O dia tão esperado chegara – 29 de Agosto de 1998
– 22:30, hora de partida do avião e já só
faltavam as habituais despedidas no aeroporto rumo a um mundo
totalmente desconhecido: EUA.
A aventura era completamente desafiadora: partir para um país
distante sem ter sequer a mínima noção
de onde iríamos residir lá nem
com quem especificamente haveríamos de discutir o projecto
de investigação sobre provérbios açorianos.
No entanto, ambicionávamos cumprir a nossa missão
o melhor possível, pois estávamos a representar
uma instituição importante- a Universidade dos
Açores, com o apoio da FLAD (Fundação Luso-Americana
para o Desenvolvimento).
No meu caso pessoal, a ansiedade ainda era maior, visto que
aquela era a minha primeira viagem de avião e, também,
a primeira vez que me afastava da ilha que me viu nascer. Nem
tinha tido tempo de pensar na forma como iria reagir fechada
cinco horas num avião, mas sentia que iria ser fascinante,
pois tratar-se-ia de algo sonhado desde a infância e que,
de repente, através de um simples convite via telefone
estava a concretizar-se.
No banco ao lado, a minha companheira de viagem dormia calmamente.
Em contrapartida, eu não descolava o olhar atónito
da janela, a observar a tempestade que fazia no ar. Por mais
vezes que tentasse, não conseguia ler as revistas que
levava comigo e, numa determinada altura, achei mesmo estranhíssimo
o facto de a maior parte das pessoas estar a dormir, mesmo com
o avião a balancear bastante. Bem, talvez a confiança
delas no piloto fosse maior que a minha e não seria aquela,
de certeza, a sua primeira viagem de avião.
A aterragem no aeroporto de Boston foi boa, disseram os passageiros,
pois para mim a noção de aterragem boa ou má
não fazia parte da minha realidade até então.
Assim, achei-a normal. Boston apresentava-se cinzenta, com um
nevoeiro tão cerrado que, por breves segundos, senti
que, em termos climatéricos, não tinha deixado
os Açores do outro lado do Atlântico. A nossa recepção
de boas-vindas começou quando nos apercebemos de dois
cartazes com o nosso nome segurados pela mão de alguém
que nos era totalmente desconhecido, todavia, fundamental para
nós, pois era quem nos iria arranjar a estadia para as
próximas cinco semanas.
Entretanto, tivemos a oportunidade de assistir naquele fim-de-semana
às tradicionais festas do Divino Espírito Santo
da Nova Inglaterra – em Fall River – onde estávamos
a residir. Foi a partir daquele momento que comecei a tomar
consciência do fervor religioso daquela gente que já
havia partido dos Açores há algumas décadas,
contudo, viviam o culto do Divino de uma forma bem mais activa
do que aquela que até então se vivia em algumas
ilhas do arquipélago. Tinham conseguido transpor para
a sua realidade e para a dos filhos tudo aquilo que resultava
das memórias da sua infância nas ilhas. Assim,
sentiam-se capazes de criticar, por vezes, o facto de certas
tradições já não serem fomentadas
na terra natal tanto quanto são desenvolvidas na diáspora
– espaço longínquo, marcado pela saudade
que jamais os conseguiu afastar sentimentalmente das suas raízes.
Pelo contrário, foi este nobre sentimento o responsável
pelo desbravar de atitudes que impulsionaram o estabelecimento
das suas raízes culturais no solo americano.
À medida que os dias iam passando, fomos contactando
com muitos emigrantes, com o intuito de preencherem inquéritos.
Desta forma, poderíamos recolher elementos suficientes
para fazer uma análise estatística com base no
número de provérbios reconhecidos e falados pelas
diversas gerações de emigrantes açorianos.
Para divulgar o nosso projecto na costa leste dos EUA, também
concedemos várias entrevistas às rádios
locais – Rádio de Somerset e Rádio de Fall
River; participámos no canal 20 da televisão de
New Bedford e no programa Caravela da televisão de Rhode
Island. Para além disso, o Centro de Estudos Portugueses
e o Clube de Português da “University of Massachusetts
Dartmouth”, os “Amigos da Terceira”, a “Casa
dos Açores”, a “Casa da Saudade” em
New Bedford e outras entidades culturais, assim como diversos
amigos e conhecidos, apoiaram-nos a vários níveis.
Algo que me impressionou bastante foi o facto de, estando na
comunidade açoriana nos EUA, sentir-me como se estivesse
ainda nos Açores, pois por onde passava estava tudo escrito
em português, desde o nome das lojas até aos nomes
dos restaurantes e, até quando entrávamos nos
cafés ouvíamos o canal RTP1 e os relatos do futebol
português. Inacreditável, não é?
Estar no continente americano e sentirmo-nos em casa! Para “mergulhar”
na identidade americana, tivemos mesmo de passear por Boston,
visitar a “Harvard University”, a “Brown University”,
O “Fine Arts Museum”, Plymouth Plantation (Reserva
de Índios), Cape Cod, Newport e muitos, muitos centros
comerciais (“Malls”).
Sem nos darmos conta, aquelas cinco semanas voaram e, de repente,
quatro de Outubro chegara e tínhamos de regressar, até
porque o ano lectivo já tinha começado e estava
à nossa espera na Universidade dos Açores. A recolha
de provérbios estava feita e o preenchimento dos inquéritos
também. Assim, só faltaria a análise estatística
dos dados para compilar toda a informação daquilo
que veio a originar o novo Adagiário Popular
Açoriano: Pérolas da Sabedoria Popular Portuguesa,
da autoria de Gabriela e Mathias Funk, em Maio de 2001.
O regresso à ilha não podia mais ser adiado embora
vontade não faltasse para permanecer no solo americano
mais uns dias, pois aquela viagem primou pelo desencadear de
outras múltiplas viagens no interior de mim própria,
as quais moldaram, de certa forma, a minha personalidade como
ser humano que ambiciona descobrir outros espaços fora
de uma ilha que limita, por um lado e que, por outro, desenvolve
o desejo de querer ir mais além, para que no desconhecido
sejamos capazes de nos redescobrirmos continuamente.