Renascer das cinzas – Terra de Lídia, de Maria Orrico


Torna-se necessário, por vezes, afastarmo-nos do lugar que conhecemos melhor e das pessoas que estão mais próximas de nós para conseguirmos travar a batalha da auto-descoberta, a qual só é possível quando nos tentamos redescobrir no desconhecido.
Ao longo das últimas décadas do século XX, os Açores têm sido palco de diversas introspecções por parte de pessoas que vêm para estas ilhas em busca de algo que consiga preencher o vazio que a sua alma transporta. É em especial no campo da literatura que estas pessoas mais têm revelado o seu testemunho, no que concerne a esta temática. A sua redescoberta é-nos transmitida a nível literário como forma de agradecer a estes pequenos espaços de terra “perdidos no meio do Atlântico” o facto de neles terem conseguido encontrar a âncora perdida desde há muito nas suas vidas.
Maria Orrico, moçambicana a residir em Lisboa, publicou a sua primeira obra após uma visita aos Açores sem regresso pré-definido. Em Terra de Lídia (1992), esta escritora exprime o percurso existencial que fez nas ilhas do Pico e do Faial, com o intuito de se reencontrar.
Lídia é a personagem principal encarnada por Maria Orrico, a quem foi entregue a chave de uma casa no Faial, para onde ela vai residir na esperança de se curar emocionalmente, pois estava a passar por uma crise matrimonial. Por ironia do destino ou talvez não, é Tomás, um cego, nativo do Faial e vítima da erupção do vulcão dos Capelinhos em 1957, que guiará esta mulher na sua auto-descoberta.
Enebriada pelos cheiros e pelas paisagens açorianas, Lídia sente a pouco e pouco renascer dentro de si uma nova força e um novo sentido para a sua vida. No cimo da montanha do Pico, acompanhada por Tomás, algo a faz transbordar de uma alegria que há muito não sentia nem sabia que ainda pudesse existir dentro de si. Este sentimento é tão espontâneo e verdadeiro que a faz acreditar num futuro mais risonho e ter maior confiança nos seres humanos.
É de realçar o facto de alguém sem visão, e cuja vida foi dramaticamente condicionada pela poderosa e violenta natureza açoriana, ter conseguido “desvendar os olhos” de Lídia, no que diz respeito à confusão de sentimentos que nutria a sua alma. Esta personagem parte para Lisboa despida de preconceitos e com a mente aberta para que outros horizontes surjam na sua vida...
Em suma, os espaços longínquos e desconhecidos, em especial se forem ilhas, possuem uma aura que consegue envolver as pessoas e libertá-las, por vezes, dos códigos sociais que lhes são impostos. Só assim conseguirão dar prioridade à sua estabilidade emocional como forma de se auto-descobrirem como seres capazes de lutar por aquilo em que verdadeiramente acreditam na vida.

Professora Célia Carmen Cordeiro