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Por: Dr. Tomás Ferreira
Fazer parte duma comunidade, ou como sucede no
Canadá dum grupo étnico, significa que tudo que
se faz, bom ou mau, nos atinge a todos. Assim ficamos orgulhosos
com as proezas futebolísticas de Figo, Pauleta e Ronaldo,
que por esse mundo afora entusiasmam as multidões amantes
do desporto-rei e promovem o nome de Portugal.
No entanto, como não só de futebol vive o homem,
também são importantes às manifestações
de arte e cultura da nossa gente, tanto mais que necessitamos
de modificar a imagem que muitos não portugueses têm
da nossa gente, bons trabalhadores manuais, excelentes na limpeza,
bem comportados e produzindo excelentes jogadores de futebol.
Assim, quando Maria João Pires é considerada uma
das maiores pianistas clássicas do mundo, o Dr. António
damásio se torna um líder do estudo do cérebro
humano, José Saramago, além do Prémio Nobel
da Literatura consegue ter os seus livros nos “best sellers”
em vários países incluíndo o Canadá
e os Estados Unidos e Manuel Oliveira é considerado um
dos maiores realizadores de filmes de arte do mundo, devemos ns
sentir satisfeitos e orgulhosos, tanto mais que mostram que os
portuguess são capazes de fazer mais do que construir ou
limpar casas e dar pontapés numa bola de futebol.
Assim tudo o que é feito, para
divulgar e promover a cultura portuguesa, merece o nosso apoio.
Vem isto a propósito da iniciativa do
Congresso Nacional Luso-Canadiano e da Sociedade de Benevolência
de Vancouver, uma organização que por sinal tem
um nome muito anglo-saxônico que é dificil de traduzir
em português, mas que deveria chamar-se Beneficência
– A realização do Festival de Cinema e Vídeo
Português nas cidades de Montreal, Vancouver e Toronto.
O Festival realizou-se em Toronto nos dias 23 e 24 de Maio, na
sala do “National Film Board” em Toronto, a qual é
suposta ter o equipamento mais moderno do Canadá, que por
sinal não veio ajudar muito, como se verá mais adiante.
Durante 4 sessões, durante dois dias, um grupo razoável
de pessoas encontraram-se para ver uma série de filmes
recentes, vindo de Portugal. De notar, que a maioria das pessoas
na assistência, não eram os “suspeitos do costume”,
que como eu, já passaram o meio século de idade
e estão presentes na maioria das actividades culturais
na comunidade, sejam o lançamento dum livro, a abertura
duma exposição de pintura ou uma palestra sobre
assuntos culturais.
Foi com prazer que verifiquei, que muitos jovens luso-canadianos
e outros já a caminho da meia idade, que ou nasceram no
Canadá para cá vieram muitos jovens estiveram presentes
no Festival de Cinema Português.
É caso para dizer, que à medida que o grupo dos
“crónicos” destas actividades vai diminuindo,
por motivos de idade, doença, cansaço ou até
porque foram para Portugal ou para uma viagem da qual ninguém
volta, está a aparecer uma nova geração interessada
na cultura portuguesa. Não há dúvida, que
quando a nossa geração já não estiver
presente, haverá uma outra para continuar a preservar e
amar a cultura portuguesa em terras do Canadá.
A propósito de assistência, embora ela fosse razoável,
é minha opinião que a promoção do
Festival foi relativamente pequena e que muitas pessoas que estariam
interessadas não foram informadas. Alguns compatriotas
nossos me disseram que apenas souberam da sua existência,
depois dele se ter realizado.
Não devemos esquecer, que a comunidade luso-canadiana de
Toronto, muito mais numerosa do que a de Montreal ou Vancouver,
está hoje disseminada por uma vasta área e ao mesmo
tempo é exposta a uma grande quantidade de informação
sobre muitos acontecimentos. Por exemplo, realizam-se por ano,
dezenas de festivais de cinema em Toronto, como o Hispânico,
Judeu, Asiático, Europeu, Gay, curtas metragens, documentários
e claro o Festival Internacional de Toronto, hoje um dos maiores
do mundo.
Os Filmes
A impressão geral sobre os filmes é
a de que são todos de grande qualidade e com execpção
de um que embora razoável, não era material para
um festival, reflectem bem a sociedade portuguesa contemporânea.
O primeiro filme mostrado, realizado por uma sobrinha dum luso-canadiano
de Bradford, chamada Silvia Firmino que vive em Lisboa, é
um trabalho de qualidade excelente que é baseado na vida
duma família e seus amigos que estão envolvidos
na marcha do bairro da Bica, em Lisboa. Como é sabido,
em Lisboa realizam-se há séculos, marchas populares,
comemorando o dia de Santo António. O realizador, que com
certeza, dum grupo de lisboetas oriundos dum bairro típico
que se dedicam de alma e coração, à tarefa
gigantesca de tentar vencer a competição para a
melhor marcha da capital. A over o filme, temos a oportunidade
de viver com essas pessoas e as imagens captadas, desde a preparação
das bifanas para o arraial até o costurar dos trajes, passando
pelas cenas de convívio, e amor entre os participantes,
são cinema de alta qualidade. Interessante de notar, que
se mostra como Portugal é hoje uma nação
também multicultural. Alguns dos jovens desse bairro popular,
que convivem com os seus vizinhos e irão marchar pela Avenida
da Liberdade a Bica, são pessoas de origem africana.
