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“Compatriotas e Amigos,
Eu gostaria de vos trazer, sobretudo, as minhas
preocupações em relação à continuidade
do jornalismo na Diáspora portuguesa, no seu todo, mas
logicamente que vou incidir na comunidade lusa de Toronto que
é aquela que conheço melhor.
Eu estou preocupado com a deficiência do
ensino da língua portuguesa e o reflexo que isso implica
na média da Diáspora, mormente na escrita, pelas
razões óbvias. E as culpas para esta situação
nada têm a ver com o tremendo esforço por parte das
pessoas que, ao longo dos anos têm porfiado para que tal
não se perpetue, e enalteço, desde já, o
trabalho de professores do ensino elementar e secundário
como, por exemplo, a Celina Melo e a saudosa Adília Lima,
assim como os leitores e docentes das universidades locais e da
boa-vontade das direcções escolares canadianas,
assim como dos responsáveis pelos departamentos, ou senados
universitários, que no ensino superior têm incluído
a nossa língua e a nossa cultura nos cursos que facultam.
Preocupo-me por uma razão muito simples:
se por um lado se nota uma evidente diminuição da
imigração, ou pelo menos da imigração
a que estávamos habituados, em termos de quantidade e de
grau de instrução, não é menos verdade
que continua a haver imigração, mas desta feita
completamente distinta, englobando jovens, na maioria licenciados,
investigadores, intelectuais, que não encontrando colocação
em Portugal, tiram benefício da mobilidade que lhes é
agora oferecida pela União Europeia para procurarem o trabalho,
a remuneração e a realização profissional
que lhes continuam a ser negadas na sua pátria. Só
que esses, já são conhecedores das línguas
faladas nos países onde se vão radicar, o que lhes
facilita, de sobremaneira, a integração.
Por outro lado, há anos que tenho vindo
a advogar a ideia de que, no seio da imigração,
o decréscimo natural do número de pessoas que ainda
conseguem ler a língua portuguesa – essas pessoas
somos nós, os da terceira idade, já que também
sou sexagenário –, vão desaparecendo, voltando
ao país de origem, e a pegar num jornal para o ler e para
compreender aquilo que se lê. Porque não basta ler,
é também necessário que se compreenda o que
se lê. Por isso acho que os jornais devem começar
a publicar artigos e notícias em Inglês (no caso
do Canadá) e não perdermos tempo a arrepelar os
cabelos com o número decrescente de leitores. Eu experimentei
isso nos dois últimos jornais que dirigi e a reacção
das pessoas – e eu dou muita atenção ao que
me dizem – demonstrou-me que estava a trilhar o caminho
certo.
Temos de proceder a essa transição
se não quisermos perder de vez as novas gerações
que procuram algo mais na imprensa escrita do que, simplesmente,
a prática da língua dos seus pais.
Historicamente – e Celina de Melo aflorou,
e muito bem, essa questão – nós sabemos que
é a terceira geração de imigrantes que, depois
de perder a língua e também a cultura, porque sabemos
que ambas estão intimamente ligadas e uma não pode
sobreviver sem a outra, é essa que resolve voltar às
origens e se vai interessar por fazer reviver e promover aquilo
perdeu. Mas nós não podemos ficar à espera
de sapatos de defunto, porque as sociedades evoluem e nós
não temos a certeza absoluta que a história se vai
repetir. Ou que se vá repetir da mesma maneira. Entendo
que existe uma deficiência no ensino da língua portuguesa
mormente por culpa das autoridades portuguesas, que nunca foram
capazes de compreender, ou se compreenderam nada fizeram para
aceitar, o facto de que para se coordenar o ensino do Português
em países como o Canadá, tem que se proceder à
assinatura de acordos bilaterais não só para garantir
o ensino da língua mas ainda para se mandarem professores
para cá, não só para trabalharem ao lado
dos que cá estão, mas ainda para poderem ser espalhados
por um número maior de escolas.
O que acontece é que Portugal, sendo um
país pequeno, não consegue encaixar o conceito de
federalismo e teima em estabelecer diálogo com o governo
federal, em Otava, quando a responsabilidade pela educação
está sujeita aos governos provinciais. E nem sequer se
lembram de olhar para o que já fizeram nesse sentido com
a Alemanha Federal, país com uma estrutura política
muito semelhante à do Canadá. O problema é
que a Alemanha fica na Europa e para os responsáveis portugueses,
o resto do mundo pouco ou nada conta...
