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“Para mim é uma grande honra ter sido convidada
por José Ferreira para fazer uma apresentação
neste novo ciclo cultural do jornal virtual “Adiaspora.com”,
sobre tudo porque não sou portuguesa. Também é
uma grande responsabilidade, porque o tema “Tradição
e Progresso” está bem longe de minha especialidade
profissional, que é a Microbiologia Médica. Por
isso e, para não sair do tema, vou falar um pouco nas muitas
comunidades que escolheram o meu país. Chile, para residir,
crescer e multiplicar!
Em primeiro lugar, vou fazer uma brevíssima história
do Chile, para ilustrar melhor a situação:
No dia 18 de Setembro de 1810 o Chile declarou unilateralmente
a sua independência de Espanha. Os (mal chamados) “índios”
ou seja, os mapuches – não tiveram nada a ver com
esta declaração nem com a guerra da “reconquista”que
durou oito anos e de que Espanha acabou por desistir.
Os mapuches, mesmo depois de 3 séculos de ocupação,
não paravam de resistir, pelo que as lutas contra eles
preencheram muito do tempo dos governantes, não lhe permitindo
se preocupar com o progresso do jovem país... Até
que, no fim do século XIX, tendo consolidado as suas fronteiras
e tendo “pacificado”o povo mapuche, o Chile começou
a pensar em povoar o vasto território com imigrantes adequados
a cada região do país e às prioridades do
momento.
Naquele tempo, a Europa toda estava a ser assolada por diversas
guerras e calamidades, pelo que muitos queriam de lá sair
à procura de uma vida melhor. E assim foi que começaram
a chegar a toda América do Sul famílias inteiras
de pessoas provenientes de Alemanha, Itália, os Balcãs,
França, Irlanda, Escócia e outros. No Chile, ademais
dos grupos que se estabeleceram nas grandes cidades, houve uma
espécie de “colonização” regional
estimulada pelo governo, e até hoje, em algumas províncias
do Sul do Chile e os nomes prevalentes são alemães
ou croatas.
No século XX continuou o fluxo imigratório, agora
incluindo gente oriunda do Médio Oriente, nomeadamente
palestinos, sírios e libaneses, muitos deles cristãos
discriminados pelo Império Turco Otomano que dominava a
região. A duas guerras mundiais deram origem a mais movimentos
de populações europeias à procura de refugio
e paz, e que trouxeram vastos conhecimentos profissionais. A imigração
começou a diminuir na década de 1960, quando apesar
da “guerra-fria” a política internacional esteve
relativamente estável. Depois, à agitação
política e social no próprio Chile, a imigração
simplesmente parou e foram os chilenos, ironicamente que começaram
a emigrar...
Os diversos grupos étnicos que escolheram o Chile como
destino final trouxeram, naturalmente, as suas tradições
culturais. Mas, como o “multiculturalismo”não
tinha sido inventado, passaram muitos anos antes que estas tradições
fossem conhecidas do grande público, embora uma vez estabelecidas,
as comunidades (que nós chamamos de “colónias”)
tivessem seus clubes e seus programas de rádio.
No Chile, as pessoas integram-se facilmente: o chileno tem a mesma
tendência portuguesa de tratar bem o estrangeiro, talvez
com algum espanto e curiosidade, mas sem hostilidade nem desconfiança.
Não há no Chile preconceitos quanto a religião,
nacionalidade, casamentos mistos, pelo que há muita mistura
e o típico chileno é como eu que, ao que me consta,
tenho pelo menos sangue espanhol, mapuche e italiano.
Muitos imigrantes se integraram até a assimilação
total talvez devido ao menor grau de instrução que
possuíam. Assim por exemplo, os camponeses analfabetos
que vieram de Europa e o Médio Oriente, que só falavam
o seu dialecto, adoptaram como língua comum (mesmo dentro
da família) o nosso castelhano e alguns até traduziram
os seus nomes ou adoptaram à ortografia espanhola. Por
exemplo o árabe “Habib” transformou-se em “Amador”,
o “Poirier” francês deu em “Perales”,
o português Pinheiro mudou para “Pino” ou “Piñeiro”
escrito com a ortografia espanhola, e assim sucessivamente.
