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Por Ferreira Moreno
João Gonçalves Zarco da Câmara
nasceu em Lisboa em Dezembro de 1852 e faleceu em Dezembro de
1911. Mais conhecido por D. João da Câmara, o seu
nome de escritor está ligado à notabilíssima
obra dramática, que se encontra exaradas nas páginas
da História da Literatura Portuguesa, e que demonstra o
talento artístico de que era dotado.
No dizer de Mendes dos Remédios, “numerosas outras
peças teatrais, originais e traduzidas, algumas também
escritas de colaboração com outros autores, dão
a medida do que valia este primoroso escritor, um dos que melhor
soube honrar a nossa literatura teatral.” (História
da Literatura Portuguesa, Volume II, Sexta Edição,
1930).
D. João da Câmara era filho de D. Francisco de Salles
Maria José António de Paula Vicente Gonçalves
Soares da Câmara (Primeiro Marquês da Ribeira Grande),
e de D. Anna da Piedade Brígida Senhorinha Francisca Máxima
Gonzaga de Bragança Mello e Ligne Souza Tavares Mascarenhas
da Silva (filha dos terceiros Duques de Lafões).
Confesso desconhecer as numerosíssimas obras de D. João
da Câmara, embora tenha à mão a lista completa
de tudo quanto produziu, adaptou, traduziu e escreveu em colaboração
com outros literatos, cuja enumeração tornar-se-ia
em tarefa extremamente fastidiosa.
No entanto, apraz-me revelar que possuo a cópia (amarelecida)
dum livrinho (velhinho) com os Contos de D. João da Câmara.
Francamente, não me recordo como, ou quando, deparei com
esta “relíquia”. Mas, se me permitem, gostaria
de transcrever (em narrativa ligeira) um conto, que se enquadra
perfeitamente na Noite de Natal.
O cenário desenrola-se à saída da igreja,
após a “Missa do Galo”, numa noite cheia de
estrelas. Um pequenito de oito anos, de olhos azuis, guia o avô,
ceguinho, a caminho de casa, onde os pais aguardam a sua chegada
p’rá tradicional “consoada.”Enquanto
o netinho vai conversando, o velhote sorria e afagava a mão
do pequeno, meneando a cabeça constantemente, e voltando
p’ró céu os olhos sem luz, como se procurasse
nas alturas, entre as estrelas, o reflexo luminoso que o ceguinho
adivinhava espelhado nos olhos do netinho.
Antes de entrar em casa, o velho demorou-se a olhar p’ró
céu, meneando a cabeça e sorrindo. Ao lado, o pequenito
olhava p’ra onde olhava o avô. No céu, de imaculada
pureza, as estrelas vibravam raios de luz intensíssima.
Havia tantas estrelas no céu, tornando tão linda
aquela noite de Natal, repartindo a sua doce luminosidade nos
olhos tenebrosos postos no céu. Porquê? É
que se lhe voltavam para lá os olhos da alma, é
que na alma tinha ele mais luz do que o pequeno nos olhos.
E o contista encerra a narrativa exclamando: “Que lindas
estrelas vê o cego!”
O Dr. Ruy Galvão de Carvalho, dissertando acerca da obra
poética de Vasconcelos César, escreveu que, efectivamente,
os seus poemas são vazados em moldes populares. Mas, na
sua poesia, há ainda a considerar espontaneidade, movimento
e comunicabilidade. O seu lirismo brota da fonte do sentimento;
a beleza e a arte encontram-se no amor pelas coisas humildes.
(Poetas dos Açores, 1988).
A esta crónica de Natal, adjunto o seguinte poema de Vasconcelos
César...
Em terras de Nazaré,
Faz tantos anos agora!
Era uma vez São José,
Uma vez Nossa Senhora...
Era uma vez São José,
Uma vez Nossa Senhora
Que foram andando, andando,
Por longos caminhos fora.
E foram andando, andando,
Por longos caminhos fora...
Há quanto tempo, Deus meu!...
Faz tantos anos agora!
Pararam a descansar
Numa arribana que havia;
P’ra passarem a noite
E parte do outro dia.
Mas, de repente, uma estrela,
Brilhando com tanta luz,
Anunciou que, no Céu,
Viera à terra Jesus.
E foi então que nasceu
Aquele lindo menino
Que vocês vão adorar
No presépio pequenino.
Menino, que veio ao mundo
Trazer-nos bondade e fê...
E que vem pôr os brinquedos
No canto da chaminé!
Um menino que nasceu
E que vive a toda hora...
Há quanto tempo Deus meu!...
Faz tantos anos agora!...
Com votos de Boas Festas e Bons Anos, aqui deixo estas quadras
populares:
Ó menino Jesus,
Boquinha de requeijão,
Dá-me a vossa merenda,
Que minha mãe não tem pão.
Ó menino Jesus,
Tomai lá castanhas quentes,
Abri a vossa boquinha,
Quero ver se tendes dentes.
Ó menino Jesus,
Da lapinha de Belém,
Se quereis casar comigo,
Dizei-o à vossa Mãe.
Ó menino Jesus,
Vinde ao meio da igreja,
Que vos quero dar um beijo,
Onde toda a gente veja.
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