E é importante sublinhar que este erro
tem vindo a ser sistematicamente perpetuado por todos os governos
portugueses, todos sem excepção, desde o 25 de Abril,
altura em que, com o derrube do fascismo e a abertura democrática
resultante, as nossas expectativas eram enormes mas razoáveis.
Mas quando graças à acção
da Associação dos Pais Portugueses de Toronto, durante
toda a década de oitenta, se conseguiu a assinatura de
um acordo entre o Ministério da Educação
de Portugal e a Direcção Escolar de Toronto, devido
à má informação do então Cônsul-geral
em Toronto, António Tânger Correia, a cerimónia
foi cancelada na véspera do dia marcado, uma atitude desgraçada,
que ainda hoje é recordada pela comunidade escolar canadiana.
Afirmou nessa altura o Director de Educação das
escolas públicas de Toronto que ‘a seriedade e o
empenhamento destes pais portugueses haviam sido traídas
por um Portugal que os enjeitou’. E ficámos bem mal
vistos até hoje!
Este alheamento das autoridades portuguesas tem
sido o empecilho, o obstáculo maior, e que não é
devidamente reflectido pela média comunitária, aqueles
que mais obrigações têm de o fazer.
Devo abrir um parêntesis para elogiar o
tremendo esforço de um dos governos regionais da República
Portuguesa, que não tem qualquer obrigatoriedade para o
fazer, nem para isso está constitucionalmente mandatado,
e o faz muito bem, para promover a língua e a cultura portuguesa
no seio da imigração, organizando visitas, seminários,
cursos e outros eventos. Já o disse e já o escrevi
muitas vezes, e repetirei sempre que necessário, que é
preciso louvar o trabalho do Governo Regional dos Açores
por esse empenhamento que tanto nos tem beneficiado. Bem-haja
por isso! E fazem-no porque são verdadeiramente portugueses!
Este problema da língua é o que
mais profundamente afecta os nossos jornais. Entre nós
há jornais bem escritos (muito poucos) e jornais extremamente
mal escritos (a maioria). Há quem insista que o que é
preciso é que se publiquem mesmo em português deficiente.
Alegam que, ‘afinal as pessoas também não
são muito instruídas, e o que é preciso é
que leiam alguma coisa, seja de que maneira for’. Está
mal! Meus amigos: está mal! A mais modesta das juntas de
freguesia em Portugal, quando tem de colocar um édito à
porta, faz tudo para que não haja erros de ortografia.
Antes era assim, agora já nem sei bem...
E quando as pessoas abastardam a sua própria
língua na ideia que vão facilitar a compreensão
dos leitores, estão a colaborar para a perpetuação
do analfabetismo funcional. O que é imperdoável
e não podemos sequer esquecer.
Só quem editou jornais aqui é que
pode compreender o trabalho desgastante que é o de corrigir
os ‘artigos’ de colaboradores a título gratuito,
cuja recompensa é verem o nome e a fotografia a ilustrar
escritos que tiveram de ser totalmente refeitos, e isto quando
o editor consegue até compreender o que é que as
pessoas queriam dizer! Tudo isto porque não custam dinheiro
aos fazedores de jornais da diáspora.
Em termos de comunicação electrónica,
como hoje se diz, a rádio e a televisão comunitárias,
tiveram percurso paralelo por algum tempo. Mas começam
agora a distanciar-se vincadamente. As rádios estão
a ser afectadas por falta de valores emergentes, na substituição
dos seus pioneiros, e à frente dos microfones debitam asneiras
de bradar aos céus. Estou a falar não só
do conteúdo mas, sobretudo, de linguagem, do palavreado
que se usa.
Ora, se a média fala mal, está
a dar um péssimo exemplo aos seus consumidores. E mesmo
sendo esta uma comunidade muito paroquial, eu ouso adiantar (que
medo nunca tive), nem tenho, que na realidade se tem notado uma
evolução positivíssima em certos programas
e produções televisivas, bem qualitativas. E isto
porque os portugueses que lá trabalham, enquadrados por
quadros canadianos, podem atingir todo o seu potencial. Isto marca
a diferença do que se passa em Portugal. Os canadianos
sabem-no, desde o tempo em que recrutaram fresadores da maior
qualidade do mundo.