Estes imigrantes transmitiram aos seus descendentes algumas tradições
familiares, como a culinária, a música, as danças,
certos costumes sociais, mas as línguas de origem perderam-se.
Hoje em dia é comum encontrar turistas chilenos que estão
a visitar países de Europa ou do Médio Oriente para
conhecer a “terra dos antepassados”, sem falar nem
uma palavra do idioma local, a não ser na gastronomia...
Por outro lado, o tipo imigrante com mais educação
formal integrou-se na sociedade e o mercado de trabalho, mas nunca
abandonou as suas raízes. Tenho amigos cujos bisavôs
ou trisavôs vieram da Alemanha e que, em casa ou com os
amigos só falavam alemão, estudaram no Liceu Alemão,
frequentam o clube alemão, praticam desportos no estádio
alemão... o passo dos anos não afectou as tradições,
mantidas por sucessivas gerações.
Nós, os chilenos, adoramos conhecer o mundo, mas ficamos
tão longe de tudo que a melhor maneira de o fazer é
através das colónias: ouvir os programas radiais
(pela música, mesmo sem perceber nada do que se está
a falar) frequentar os restaurantes que aqui em Canadá
chamamos de étnicos, aprender coisas exóticas com
os nossos coleguinhas da escola, ir aos bailes e festas dos clubes,
etc. E forjarmos sólidas amizades!
No âmbito das tradições e do orgulho nacional,
as colónias no Chile são fortes, embora com uma
ambivalência natural de lealdade pelos antepassados e também
pelo país onde nasceram. Porque não podemos esquecer
que quem nasceu no Chile é chileno.
Pelo que tenho visto, não é fácil manter
as tradições e ao mesmo tempo estar integrado na
sociedade do país onde se vive, a não ser com muita
determinação para resistir à assimilação
completa. Custa muito esforço e dinheiro a preservação
da língua e da cultura de origem. Por vezes leva um par
de gerações para chegar a um ponto de progresso
nesse sentido.
E já que falamos em progresso... este é um termo
muito amplo, mas só vou abordar três vertentes que
tenho podido observar, como cidadã de um país de
acolhimento e como emigrante, eu própria!
Progresso individual
Todos conhecemos a expressão “estar
com uma mão à frente e outras atrás”.
Eu tenho famílias amigas que chegaram ao Chile nessa situação
extrema, sem saber nem uma palavra de castelhano, sem conhecer
ninguém, com a roupa do corpo e mais nada. No fim de poucos
anos, essas famílias já não moravam num apartamento
pequeno e barato, já não andavam vestidos com as
mesmas roupas o ano inteiro. Muito pelo contrário, estavam
a viver num alto nível e alguns enriqueceram além
das próprias ambições! Isto foi conseguido
com muita determinação, árduo trabalho e
alguma sorte para conseguir fazer reconhecer as suas qualificações
e poder demonstrar a sua capacidade.
Não esta demais mencionar a importância que teve
par estes recém-chegados encontrar uma comunidade bem estabelecida
e organizada e, sobre tudo, disposta a dar a mão. Para
o pioneiro da rota do progresso é muito dura, sendo difícil
que os filhos reconheçam mais tarde o esforço dos
pais, porque a afluência em que vivem a tornou normal.
Progresso Comunitário
Este avançado conjunto depende de diversos
factores, como por exemplo: a coesão, o isolamento, a homogeneidade,
a organização e as condições sociais.
Quando um grupo de pessoas possui uma certa mentalidade de disciplina
e trabalho em conjunto, formam-se laços que mantém
o grupo unido, COESO, apesar das diferenças individuais.
