Lembranças De Confeitos


Por Ferreira Moreno

Gente amiga pediu-me umas " referências" acerca dum produto caseiro que, aparentemente, há desaparecido no mercado de guloseimas regionais. Trata-se, no presente caso, dos tradicionais CONFEITOS gozando de muita popularidade na " minha" Ribeira Grande, e aos quais o meu saudoso conterrâneo Ezequiel Moreira da Silva
(1892-1974) dedicou esta singela quadra:

Pedi ao meu namorado
Um cartucho, mão a mão,
Em cada confeito grado
Batia o meu coração.

No segundo volume do "Apontamento Histórico & Etnográfico, S. Miguel & Santa Maria", publicado pela Direcção Escolar de Ponta Delgada, somos devidamente informados que o fabrico de confeitos na Ribeira Grande teve início após a extinção das ordens religiosas em 1834, " quando a bisavó da Sra. D. Maria Alcídia do Rego Teixeira recebeu em sua casa uma noviça vinda do convento d'Angra do Heroísmo."

As freiras evidenciaram-se sempre, através dos tempos, na arte culinária da doçaria...
E foi assim, por mero capricho do destino, que o segredo na feitura dos confeitos veio parar à Ribeira Grande! Diz-se até que, nesta confecção dos confeitos, e por largo tempo, a família teria usado uma bacia de cobre originalmente utilizada pela Madre Teresa da Anunciada (1658-1738), quando ela fazia confeitos no Convento da Esperança, ou seja, do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

A receita fundamental dos confeitos foi recolhida e transmitida pela D. Zenaida Borges
Miranda num trabalho que passou p'rós arquivos de Antropologia Cultural (1981) da responsabilidade do Dr. Rui Sousa Martins da Universidade dos Açores.

Desculpem-me em não transcrever agora tal receita, mas ela é demasiado longa e tão meticulosa que tomaria muito espaço neste jornal, com a agravante ainda de possivelmente provocar exasperação entre os impacientes amadores de doçaria...Acreditem que é uma tarefa morosa fazer confeitos, exigindo dias e muitas miudezas p'ró seu fabrico!

De valor inestimável, e afamados pela sua qualidade e apresentação, em tempos passados, foram certamente os confeitos fabricados pela D. Maria Alcídia e seu marido Manuel da Costa Correia, este último mais conhecido por Manuel Sacristão pois que, por mais de meio século, exerceu as funções de sacristão da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela.

Os confeitos, no seu interior, continham amêndoas torradas ou frutas cristalizadas, e bem assim semente de erva-doce. Eram vendidos ao público, ou p'rás mercearias, ao quilo ou em cartuchos de papel de tamanho e preço variáveis. Apareciam com especial incidência, no entanto, p'la festa da Páscoa, no Domingo de Ramos, e por ocasião das procissões dos Terceiros e dos Passos.

Os confeitos estiveram igualmente ligados a uma tradição do passado. Tenho ainda na lembrança o costume de (à saída da igreja, após o casamento) se atirar aos noivos pétalas de flores misturadas com confeitos, numa expressão de abundância e desejos de felicidades.

E sabem que mais? Aquilo causava um alvoroço entre crianças que, aos pulos ou de gatinhas, a torto e a direito, se atiravam à procura dos confeitos, entre risos e alguns gritinhos...Santos tempos de paz e simplicidade!

Havia até mesmo um " ritual" na venda ambulante dos confeitos e que a leitura do supra-citado Apontamento me fez relembrar e que ora me apraz transcrever com nostalgia...

Os típicos vendedores transportavam os confeitos em cestas de vimes de forma oval, com tampa e asa, forradas no interior por uma toalha branca adornada com rendas ou bordados, ficando os extremos fora das cestas.

Dentro das cestas guardavam-se os cartuchos, enquanto outros de diversos tamanhos eram expostos sobre a parte interior da tampa, levemente descaída para trás. Estas cestas, por sua vez, eram transportadas sobre o braço esquerdo dos vendedores, que lá iam apregoando a mercadoria por entre a multidão, que transitava pelas ruas.

E de toda a parte apareciam noivos a comprar cartuchos de confeitos p'ra mimosear as suas noivas, ou então pais sorridentes e tão gulosos como os próprios filhos!

Presentemente, talvez por ser um trabalho muito pesado e demorado, esta indústria artesanal dos confeitos já passou ao estafado rol dos esquecidos...

O meu amor é fuseiro,
Vendedor de confeitos,
Tem olhos de cordeiro
E cabelos contrafeitos.
Ó rapaz do cabaz,
Dá-me desses confeitinhos,
P'ra eu dar em lembrança
A quem me dá beijinhos.