A propósito, sem revelar quem ganhou, direi que o meu bairro,
o da Graça não foi o vencedor.
Um outro filme bastante interessante, passado na Ilha do Faial,
feito por João Figueiras, conta a história dum miudo
que só quer jogar futebol e não está nada
entusiasmado, em ir como anjinho numa procissão. Para isso
ele usa vários truques, incluindo uma oração
a pedir que no dia da procissão haja uma tempestade. Uma
história deliciosa de ingenuidade e determinação
dum rapazinho a aproximar-se da adolescência que já
recebeu vários prêmios bem merecidos em festivais
de cinema.
Também contando uma história de um jovem de 9 anos,
tivemos a oportunidade de ver o filme “Amanhã”
de Solveig Nordlung, sobre um menino que foge de casa porque o
padrasto não gosta dele. No princípio vimos que
o jovem está a fazer um trabalho de casa, cuja data é
24 de Abril de 1974. O rapaziho acaba por ir para a um edifício
da PIDE, donde os agentes estão a fugir, dorme lá
a noite com um cão polícia e acorda na manhã
de 25 de Abril, com a multidão na rua aos gritos. O menino,
acredita que foi a mãe que fez a revolução
para o encontrar.
Também no assunto da repressão policial, há
um excelente filme chamado “Aguenta Rapaz” de Manuel
Vilarinho que conta a prisão e os maus tratos dum preso,
que embora não identificado, é uma alegaria à
PIDE e aos seus métodos de tortura. O título refere-se
ao desejo do preso, de conseguir resistir e não denunciar
os seus companheiros de luta.
Um filme de que muito gostei, da autoria de Miguel Angel Vivas,
tem o título em inglês, que é “I will
see you in my dreams”, que ganhou um prémio no festival
de cinema de Amesterdã. Uma história fantástica,
de uma aldeia rodeada por “Zumbis” (mortos vivos),
tem cenas com uma certa violência, o que levou algumas pessoas,
incluindo uma amiga minha de longa data, a abandonar a sala.
Por mim, achei o filme muito bom e até encontrei nele uma
mensagem de amor e paz.
Isto prova que uma obra de arte, muitas vezes desencadeia reacções
opostas entre os espectadores.
Infelizmente, o festival acabou com um desapontamento, aquela
que seria sem dúvida a obra mais importanet, a longa metragem
de Margarida Cardoso, A Costa dos Murmúrios, passado nos
anos sessenta em Moçambique, durante a guerra colonial,
vencedora de vários prémios, não foi mostrada,
devido a problemas técnicos. Ao que parece, a aparelhagem
moderna e sofisticada do National Film Board, não era compatível
com o sistema de projecção antes da exibição.
Os organizadores devolveram o dinheiro do bilhete e os espectadores
portaram-se com a maior civilidade, não se ouvindo um protesto
ou uma atitude menos correcta. No entanto, nada conseguiu curar
o nosso desapontamento.
Concluindo
Não posso deixar de mencionar o esforço
dos voluntários que conseguiram organizar o festival em
três cidade, Vancouver, Toronto e Montreal, o que temos
de distância, é o equivalente a apresentar os filmes
em Lisboa, Berlim e Moscovo. O entusiasmo e energia do nosso compatriota
de Vancouver Terry Costa foi notável e merece a nossa admiração.
No entanto, aqui vão algumas sugestões, seria benéfico
conseguir que mais voluntários estivessem envolvidos e
que organizações e instituições como
os departamentos de português das Universidades, ou as suas
associações de estudantes luso-canadianos, estivessem
envolvidos. Também outras organizações como
a Federação de Empresários e Profissionais
Luso-Canadianos e a ACAPO poderiam ser convidadas a participar.
Finalmente, o governo português, nome adamente a secretaria
de Estado das Comunidades poderia e deveria ajudar uma iniciativa
deste género.
Eu bem sei que estão em maré de necessárias
economias, mas parece-me que o dinheiro gasto em duas ou três
visitas de entidades oficiais chegariam para ajudar um festival
de cinema português no Canadá.
Calcula-se como teria sido benéfico que a verba despedida
na visita do Sr. Ministro Professor Freitas do Amaral, a qual
foi considerado por um editorial do Diário de Notícias
e por esta coluna, inútil e até prejudicial, fosse
gasta numa iniciativa como a de um Festival de Cinema Português
destinado a divulgar a cultura portuguesa no Canadá.
Como játem sido dito nesta coluna, nós luso-canadianos,
uma comunidade próspera, num dos países mais ricos
do mundo, não precisamos que o governo português
nos ofereça dinheiro.
Aquilo que necessitamos é a ajuda das autoridades nacionais
para preservar e devolver a nossa cultura.
Ajuda para um festival de cinema, enviando filmes, realizadores,
artistas, críticos e outras formas de ajuda para a realização
dum grande acontecimento cultural, poderia ser uma forma das autoridades
portuguesas nos ajudaresm na luta pela conservação
e divulgação da cultura portuguesa no Canadá.
Depois deste artigo estar impresso, tomei conhecimento que em
breve ser irá realizar um outro festival de cinema português.
Este facto não irá alterar as opiniões que
foram expressas no meu artigo, e até são uma prova
da necessidade de juntarmos os nossos esforços, a fim de
evitar duplicações de atividades e instituições,
uma coisa infelizmente muito comum na nossa comunidade aonde existem
muitas vezes duas ou três associações representando
a mesma Ilha, região ou província.
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