É Natal! É tempo da habitual azáfama da
compra das prendas que vamos oferecer aos familiares e aos amigos
mais chegados. Está na altura de confeccionar o tradicional
bolo-rei, as filhós, os doces, o bacalhau, o peru; enfim,
uma lista enorme de coisas boas para saborear no dia de Natal.
Tudo se compra, tudo se ornamenta para celebrar o nascimento
de Jesus no dia vinte e cinco de Dezembro.
Tanta coisa para se mostrar aos outros aquando da ida à
missa do galo ou à missa do dia de Natal, exibindo uma
roupa nova, para não falar nas jóias que fizeram
parte das prendas que preencheram o sapatinho na chaminé.
Atente-se nos verbos “mostrar” e “exibindo”,
ou seja, o mais importante nesta quadra é expor aos outros
o que está por fora de cada um de nós; todavia,
o que está dentro de nós não interessa.
A cada ano que passa, verifica-se que a essência de cada
ser humano está a ser negligenciada em detrimento do
consumo materialista tão em voga na sociedade actual.
A maior parte das pessoas encontra-se oca interiormente, incapaz
de estabelecer uma comunicação verbal que ultrapasse
os típicos clichès de: “Feliz Natal!”,
“Boas Festas!”, sem terem a mínima noção
do que estão a transmitir. No entanto, são estas
pessoas que se afirmam cristãs embora a igreja católica
defenda o facto de cada cristão só ser feliz ao
trazer Deus dentro de si.
E o que significa trazer Deus dentro de nós senão
colocar em prática valores como a paz, a solidariedade,
a harmonia, o amor pelos outros e a manifestação
de alegria ao sentirmos a felicidade dos outros em vez de nos
afastarmos cada vez mais, desenvolvendo o sentimento da inveja
porque não somos capazes de ver no outro aquilo que sempre
sonhámos para nós. É este carácter
mesquinho que possibilita passarmos por outros seres humanos
com uma indiferença tal que nos torna cruéis e
cada vez mais vazios de sentimentos, os quais fazemos questão
de demonstrar apenas no dia de Natal, como se nos outros dias
do ano estes sentimentos não nos fizessem falta.
É esta postura de inércia para com o outro que
nos torna frios, desfasados de qualquer pensamento que nos aproxime
mesmo das pessoas que mais amamos, a não ser que estas
nos “comprem” o nosso afecto com bons presentes
pelo Natal como forma de nos despertar para a sua existência
nas nossas vidas.
Posto isto, urge as pessoas tomarem consciência da precariedade
da vida humana e terem a coragem de olhar os outros nos olhos
(que são as janelas da alma), através dos quais
sentimos se o outro está feliz, triste, apreensivo, ansioso
ou até mesmo angustiado com a sua vida. Não evitemos
olharmo-nos nos olhos enquanto sentirmos forças para
dar a mão ao outro e dar-lhe também a oportunidade
de fazer parte da nossa vida e até ajudar-nos a mudá-la
para melhor.
Não deixemos que seja necessário ocorrerem catástrofes
como a que ocorreu no sudoeste asiático no passado dia
vinte e seis de Dezembro para nos lembrarmos que tal também
poderia ter ocorrido no arquipélago dos Açores
e para atentarmos e ponderarmos no facto de que a cada dia que
passa também a nossa vida e a de qualquer ser humano
se encontra por um fio, qualquer que seja o espaço e
o tempo que permaneçamos na Terra. Logo, sejamos capazes
de ajudar os outros sempre e não apenas quando surgem
os maremotos e tsunamis no planeta. Tenhamos consciência
de que as forças da Natureza e a providência Divina
são extraordinariamente mais fortes e avassaladoras do
que qualquer inteligência humana.
É então tempo de o Homem olhar para dentro de
si, para o tesouro que inconscientemente transporta (Deus),
com o intuito de percorrer um longo caminho de busca interior.
Só assim ele será capaz de definir a sua missão
neste mundo e viver em coerência com os objectivos da
mesma. Desta forma, o Homem descobrirá por si próprio
que a vida deverá ser uma busca constante de algo que
suporte os seus ideais embora numa luta contínua contra
o tempo para que não chegue ao fim do seu percurso existencial
com a inadmissível desculpa de não ter tido tempo
de lutar pela sua felicidade e muito menos de ter contribuído
para a felicidade dos outros. Pelo contrário, seria louvável
se o Homem se redescobrisse no final da sua caminhada de busca
interior como alguém que está diferente, que mudou
graças a uma aprendizagem consigo próprio e com
os outros. Alguém que agora está preparado para
transmitir um conhecimento genuíno da vida ao outro e
que poderá ajudá-lo a evoluir enquanto ser humano;
tendo consciência que é o caminho e a procura de
algo que possibilita esta mudança no interior de nós
mesmos.
Por tudo isto, faço um apelo pessoal a cada um de nós
que encare esta quadra natalícia como uma pausa para
reflectir sobre quem é e qual é o seu papel principal
na história de um mundo que é de todos nós.
Faço votos para que após essa reflexão,
todos nós consigamos ter uma postura mais aberta para
o outro, não esquecendo que o Natal não é
apenas o dia vinte e cinco de Dezembro, mas todos os dias e
principalmente, como diria Eduardo Sá, o Natal é
quando alguém nos quer e está pronto para nos
receber. Sejamos capazes de fazer vivificar dentro de nós
sentimentos de paz, amor, harmonia e compreensão; que
estes valores sejam a base de uma essência mais sólida,
viva e que nos permita ter um sorriso nos lábios para
esboçar diariamente para cada pessoa que nos acompanhe
no caminho interminável da nossa busca espiritual.