Por isso, a nossa televisão em Toronto
não foge à regra, especialmente a ex-CFMT e agora
OMNI TV, tem evoluído em todos os sectores da sua intervenção.
As rádios, essas, vão-se arrastando como sabem e
podem. Uns dias melhores, outros piores, a maioria muito maus.
Depende de quem tem o microfone à frente do nariz.
Falando agora da profissão jornalística
na Diáspora Luso-canadiana, em si, no conteúdo jornalístico
comum a jornais, rádio e televisão, não tenhamos
dúvida que, com menor ou maior subtileza, existe censura
interna em todos os órgãos. Essa censura não
é nova, vem do tempo da ditadura, e não houve 25
de Abril que aqui chegasse e a enterrasse de vez. É certo
que existem muitas pressões, diria até chantagem,
de ordem comercial, como pude observar, com a ameaça e
até o cancelamento de contratos de publicidade porque aqueles
que têm dinheiro para colocar anúncios, exigem contrapartidas
alheias ao que deve ser uma linha editorial correcta e independente.
A culpa disto pode parecer da parte de quem anuncia.
Mas eu sei que é da parte de quem administra os jornais,
vergando-se a estas imposições, baixando as orelhas
e metendo o rabinho entre as pernas, julgando que assim é
que se singra na vida! As pressões políticas e comerciais
continuam a constituir um grande obstáculo à seriedade
da profissão. Entendo, pelo que observei, a falta de ética
profissional dos proprietários das empresas de comunicação
que se subordinam a estas pressões. Talvez que estejam
na profissão errada e devessem mudar de rumo para outras
tarefas. Claro que talvez não sejam tão visíveis
e ‘importantes’ para a satisfação do
seu ego. Mas que as há, há!
Os jornalistas da diáspora, para poderem
exercer a sua profissão, são mesmo forçados
pelas entidades patronais locais, a enveredarem por caminhos que
lhes estão vedados pela própria condição
da posse da carteira profissional, ou seja, serem obrigados a
angariar publicidade, interrompendo constantemente o seu verdadeiro
trabalho. E pior que angariar publicidade é ter de ir cobrar
os “calotes” da mesma. Isto é outra violação
à sua condição profissional. E é uma
realidade quotidiana.
Há quem se queixe haver uma inflação
de jornais na comunidade. Uns que aparecem e desaparecem constantemente,
outros são verdadeiros ‘pasquins’ glorificando
o culto da personalidade de quem os tem ou de quem lá escreve,
e para se insultarem uns aos outros. Felizmente que os canadianos
que tomam decisões não sabem ler português
ou ainda pensariam pior do nosso comportamento interno...
Outro obstáculo é o da distribuição
gratuita dos nossos jornais. Fossem eles pagos e sobreviveria
um, no máximo dois. Houve um que tentou ser vendido. E
a despeito da módica quantia solicitada, o proprietário
teve de recuar senão não havia quem pegasse nele.
Celeuma que aqui se levanta de quando em vez:
Jornalistas encartados ou não encartados, quais as diferenças?
Ora bem, há jornalistas encarteirados que não merecem
a profissão que têm e curiosos da escrita e da comunicação
que escrevem maravilhosamente, quem me dera ser como eles, reconheço
humildemente. Mas existe uma ética profissional e é
por isso que eu afloro este assunto. E existe também a
questão da remuneração. No jornal comunitário
em que trabalhei mais tempo, auferi por uma média de trabalho
diário de 10 a 12 horas, sete dias por semana, um ordenado
inferior ao de qualquer senhora da limpeza, a trabalhar numa só
casa, 5 dias por semana, num máximo de 5 horas, e sem pagar
quaisquer impostos ao estado! Mais um obstáculo, não
é?
Talvez por isto, se verifique a melhoria observada
na televisão portuguesa feita no seio de uma estação
canadiana que todos sabemos qual é. Podem não pagar
principescamente mas existe lá ética profissional
e respeito pelos jornalistas. É sempre superior a todas
as outras rádios, televisões e jornais. No caso
da rádio até já se constou de pessoas que
foram contratadas em Portugal com grandes promessas e quando aqui
chegaram foram obrigadas a ir fazer outra coisa pois nada do prometido
se concretizou.
