NATAL DO SÉCULO XXI: SINÓNIMO DE BUSCA ESPIRITUAL
OU DE CONSUMISMO DESENFREADO?


É Natal! É tempo da habitual azáfama da compra das prendas que vamos oferecer aos familiares e aos amigos mais chegados. Está na altura de confeccionar o tradicional bolo-rei, as filhós, os doces, o bacalhau, o peru; enfim, uma lista enorme de coisas boas para saborear no dia de Natal. Tudo se compra, tudo se ornamenta para celebrar o nascimento de Jesus no dia vinte e cinco de Dezembro.

Tanta coisa para se mostrar aos outros aquando da ida à missa do galo ou à missa do dia de Natal, exibindo uma roupa nova, para não falar nas jóias que fizeram parte das prendas que preencheram o sapatinho na chaminé.

Atente-se nos verbos “mostrar” e “exibindo”, ou seja, o mais importante nesta quadra é expor aos outros o que está por fora de cada um de nós; todavia, o que está dentro de nós não interessa. A cada ano que passa, verifica-se que a essência de cada ser humano está a ser negligenciada em detrimento do consumo materialista tão em voga na sociedade actual. A maior parte das pessoas encontra-se oca interiormente, incapaz de estabelecer uma comunicação verbal que ultrapasse os típicos clichès de: “Feliz Natal!”, “Boas Festas!”, sem terem a mínima noção do que estão a transmitir. No entanto, são estas pessoas que se afirmam cristãs embora a igreja católica defenda o facto de cada cristão só ser feliz ao trazer Deus dentro de si.

E o que significa trazer Deus dentro de nós senão colocar em prática valores como a paz, a solidariedade, a harmonia, o amor pelos outros e a manifestação de alegria ao sentirmos a felicidade dos outros em vez de nos afastarmos cada vez mais, desenvolvendo o sentimento da inveja porque não somos capazes de ver no outro aquilo que sempre sonhámos para nós. É este carácter mesquinho que possibilita passarmos por outros seres humanos com uma indiferença tal que nos torna cruéis e cada vez mais vazios de sentimentos, os quais fazemos questão de demonstrar apenas no dia de Natal, como se nos outros dias do ano estes sentimentos não nos fizessem falta.

É esta postura de inércia para com o outro que nos torna frios, desfasados de qualquer pensamento que nos aproxime mesmo das pessoas que mais amamos, a não ser que estas nos “comprem” o nosso afecto com bons presentes pelo Natal como forma de nos despertar para a sua existência nas nossas vidas.

Posto isto, urge as pessoas tomarem consciência da precariedade da vida humana e terem a coragem de olhar os outros nos olhos (que são as janelas da alma), através dos quais sentimos se o outro está feliz, triste, apreensivo, ansioso ou até mesmo angustiado com a sua vida. Não evitemos olharmo-nos nos olhos enquanto sentirmos forças para dar a mão ao outro e dar-lhe também a oportunidade de fazer parte da nossa vida e até ajudar-nos a mudá-la para melhor.

Não deixemos que seja necessário ocorrerem catástrofes como a que ocorreu no sudoeste asiático no passado dia vinte e seis de Dezembro para nos lembrarmos que tal também poderia ter ocorrido no arquipélago dos Açores e para atentarmos e ponderarmos no facto de que a cada dia que passa também a nossa vida e a de qualquer ser humano se encontra por um fio, qualquer que seja o espaço e o tempo que permaneçamos na Terra. Logo, sejamos capazes de ajudar os outros sempre e não apenas quando surgem os maremotos e tsunamis no planeta. Tenhamos consciência de que as forças da Natureza e a providência Divina são extraordinariamente mais fortes e avassaladoras do que qualquer inteligência humana.

É então tempo de o Homem olhar para dentro de si, para o tesouro que inconscientemente transporta (Deus), com o intuito de percorrer um longo caminho de busca interior. Só assim ele será capaz de definir a sua missão neste mundo e viver em coerência com os objectivos da mesma. Desta forma, o Homem descobrirá por si próprio que a vida deverá ser uma busca constante de algo que suporte os seus ideais embora numa luta contínua contra o tempo para que não chegue ao fim do seu percurso existencial com a inadmissível desculpa de não ter tido tempo de lutar pela sua felicidade e muito menos de ter contribuído para a felicidade dos outros. Pelo contrário, seria louvável se o Homem se redescobrisse no final da sua caminhada de busca interior como alguém que está diferente, que mudou graças a uma aprendizagem consigo próprio e com os outros. Alguém que agora está preparado para transmitir um conhecimento genuíno da vida ao outro e que poderá ajudá-lo a evoluir enquanto ser humano; tendo consciência que é o caminho e a procura de algo que possibilita esta mudança no interior de nós mesmos.

Por tudo isto, faço um apelo pessoal a cada um de nós que encare esta quadra natalícia como uma pausa para reflectir sobre quem é e qual é o seu papel principal na história de um mundo que é de todos nós. Faço votos para que após essa reflexão, todos nós consigamos ter uma postura mais aberta para o outro, não esquecendo que o Natal não é apenas o dia vinte e cinco de Dezembro, mas todos os dias e principalmente, como diria Eduardo Sá, o Natal é quando alguém nos quer e está pronto para nos receber. Sejamos capazes de fazer vivificar dentro de nós sentimentos de paz, amor, harmonia e compreensão; que estes valores sejam a base de uma essência mais sólida, viva e que nos permita ter um sorriso nos lábios para esboçar diariamente para cada pessoa que nos acompanhe no caminho interminável da nossa busca espiritual.

Professora Célia Carmen Cordeiro