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Por: Dr. Tomás Ferreira
Alguns comentários sobre um assunto que
nos deve interessar
A comunidade portuguesa está a sofrer
duma “doença, que pelos vistos é comum a todas
as sociedades do mundo desenvolvido e industrializado em que vivemos
a falta de voluntários. Essa falta de pessoas que ofereçam
o seu trabalho voluntário, isto é, sem receber dinheiro,
seja ele em clubes, associações, igrejas, organizações
de caridade e até associações de antigos
combatentes, segundo estudos feitos no Canadá, Estados
Unidos e na maioria dos países europeus incluindo Portugal,
é cada vez mais grave.
No momento presente, estou como de costume a escrever à
sexta-feira, pelo menos quatro organizações portuguesas
de Toronto estão sem directores e na perspectiva de encerrarem
as suas portas. Já abordei esse assunto em artigos anteriores,
o último dos quais há dois anos. Infelizmente, a
situação parece agravar-se e à semelhança
de certas doenças crónicas e sérias cada
recaída é pior do que a anterior, correndo-se o
perigo de se atingir uma que seja a última, isto é
venha a acabar com a morte.
Trata-se dum assunto de solução difícil ou
até impossível e é muito possível
que em cinco ou dez anos, pelo método de selecção
natural que existe na natureza, em que os animais e plantas mais
fortes ou adaptados ao meio ambiente sobrevivem, apenas três
ou quatro clubes e associações venham a existir.
Para podermos continuar a luta pela sobrevivência das instituições
portuguesas, precisamos de debater o assunto e tomar decisões
apropriadas.
Mais uma vez abordo o assunto nesta coluna, sugerindo alguns pontos
para debater e aventurar uma sugestão.
Soluções fáceis – A pior coisa que
podemos fazer, é ter aquela atitude que já eu chamava
quando era estudante, a “solução de café”.
Isto é juntos com os nossos amigos e conhecidos, produzir-mos
uma solução simples, única e fácil.
Infelizmente estas soluções simples, são
muitas vezes simplórias.
Na vida real as coisas são mais complicadas do que quando
estamos à mesa do café, no bar ou noutra actividade
social. Não existe uma simples e única solução
para o problema que estamos a abordar e até pode ser que
não haja nenhuma.
Directores e trabalhadores – Um colega meu que não
é português, muito interessado em música folclórica
e tradicional, teve a oportunidade de jantar e passar uma excelente
noite num clube da nossa comunidade. Ele ficou admirado, como
é que por cerca de vinte dólares, tiveram uma noite
tão agradável e barata, uma vez que em qualquer
acontecimento semelhante realizado por uma organização
particular, teria pago mais do que dobro. Claro que ele ficou
ainda mais admirado quando descobriu que esta festa e outras semelhantes
na comunidade portuguesa, não só davam lucro mas
eram uma das maiores fontes de receita dos clubes e associações
luso-canadianos, Expliquei-lhe que não se tratava de nenhuma
milagre ou actividade ilegal, mas que nas festas portuguesas no
Canadá a maioria do trabalho, desde a venda dos bilhetes
até a cozinha, incluindo muitas vezes a limpeza, eram feitas
por voluntários, muitos deles com o título de directores.
Na realidade, esses voluntários, muitos deles depois de
passarem uma dia a trabalhar, em vez de irem para casa descansar
seguiam para os clubes e associações para trabalhar
até altas horas da noite e muitas vezes como por exemplo
em muitas semanas culturais, faziam isso durante sete ou dez dias
consecutivos. Como se isso não bastasse, esses directores
tinham muitas vezes de aturar “os fregueses”, que
em vez de estarem agradecidos eram exigentes e até malcriados.
Uma outra agravante era o facto que muitos desses directores/trabalhadores,
em vez de oferecerem os seus trabalhos à instituição
por um ou dois anos, faziam isso há cinco ou dez anos consecutivos.
Poder-se-ia dizer, que na sua organização os sócios
estavam divididos em dois grupos, a maioria que ia às festas
e outras actividades, pagavam barato e divertiam-se e os que tinham
o título de directores que faziam o trabalho. Pode-se afirmar,
que as pessoas que vão aos clubes portugueses estão
divididas em dois grupos os “fregueses”que pagam pouco
e muitas vezes exigem muito e os “trabalhadores”que
trabalham muito e não recebem nada.