O mesmo acontece quando um grupo de pessoas da mesma origem encontra-se
a viver ISOLADO do resto, seja pela barreira da língua
ou por condições geográficas. Em ambos os
casos as tradições passam a ser um sistema de defesa
e segurança psicológica. Ao mesmo tempo acontece
um progresso pecuniário graças ao trabalho em equipa
forçado pelo isolamento.
Quanto à homogeneidade: é fácil, por exemplo,
dizer “Os Latino-americanos” (ou “hispânicos”como
nos chamam cá). Mas dentro da própria América
Latina há 17 países que falam a mesma língua,
mas com grandes diferenças culturais que atingem o próprio
idioma. Se o grupo não é homogéneo, torna-se
difícil preservar uma cultura que é só parcialmente
comum. Estas diferenças favorecem o progresso individual,
sem uma união comunitária evidente, a não
ser em pequenos agrupamentos.
A capacidade de organização manifesta-se na criação
de centros de convívio e escolas comunitárias.
As condições sociais, tais como a estratificação
social do país de acolhimento, os preconceitos de ambos
os lados, a capacidade de adaptação e integração,
constituem factores bastante influentes.
No meu ponto de vista, essas palavras – Adaptação
e integração são a chave do progresso comunitário,
porque permitem que os imigrantes e os seus descendentes consigam
se inserir na sociedade do país de acolhimento sem ser
totalmente assimilados e sem perder completamente as suas tradições.
Progresso do país de acolhimento
O fenómeno emigração-imigração
tem a obrigação de ser enriquecedor para aqueles
que escolheram uma nova terra para viver e para o país
de acolhimento. Esta riqueza tem um amplo aspecto cultural, com
todo o significado que esta palavra possui.
No Chile o desenvolvimento industrial e tecnológico do
século XX foi devido em grande parte à influência
dos imigrantes e seus descendentes. É interessante ver
os nomes que certas indústrias exibem e dos quais só
vou dar dois exemplos: as marcas das fábricas de massas
são italianas e a indústria têxtil é
dominada pelos nomes de origem árabe. Ambas estas indústrias
são fonte de riqueza para o Chile, pois exportam os seus
produtos para toda a América Latina e também alguns
países da Europa, África do Norte e Ásia.
Na política, então, nem falar: tivemos uma autêntica
“dinastia”Alessandri que conta dois Presidentes da
República, vários professores universitários,
diversos parlamentares e alguns juízes (filhos e netos
dum imigrante italiano que começou a vida a vender panelas
de cobre de porta em porta), uma família Frei até
a data com dois Presidentes, (respectivamente filho e neto dum
imigrante suíço). A Mãe do muito conhecido
Presidente Salvador Allende Gossens era de origem alemã,
o nome do igualmente conhecido General Augusto Pinochet Ugarte
é de ascendência basca e francesa. E assim na política
chilena encontram-se nomes das mais diversas origens!
O mesmo se pode dizer do atletismo, onde abundam os nomes de origem
alemão. Nas letras, porém, a herança ibérica
prevalece. Como é o caso de nossos poetas laureados com
o Prémio Nobel de Literatura, Gabriela Mistral e Pablo
Neruda.
No Chile não existe o multiculturalismo na forma como é
entendido aqui, no Canadá. Mas é um país
multicultural, onde a influência tem sido em ambos os sentidos:
Os imigrantes integravam-se na sociedade chilena, esta adoptou
muitos dos hábitos trazidos pelos imigrantes. Aqui somos
luso-canadianos, chilenos-canadianos, etc.
No Chile ninguém faz questão de mencionar a origem:
todos sabemos, todos nos conhecemos e todos nos respeitamos. Um
exemplo deste respeito mútuo acontece quando se festejam
os dias nacionais de outros países: os naturais desses
países ou os seus descendentes sempre içam duas
bandeiras: a do país que comemora o seu dia e a bandeira
chilena. DA mesma forma, para o 18 de Setembro, dia da Independência
do Chile, é notável ver uma grande quantidade de
casas com duas bandeiras (ou até mais) a prestar homenagem
a nossa festa nacional!
