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Por Ferreira Moreno
O "Correio dos Açores" na sua
edição de 18 de Dezembro do ano passado, mas que
por desleixo descomunal dos serviços postais, foi distribuído
na Califorlândia a 15 de Fevereiro do ano corrente, publicou
um artigo de Jorge do Nascimento Cabral, donde transcrevemos com
a devida vénia a seguinte passagem:
"Subscrevo a preocupação do ilustre escritor
e investigador Manuel Ferreira, certamente por recordar-se do
destino desconhecido de um crucifixo pertencente ao famoso cientista
Louis Pasteur, que integrava o espólio do saudoso homem
da cultura, que foi o Dr. Jorge Gambôa de Vasconcelos."
Esta incisiva e justificada referência, oportunamente lavrada
por Jorge do Nascimento Cabral, provocou o rápido desencadeamento
dum vasto rol de recordações, que ainda guardo religiosamente
com respeito ao supra-mencionado crucifixo.
E já me explico
Foi precisamente aos 24 de Julho de 1986, ao visitar em Ponta
Delgada o Dr. Jorge Gambôa de Vasconcelos (1908-1995), que
ele próprio me obsequiou com o raro privilégio de
segurar e admirar, com intensa emoção, o Crucifixo
de Pasteur.
Esse crucifixo fora-lhe entregue em Dezembro de 1984 pelo Dr.
António Gaspar Read Henriques, antigo director do "Correio
dos Açores", falecido em Março de 1985 contando
mais de 90 anos de idade.
Como se tornou possível semelhante relíquia do
insigne cientista Pasteur (1822-1895) ter vindo parar a S. Miguel?
Eis, nas suas linhas gerais, a história do itinerário
que o crucifixo percorreu desde Paris até Ponta Delgada
.
Com a implantação da República em 1910,
as Religiosas da Congregação de S. José de
Cluny tiveram de abandonar Ponta Delgada e refugiar-se em França.
Com elas seguiu uma noviça natural de Santa Clara, em cuja
igreja fora batizada com o nome de Irmã Pedro do Espírito
Santo.
Depois, com esta dupla qualidade, deu entrada no Instituto Pasteur
de Paris onde, durante 25 anos, prestou relevantes serviços,
quer aos doentes do Instituto, quer à Família de
Pasteur, que a tinha em grande estima.
Um dia, no exercício das suas funções de
enfermeira, a Irmã Pedro do Espírito Santo partiu
um braço, recebendo autorização p'ra ir restabelecer-se
em S. Miguel. Ao apresentar as suas despedidas, a filha de Pasteur
ofereceu à freira aquilo que conservava com muito afecto
- o crucifixo do seu pai!
A Irmã Pedro, no entretanto, foi encarregada da construção
dum Sanatório e Preventório p'ra tuberculosos no
Funchal, bem como duma Escola de Enfermagem. Aconteceu que, em
1949, ela veio de visita a S. Miguel na companhia da Conselheira
Geral da respectiva Congregação, a cujo cargo estava
confiado novamente o ensino escolar no "Colégio das
Méres" ou de "S. Francisco Xavier", instalado
no Mosteiro da Esperança, popularmente conhecido por Convento
do Santo Cristo.
Foi, então, nessa altura que a Irmã Pedro, atenta
ao dedicado auxílio prestado à Congregação
pelo Dr. Real Henriques, decidiu oferecer-lhe aquilo que consigo
trazia de mais valioso - O Crucifixo de Pasteur!
Trata-se duma pequena cruz de bronze, de 17 centímetros
de altura, com toda a face anterior lavrada por motivos florias
que se expandem, em leque, no topo dos seus ramos. No meio, a
figura de Cristo, delicadamente esculpida, também em bronze
e apenas recoberta, na cintura, por elegante cendal, com a cabeça
pendente coroada de espinhos, enquanto os braços abertos
e pernas caídas, quatro cravos pregados nas mãos
e nos pés, prendem a figura de Cristo na cruz.
Mais ainda
. Na base desta cruz, dois anjos, em alto relevo,
rezam ajoelhados sobre nuvens, um de mãos postas e o outro
com os braços cruzados no peito.
Este crucifixo representa, certamente, uma preciosa obra artística
e com significado próprio. No entanto, mais do que seu
valor plástico, devemos ter em conta a auréola de
recordações que o envolve. As palavras proferidas
pelo Dr. Jorge, ao tempo da minha visita em 1986, continuam ainda
a ecoar no recôndito âmago das minhas saudades:
"Quantas vezes as mãos puras do sábio Pasteur
apertaram este crucifixo, buscando nele a inspiração
que o levou à descoberta de tantos segredos? Quantos anos
ele teria olhado, com tanto amor, pelos familiares de Pasteur,
após a morte o ter arrebatado ao seu convívio? Quantos
momentos de êxtase religioso ele havia proporcionado à
Irmã Pedro nas horas de fé mais firmes ou mais ardentes?
Quantas bênçãos ele teria derramado sobre
o Dr. Read Henriques, que o teve suspenso à cabeceira da
cama durante mais de 35 anos? Todo este feixe luminoso de lembranças
e virtudes, que rodeia a Crucifixo de Pasteur, constitui em verdade
um valioso tesouro que exige uma defesa segura e um preito da
maior estima."
E o Dr. Jorge Gambôa de Vasconcelos - ainda me recordo
- com aquele carinho da sua alma de artista, e num aceno de sincera
humildade, olho p'ra mim serenamente, embora com a voz embargada
pela emoção, e disse: "Estarei eu à
altura de tão grande responsabilidade? Com o auxílio
de Deus, assim o espero!"
Aparentemente, com o falecimento do Dr. Jorge, desapareceu o
Crucifixo de Pasteur
. Há pouco, o jornalista Jorge
do Nascimento Cabral deu a entender que o crucifixo teve um destino
desconhecido.
Fico, pois, aguardando com redobrada ansiedade o devido esclarecimento
que a benquista memória do Dr. Jorge exige e merece!
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