|
Por: Ferreira Moreno
Nos tempos antigos da minha vivência nas
ilhas, sempre que se mencionava “estar a ouvir sinais”,
tal significava que os sinos da igreja estavam a dar o tradicional
toque a finados. De igual modo usava-se a expressão “dobrar
a finados”, apontando que o som dos sinos anunciava o falecimento
de alguém na freguesia.
Recordo-me, ainda hoje, de ter testemunhado (muitíssimas
vezes) o sineiro da minha terra ir empoleirar-se no cima da torre
da igreja, e assim que ele avistava a saída do caixão
(da casa p’ró cemitério), imediatamente entrava
a “tocar os sinais.”
Por mais estranho que pareça, aqui na Califorlândia
dos anos 1900, aconteceu um caso com um açoriano recém-emigrado
e que afirmou ter ouvido os “sinais”da sua ilha.
A “estória”foi contada por um velhote, amigo
do emigrante e testemunha do episódio, cuja transcrição
se encontra no livro de Randall Reinstedt ao título “Ghostly
Tales”, independemente dos dois volumes “Ghost Notes”
do mesmo autor.
Reinstedt é autor de várias outras obras acerca
da Penísula de Monterey, reside em Pacific Grove e é
casado com uma neta de emigrantes açorianos.
No caso do emigrante da nossa estória, estava ele a trabalhar
seis dias por semana, com folga aos domingos, num rancho localizado
na área do Big Sur, ou seja, a panorâmica região
entre as Montanhas de Santa Lucia e a costa do Oceano Pacífico,
alongando-se desde o Rio Carmel até a extremidade sul do
condado de Monterey.
O nome Big Sur é a tradução parcial de “El
País Grande del Sur”, toponímio usado pelos
exploradores espanhóis aquando do estabelecimento da Missão
Carmel em 1771. Embora eventualmente conhecida por “La Costa
del Sur”, esta região de há muito que é
simplesmente chamada Big Sur (Grande Sul) pelos americanos.
Regressemos, porém, à companhia do nosso conterrâneo
que, como acima escrevi, tinha os domingos de folga. E visto que
ele gostava de “andar a cavalo”, era o seu costume
dar longos “passeios”pelas montanhas, vales e ravinas
do Big Sur.
Um dia, de regresso ao rancho e algo cansado, ao passar por uma
ribeira decidiu descansar na verdura da margem, enquanto o cavalo
dessedentava-se na frescura da água.
Foi então que, quando fitava as nuvens, com paz e sossego,
ouviu distintamente os “sinais”, ou seja, o toque
dos sinos da igreja da sua terra natal, anunciando que alguém
havia falecido.
Colhido de surpresa, apurou mais o ouvido certificando-se que,
de facto, os sons eram idênticos aos “sinais”a
que se habituara desde criança. Mas como tal seria possível
nestas montanhas a milhares de milhas distantes dos Açores?!
Procurando uma explicação, voltou ao rancho e contou
sucedido aos proprietários; estes asseguraram que, provavelmente,
ele tinha “passado pelo sono.”
O nosso emigrante não ficou convencido, no domingo seguinte
voltou ao mesmo sítio.
Novamente, enquanto o cavalo bebia água da ribeira, e o
emigrante descansava na margem, ouviram-se claramente os “sinais”da
igreja da freguesia açoriana. Sem mais delongas, e visivelmente
emocionado, galopou p’ró rancho a dar conta do que
se passara.
Desta vez os ouvintes prestaram mais atenção, sugerindo
que talvez se tratasse da eventualidade de alguém nas ilhas
estar a tentar transmitir qualquer informação acerca
da família do emigrante.
Evidentemente que, a esse tempo, eram demoradas as comunicações
por correspondência, e nada mais havia a fazer senão
esperar por notícias através da mala do correio.
No terceiro domingo o emigrante dirigiu-se p’rá mesma
localidade, mas desta vez e outras, que se seguiram, nada ouviu...
até que, aproximadamente seis semanas após ter ouvido
os “sinais” pela primeira vez, o emigrante recebia
duas cartas tarjadas a preto informando que, exactamente numa
semana à parte, ou seja, naqueles dois domingos quando
lhe pareceu ter escutado os “sinais”, a mãe
e o pai tinham falecido!
Por razões óbvias, abstenho-me em tecer quaisquer
comentários. Deixo-vos, porem, com um par de quadras “Sino
da Aldeia”do livro “Ilha em Terra”do meu saudoso
irmão-emigrante João Teixeira de Medeiros (1901-1995).
Sino de vozes batidas
E repiques apressados:
Falas de mortes e vidas,
De batismos e noivados.
Repica, ó sino velhinho,
Nas festas e baptizados!
Mas plange mais de mansinho
Quando dobrares a finados.
|