Sou obrigado a dizer que, estando longe de Portugal,
ao abrigo de paixões locais, noto uma degradação
em certos sectores da média portuguesa. Não se pode
confiar do “off de record”, as pessoas são
assediadas pelos repórteres da rádio e da televisão
de uma forma agressiva e por vezes indescritível, há
mais jornalistas que jornais, rádios e televisão.
Resultado: só trabalham com garantia os muito capazes,
e de nome feito, e todos aqueles e aquelas que obedecem à
“voz do dono” dos órgãos de informação
a quem servem, cada vez mais afectados por um canibalismo empresarial
que os coloca quase todos a trabalhar para os mesmos, com prejuízo
da sua isenção. Isto para que não se julgue
que os infernos deontológicos só existem em Toronto!
Mas deixem-me dizer da satisfação
que sinto desde que a RTP internacional chegou ao nosso cabo TV
em Toronto. A despeito de tudo é a nossa televisão.
E até fui, pela primeira vez na vida conquistado por uma
novela que lá passa e que eu não perco um dia que
seja! Pena que os excelentes programas, especialmente os produzidos
para a :2 passem tão tarde porque são preciosos.
E uma vez mais tenho de enaltecer as novelas produzidas pela RTP-Açores,
que são mesmo das melhores! Quanto aos que aqui se queixam
do custo em comparação às televisões
da Itália e de outros países, pensem primeiro na
falta de influência política que a nossa comunidade
não tem em comparação às outras, que
até votam! E que pena não protestassem da mesma
maneira contra os paupérrimos programas televisivos que
outros programas lhes enfiam pela casa dentro!
Em fim de comunicação, felicito
adiaspora.com e outros portais da internet que vale a pena visitar.
E se me perguntarem qual vai ser o futuro da média da Diáspora
lusa, confesso que se fosse americano (cruzes, canhoto!) diria
ser “the $64,000 question”...
Sou um optimista nato, não tenho uma visão
apocalíptica das coisas. Mas estou seriamente preocupado.
Prometi no início referir-me a um exemplo da comunicação
da diáspora lusa num país lusófono. Estive
no Brasil pela última vez em 1996. Vi os jornais da chamada
colónia portuguesa (um definição horrível,
mas é que lá usam). Para além de serem mal
escritos são de uma subserviência inacreditável!
Nem os mais facciosos daqui se lhes comparam, acreditem. Ou alguma
vez tiveram orientação idêntica. Quanto ao
cenário de outros países, como o Canadá,
há a tal esperança da terceira geração,
mas ainda vai levar algum tempo. Não sei se a rádio
terá capacidade de trazer vozes e ideias frescas de Portugal.
Aqui há ideias frescas mas não falam mais a língua.
E os que têm ideias frescas e falam a língua, não
interessam aos proprietários das rádios que temos.
Estou convencido que muitos jovens radialistas/jornalistas, desempregados
em Portugal, não desdenhariam vir até aqui. Mas...
ganhar menos que uma senhora das limpezas e ainda ter de pagar
impostos? Não sei se isso é atraente.
Estou em crer que será mais fácil
a continuidade das televisões geridas por canadianos, com
mais recursos, com outro profissionalismo. Poderão mesmo
continuar e melhorar. Mas a comunidade terá de lhes dizer
o que quer como programação.
Gostaria de ver os luso-canadianos mobilizados
e organizados, sim, não para protestar o custo da RTP no
cabo mas sim para exigirem melhor qualidade, melhor linguagem,
melhor programação, melhores jornais com escrita
e artigos de grande informação! Isso sim!
A resposta a esse futuro passa por aqueles que
são proprietários de jornais e programas de rádio
e televisão. Mas pertence muito mais aos consumidores,
à nossa gente, a ‘raison d’être’
para a existência da média Luso-canadiana com a sua
lídima exigência para programas qualitativos e dignos
de tal nome. E, como me mencionou um dia o Monsenhor Eduardo Rezendes,
que fez o favor de elogiar o meu trabalho, na altura na televisão,
‘na missão de informar e formar’”.
Muito grato pela vossa atenção.
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