica-se a mimosa invocação Nossa Senhora do Amparo, presente no templo que lhe foi dedicado na Algarvia (S. Miguel). A igreja construída nos fins do século 17, teve como início uma ermida, fundada pelo Capitão Francisco da Costa e reconstruída em 1865 sob orientação do Padre Cândido Moniz Furtado e pelo benemérito João Soares que cedeu o terreno e as madeiras. (Apontamento Histórico-Etnográfico, Volume I).
Visto a situar-se justamente na encosta do Pico da Vara, o povo chama “terra fria” à Algarvia que, no dizer de Gaspar Frutoso, “tem este nome Algarvia, porque possuiu um algarvio o qual, falecendo sem filhos, deixou a sua mulher (que também era do Algarve) por sua universal herdeira, e viúva viveu nela muitos anos, por cuja causa, em sua vida e depois de sua morte. Se chamou e chama aquela sua fazenda a Algarvia. (Saudades da Terra, Livro IV, Página 183, Edição 1998).

A Senhora do Amparo
Tem o amparo na mão:
É p’ra amparar as almas
Que desamparadas estão.

A Senhora do Amparo
Tem uma estrela na testa,
Que lhe puseram os anjos
No dia da sua festa.

A Senhora do Amparo
Tem uma capa bordada:
Quem me dera assim ter uma
P’ra dar à minha amada.

Senhora do Amparo
Lá de cima da muralha,
Amparai o meu amor,
Qu’anda metido em batalha.