As organizações culturais (ou institutos) sempre
têm um duplo nome: chileno-francês, chileno-alemão,
chileno-britânico, chileno-árabe, etc. Os clubes
desportivos, esses são mais “nacionalistas”.
Por exemplo, temos o Audax Italiano, o ec ia, o Palestino entre
outros, a disputar o campeonato nacional de futebol (correspondente
a Super Liga de Portugal). As sedes puramente sociais também
levam o nome da comunidade fundadora (Stadio Italiano, Stade Français,
Club Español, Centre Català e muitos outros).
As escolas comunitárias são privadas. Algumas têm
subsídios de governos ou organizações de
outros países, mas todas têm a obrigação
de ensinar o programa de instrução chileno (e são
livres de adicionar quantas matérias quiserem), assim como
devem ter uma certa percentagem de professores chilenos.
Dado que o sistema de saúde chileno permite a existência
de clínicas privadas, muitas comunidades têm este
tipo de instituições, todas elas com muita boa reputação.
Da mesma forma, há comunidades que têm os seus lares
da terceira idade, embora no Chile ainda existe o hábito
de cuidar de nossos familiares em casa.
Todos estes detalhes me trazem de regresso a Toronto, onde tenho
podido observar as comunidades latino-americanas que são
muito novas em Canadá: os chilenos, por exemplo, só
começaram a emigrar em massa no fim da década de
1960, na sua maioria profissionais descontentes com a sua condição
salarial. Nas décadas de 1970 – 80 muitos deixaram
o país por motivos políticos dos mais variados.
E agora já não emigra quase ninguém!
Os latinos americanos, porém, temos preocupações
muitos similares às que tenho ouvido na comunidade portuguesa,
sobre tudo no que diz respeito aos jovens, como pouco interesse
pela educação universitária falando-se inclusivamente
em abandono escolar prematuro, fraco entusiasmo pelos clubes comunitários,
temores de que a cultura de origem possa se perder... Tudo complica-se
ainda mais pela diversidade dos países da região!
Os latinos americanos ainda estão na fase preliminar do
progresso individual e de “choque de gerações”.
Mas há que ter paciência, pois toda evolução
é lenta e toma mais do que uma geração. Por
outro lado, uma certa fusão de culturas é inevitável,
como também é inevitável um choque cultural
entre os imigrantes e os filhos criados no país de residência,
já que os mais jovens estão presos entre duas culturas
e lutam para encontrar o equilíbrio entre dois extremos:
continuarem estrangeiros ou deixa-se assimilar! Os adultos têm
a obrigação de os ajudar a encontrar esse equilíbrio
sem os pressionar, mas tentando despertar a sua curiosidade de
forma a os atrair para o conhecimento da cultura dos pais.
É interessante notar, porém, que aqui tal como no
Chile, os netos dos imigrantes começam a sentir aquela
curiosidade pelas origens dos avós e acontece uma espécie
de “renascimento”cultural na terceira geração!
Uma comunidade como a portuguesa, cujos pioneiros chegaram há
pouco mais de 50 anos é muito jovem. 50 anos são
um suspiro na história universal. Quando eu vejo que, com
apenas meio século, uma comunidade tem um comércio
bem desenvolvido, muitos a excelentes profissionais, artistas
de todo tipo reconhecidos fora do círculo comunitário
e até noutros países, escritores, jornais, portais
de Internet, desportistas, estudantes e professores universitários,
políticos a todos os níveis, etc., etc., etc.,...
posso afirmar que vejo uma comunidade muito bem integrada que,
respeitando e conservando os seus valores, a sua cultura e as
suas tradições, está em franco e rápido
progresso.
Num outro país, o Chile, tenho podido observar outras comunidades
que me levam a concluir que o progresso comunitário é
inevitável, uma espécie de lei natural, mas a sua
magnitude depende tanto dos objectivos e da vontade de cada indivíduo
como de sua integração na sociedade em que vive,
sem por isso abdicar de suas raízes, aliando o progresso
às tradições.”
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