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Por Carlos Fino
Adriano Jordáo, conselheiro cultural
da embaixada de Portugal:
Renda da festa será revertida para obras assistenciais
Letras temperadas por receitas tipicamente portuguesas.
Muito mais que uma mera passagem nos enredos, a gastronomia nas
obras do português Eça de Queiroz representa parte
do método narrativo sobre os costumes da sociedade da época.
É por essa expressividade que a Embaixada de Portugal e
o Instituto Camões decidiram celebrar hoje os 160 anos
de nascimento do autor com um jantar beneficente, em que serão
servidos pratos citados nas obras do escritor.
“A idéia surgiu de conversas. Quando
nos demos conta da data, decidimos fazer uma coisa de impacto.
Essa festa é parte de outras comemorações
ligadas, por exemplo, à música nas obras dele, entre
outras temáticas. Então, o embaixador Francisco
Seixas sugeriu uma festa que fizesse referência à
gastronomia por causa da força dela na literatura de Eça”,
relembra o conselheiro cultural da Embaixada de Portugal, o angolano
Adriano Jordão.
O evento servirá, entre outras preciosidades,
pratos como arroz-doce, sopa juliana, feita de legumes, e bolinho
de bacalhau. Além das delícias portuguesas, os organizadores
aproveitam o ensejo para relançar o primeiro romance do
escritor, A ilustre casa de Ramires. Haverá também
sorteios de uma viagem para a terra natal de Queiroz, e do livro
Comer e beber com Eça de Queiroz, lançado pela editora
brasileira Index, em 1995, com edição esgotada.
Segundo a especialista na obra do literato português,
a angolana Maria Luiza Coelho, a gastronomia tem duas funções
que vão além do recurso estilístico do romancista.
“Em quase todas as obras dele, a comida e a bebida são
importantes. Elas têm uma função de caracterização
social em que, pelo comportamento à mesa, eram descritos
os hábitos e os costumes das sociedades presentes nas obras.
Nesse ponto, a gastronomia funciona como crítica à
alta burguesia da época, já que as discussões
da elite aconteciam à mesa. Mas a descrição
das refeições tem também um outro papel:
o de construir a narrativa”, explica a especialista, que
também é professora do Departamento de Ciência
Política da Universidade de Brasília.
Itens culinários
Para se ter noção da representatividade dos alimentos
na literatura crítica de Eça de Queiroz, o pesquisador
A.C. Matos, que organizou o Dicionário de Eça de
Queiroz, contabilizou 2.650 itens culinários diferentes,
citados em seus livros. Clássicos como Os maias e Primo
Basílio chegam a apresentar descrições de
refeições de até 26 páginas. Todo
esse apanhado tem o intuito de reconstituir os hábitos
culturais. “A empregada doméstica Juliana, personagem
da obra O primo Basílio, é, por exemplo, uma referência
à sopa juliana, típica da cultura portuguesa”,
aponta Maria Luiza.
A festa da embaixada e do Instituto Camões,
além de celebrar a contribuição de um dos
importantes nomes da literatura mundial, terá todo o lucro
destinado a associações que cuidam de pessoas carentes.
“Como a embaixada não pode ter fins lucrativos, decidimos
repassar toda a renda da festa para os organizadores do projeto
Correio Solidário, do Correio Braziliense, para que seja
distribuída para as instituições ligadas
ao trabalho deles”, justifica Jordão.
Cerca de 150 pessoas são esperadas para
a festança. Quem comparecer poderá não só
saborear os pratos citados nas obras, como também conhecer
um pouco mais sobre a importância de Eça de Queiroz
para a cultura mundial. O embaixador Seixas abordará a
atuação do escritor como diplomata. E a professora
Maria Luiza Coelho fará um apanhado da obra literária
do romancista.
“Eu acho que essa celebração
da embaixada e do Instituto Camões é uma maneira
de falar e de se conhecer mais a literatura de Eça, de
que ainda se fala pouco no Brasil. A grande herança dele
são os tipos sociais que ainda são encontrados nas
culturas e a forte crescimento da língua após sua
literatura. Ele modernizou a língua portuguesa. O que vários
autores realistas tentaram concretizar e não conseguiram,
Eça de Queiroz fez com maestria: tornar a língua
portuguesa mais simples, mais coloquial. Isso ele alcançou
fazendo crítica social”, resume Maria Luiza.
“Os padres gargalharam; e, alegremente, acomodaram-se à
mesa.
O jantar fora todo cozinhado pelo abade: logo à sopa as
exclamações começaram:
- Sim, senhor, famoso! Disto nem no Céu! Bela coisa!”
Trecho da obra O crime do padre Amaro, de 1875
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