Finalmente muito desses directores/trabalhadores que tinham 30
ou 40 anos há dez ou vinte anos, e têm hoje cinquenta
ou sessenta anos de idade, começam a estar cansados.
Uma possibilidade para ajudar à solução do
problema dos directores será dar-lhes apenas a função
de dirigir e entregar o trabalho manual, seja ele o de cozinhar,
vender bilhetes ou limpar, a empregados. Eventualmente as associações
portuguesas que sobrevivem, terão muito provavelmente de
recorrer a pessoal pago.
Pagar mais – Nos clubes e associações as quotas,
quando são pagas, são extremamente baixas.
Ninguém hoje recebe o mesmo ordenado que tinha há
dez ou vinte anos antes. Uma refeição que custava
cinco dólares quando eu cheguei ao Canadá, custará
hoje vinte. No entanto, sei de clubes em que se paga ainda hoje,
a mesma quantia que quando da sua fundação. Uma
vez que a receita das quotas, não chega é preciso
que as instituições vão buscar as verbas
para se manterem, à festas e outras actividades em que
o trabalho é feto pelos directores e voluntários.
Infelizmente, toda a gente quer receber benefícios mas
poucos desejam pagar o seu verdadeiro preço. Poucos pensam
que se o trabalho para organizar uma festa ou servir uma refeição
e uma bebida, fosse pago, elas custariam pelo menos 50 ou 100%
mais. De notar, que muita gente que vai a festas organizadas por
organizações comerciais pagam com facilidade 50
ou 60 dólares, por um serviço que custa no clube
15 ou 20 e mesmo assim acham caro.
A ternura dos quarenta – Muitos directores dos clubes, que
eu conheci há dez ou vinte anos, tinham nessa altura entre
35 ou 40 anos de idade. Hoje 10 ou 20 anos mais tarde estão
a passar o meio século e alguns a atingir 50, 60 ou até
70 anos.
Depois de passar dez ou vinte anos da sua vida como directores/trabalhadores,
muitos homens e mulheres do movimento associativo luso-canadiano
querem e com razão passar à classe dos “fregueses”,
isto é ir às festas, bailes, jantares e outros actividades
e diveretem-se em vez de trabalhar.
Mudam-se os tempos... A vida dos portugueses de Toronto tem mudado
muito. Muitos tem hoje “cottages”, barcos e muito
especialmente uma família que consiste em filhos, filhas
e netos e até genros e noras que não são
portugueses ou não estão interessados nas actividades
da comunidade luso-canadiana, Já lá vai o tempo
e que as únicas actividades sociais dos portugueses, eram
além dos casamentos e baptizados, ir a igrejas, clubes
e associações portugueses. É muito pouco
provável, que pelo menos nos nossos tempos vejamos o desaparecimento
das instituições luso-canadianas mas será
de esperar que com os anos o número de pessoas que vão
às actividades portuguesas vá diminuindo devido
ao envelhecimento e ao envolvimento noutras actividades lúdicas
fora da comunidade. Também, muitos portugueses, muitos
deles hoje reformados mudaram-se para localidades afastadas como
Woodbridge, Markham, Maple, Concorde e até Barrie. A prórposito,
tenho hoje um bom número de doentes nas cinco povoações
que mencionei. De notar, que muitos dos que se afastaram de Toronto
fizeram-no para seguir os filhos e especialmente os netos.
O envelhecimento... infelizmente, ninguém escapa a envelhecer,
a não ser que morra antes. À semelhança da
comunidade em geral, os portugueses estão a envelhecer.
Tenho ido a festas portuguesas em que a maioria dos presentes
tem mais de cinquenta anos. As leis da imigração
e até há poucos anos a prosperidade económica
em Portugal, diminuíram o número de imigrantes vindos
da nossa terra natal. Com os que cá estão e envelhecerem
ou a morrer, coisa que infelizmente vai acontecendo, e com a diminuição
no número de portugueses a chegarem ao Canada, os clubes
e associações luso-canadianas terão cada
vez menos pessoas para os frequentar ou dirigir.
E os jovens? Infelizmente as gerações que se seguiram
aos imigrantes portugueses que nos últimos cinquenta anos
tem chegado ao Canadá, não se envolverem na comunidade
portuguesa. Tenho a certeza que mais de 90% dos que me estão
a ler, e eu sou um deles, poderão dizer que os seus filhos
e netos não frequentam normalmente as actividades comunitárias
portuguesas. De notar que muitos deles, entre os 12 e 20 anos
como foi o caso do meu filho, frequentam os clubes portugueses,
porque eram levados pelos pais ou gostavam dos grupos folclóricos.
