|
Por: Ferreira Moreno
Em 1990 e 1991, com a generosa cooperação
de vários casais terceirenses, a paróquia americana
de St. Alphonsus (San Leandro, Califórnia), promoveu uma
função em honra do Divino Espírito Santo,
nos moldes tradicionais das nossas ilhas, no intuito de “educar
e instruir” os respectivos paroquianos na verdade do culto
à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
A parte religiosa foi cumprida a rigor, desde a recitação
do Têrço de Missa solene, até a Procissão
e Coroação de criancinhas, Houve Bodo de Leite e
foram servidas Sopas e Alcatra. A coroa, representativa do Espírito
Santo, esteve exposta no altar dum “império”armado,
em réplica à moda dos típicos impérios
da ilha Terceira.
A parte folclórica, destinada aos portugueses, consistiu
num tradicional pézinho (frente ao Império)e numa
animada cantoria (no salão paroquial), onde participaram
alguns dos nossos populares cantores emigrantes, entre os quais
se encontrava o Daniel Arruda.
Foi a esse tempo que travei conhecimento e amizade com o Daniel
António Almeida Arruda (nome completo), genuíno
terceirense da freguesia dos Altares, onde nasceu em 1957 e fez
a sua estreia de repentista aos 18 anos d’idade, emigrando
p’ra Califórnia com a família em 1983.
No decurso dum amistoso almoço convívio em San José,
o Daniel teve a deferência em entregar-me, a título
provisório, um precioso manuscrito com centenas de quadras
da sua autoria. Fiquei, então, convencido que o Daniel
já alimentava o sonho de ver, um dia, a sua poesia publicada
em livro.
Apraz-me agora, após uma década de expectativa,
confirmar que o ambicionado sonho do Daniel há-se transformado,
em fagueira realidade, pois que no próximo dia 17 de Fevereiro
teremos a apresentação do livro “Em Busca
de um Sonho”, oferecendo-nos a oportunidade de deliciarmo-nos
na leitura amena dos Poemas, Quadras Soltas e Danças d’Espada,
da autoria do Daniel Arruda.
A todos quantos contribuíram pra realização
do livro do nosso irmão emigrante, os meus efusivos parabéns.
Pro Daniel, o meu tributo de amizade e simpatia. Pros leitores
a diversificada transcrição de quadras extraídas
do precioso manuscrito que, na década passada, tive a oportunidade
de ler com muito agrado.
Quem é que gosta de sarilhos,
Que a vida moderna ensina?
Ninguém quer ver os seus filhos
No lodo e na ruína!
No mundo conheço tantos
Que gostam no fim e ao cabo
De mostrar cara de santos
E têm coração de diabo
Ajuda a velho e criança
Como se fossem filhos teus,
E receberás como herança
A santa benção de Deus.
O mundo por infelicidade
Anda p’rai ais baldões,
Com abundância de maldade
E miséria de boas acções.
Muito rico por capricho
Do muito pão que lhe sobre,
Prefere deita-lo no lixo
E podendo dá-lo a um pobre.
Existe tanta pobreza
Pedindo a Deus água e pão
E tantos como muito na mesa
Sem rezar uma oração.
Pensam no seu bem estar,
Mesmo sem amor nem carinho,
E são capazes de negar
Uma esmola a um pobrezinho.
Não te gabes por seres rico,
P’ra te tirarem o chapéu,
Porque mais alto que seja o pico
Nunca chega a tocar no céu!
As quadras, que se seguem, revelam o espírito
alegre do Daniel Arruda. Recebi-as em agradecimento por ter-lhe
enviado recortes dos jornais das ilhas, entre os quais a cópia
dos versos escritos pelo Daniel após o falecimento do Charrua
em 1991:
Antes de entrar no assunto, gosto de ser delicado,
por isso mesmo pergunto: Como é que tem passado?
Eu por cá vou indo bem
Na graça do Criador,
E feliz daquele que tem
O seu amparo e amor.
Aqui lhe agradeço
Todo esse trabalho seu,
Lhe dou elevado apreço
P’la atenção que me deu.
Se não fosse através de si
Eu ficava sempre a esperar,
E não lia o que escrevi.
Pr’o Diário Insular.
É sempre bom ter um amigo,
Sério e auxiliar
Por isso estarei consigo
P’ra aquilo que lhe prestar.
Se um dia precisar d’ajuda,
Seja no trabalho que for,
Este Daniel Arruda
Está sempre ao seu dispor.
Recebi dele uma outra carta, novamente redigida
em quadras, motivadas pelo nosso encontro em San José,
com referência a uma “video-cassete”que lhe
havia emprestado...
Amigo Ferreira Moreno,
Vou-tedizer o que sinto:
Na estatura és pequeno,
Mas no espírito és distinto.
Acho que me compete,
Já que nisto falaste,
Ainda tenho a cassete
Que há muito me emprestaste.
Já estive para a mandar,
Mas sou muito descuidado,
Estou c’mo Baltazar
Que não deu conta do recado.
É como diz o velho ditado,
Que agora me fez lembrar,
Não custa pedir emprestado,
Mas custa depois pagar.
|