Infelizmente, a maioria esmagadora, incluindo os jovens que pertenceram
às associações dos estudantes universitários
das Universidades de Toronto e York, entre os 25 e os 30 afastam-se
da comunidade portuguesa. Cada vez há menos homens e mulheres,
entre os trinta e os quarenta, a idade dos dirigentes, das nossas
organizações há dez ou vinte anos, que se
envolva nas actividades da nossa comunidade.
Trabalho a mais – Dizia-me uma pessoa cujas funções
profissionais consistem em contactar luso-canadianos em casa,
que é difícil encontrar pessoas em casa antes da
21 horas – muitas estão no seu “part-time”,
isto é o segundo emprego. Se esse segundo emprego é
para colocar pão na mesa ou para extravagancias como comprar
mais uma televisão, electrodomésticos, outro carro
maior, pagar um baptizado ou um casamento principesco, será
assunto para outro artigo, porém não há duvida
que muitos portugueses estão tão ocupados que não
têm tempo para se dedicarem a actividades voluntárias.
Clubes a mais – é obvio que quanto mais clubes e
associações existirem mais difícil será
ter pessoas a participarem em todas as actividades. Embora isso
seja sem dúvida, um factor a ter em conta, não me
parece ser uma das causas principais deste problema. Associações
e clubes como a Casa do Alentejo, que têm boas instalações,
actividades frequentadas por muita gente e até uma situação
económica, próspera, estão a sofrer uma crise
de falta de directores e outros colaboradores. Não há
dúvida que a divisão em pequenos clubes não
me parece lógica – há áreas de Portugal
que têm cinco organizações em Toronto representando
áreas tão vizinhas, que quem as visita não
sabe distinguir, como é o caso de duas cidade do norte
do país. Vila do Conde e Póvoa que no Canadá,
têm cada uma o seu clube embora na última vez que
as visitei não tivesse sido possível distinguir
as ruas que pertenciam a uma e a outra.
É minha opinião que inflação de organizações
que existe em Toronto não é a única causa
para o problema que estamos a abordar. Até é possível
que alguns naturais do Felgar que não iriam a uma festa
por ser Carviças (trata-se apenas de um exemplo...) seja
atraídos a participar numa actividade realizada pelos da
sua terra e que muitos clubes pequenos e regionais tenham a possibilidade
de mobilizar pessoas que não se envolveriam noutros tipos
de clubes ou associações.
É possível que clubes mais pequenos até tenham
mais facilidades de atrair voluntários.
Uma sugestão – não há dúvida
que estamos numa situação séria e que nos
arriscamos a ver desaparecem algumas das maiores instituições
luso-canadianas desta província. No momento presente, em
vez duma solução definitiva teremos de tomar decisões
urgentes. Parece-me que a falta de dirigentes deve-se fundamentalmente
ao cansaço daqueles, e são quase sempre os mesmos,
que nos últimos 5 ou 10 anos têm trabalhado para
as instituições luso-canadianas.
É preciso que mais sócios participem e ajudem na
gestão dos clubes e associações. Em vez de
deixar todo o trabalho para uma meia dúzia de dirigentes,
que afinal são mais trabalhadores que directores, é
preciso que toda a comunidade se envolva mais nas suas organizações.
Em vez de ter uma meia dúzia de voluntários precisamos
de dezenas. Não podemos esquecer, que quantos mais estiverem
envolvidos, menos trabalho caberá a cada um. Se todos oferecermos
alguns minutos o trabalho será mais fácil. Não
podemos ser só “fregueses”das colectividades
temos todos de ser colaboradores.
Não basta participar, é necessário também
ajudar. Não devemos esquecer que estamos a atingir uma
fase muito séria na vida das instituições
portuguesas no Canadá. Temos de fazer alguma coisa, afim
de preservar a obra que tem sido feita neste país. Pensar,
estudar, debater as causas da crise é importante, porém
precisamos de actuar já. A casa está a arder e não
é altura de descobrir as causas ou evitar o incêndio.
Se nada fizermos iremos perder uma boa parte da nossa cultura
no Canadá.
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