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Por: Ferreira Moreno
Gavin Menzies, oficial aposentado da Marinha
Real Britânica, no seu livro “1421, The Year China
Discovered America” (recentemente publicado) declara que
os Chineses descobriram igualmente os Açores, antecipando-se
por largos anos aos Portugueses no “descortino”das
nossas ilhas.
Menzies, que aparentemente nunca tocou com o seu pezinho um insulano
grão de areia, assenta agora a sua bombástica abstrusidade
numa nunca informativa que “descobriu”ao ler a cópia
do “Epítome de las Histórias Portuguesas”,
(Madrid, Edição 1638). O autor, cujo correcto nome
é Manuel de Faria e Sousa (1590-1649), escreveu acerca
duma estátua equestre, esculpida no cimo da montanha na
ilha do Corvo; no entanto, confessa ser indecifrável a
respectiva inscrição.
Foi isto apenas o bastante p’ra Menzies afirmar, sem pelo
ou decência que “o cavaleiro do Corvo era realmente
uma estátua chinesa, representando o imperador-cavaleiro
Zhu Di.” E numa manobra piramidal, Menzies acrescenta: “Corrobativa
evidência de que os chineses talvez povoaram os açores
advém de Cristovão Colombo, que relatou uma história
local de cadáveres não-europeus vistos na praia
das Flores, a 20 milhas do Corvo.”
Com a devida vénia perante tão absurdo sensacionalismo,
estou inequivocadamente convencido que Gavin Menzies “caiu
ao mar”sem pá nem remo. Quer Colombo quer Sousa,
nunca atravessaram o canal entre as Flores e o Corvo. A referência
à lendária estátua é um descarado
plagio duma história fictícia redigida por Damião
de Góis (1502-1574), que nunca avistou os Açores,
de perto ou de longe.
Gaspar Frutoso (1522-91) e António Cordeiro (1641-1722),
naturais dos Açores e primeiros historiadores das ilhas,
classificaram a história da estátua ao nível
duma “antigualha mui notável.” Digo das Chagas
(1575-1667), outro historiador açoriano cujo irmão
paroquiou no Corvo, nem sequer fez a mínima referência
à estátua ou aos cadáveres dos chineses na
“praia das Flores.”
Os irmãos ingleses Joseph e Henry Bullar escreveram e publicaram
um livro relatando, meticulosamente, a sua estadia nos Açores
(Dezembro 1838 a Maio 1839). Na sua descrição da
ilha do Corvo, não se encontra qualquer memória
da estátua. Raul Brandão (1867-1930) esteve no Corvo
entre 17 a 30 de Junho (1924), e não faz menção
da estátua no seu livro “As ilhas Desconhecidas”,
considerado por Pedro da Silveira (1923-2003) como “um dos
melhores livros de viagens de todos os tempos na literatura portuguesa.”
Até mesmo que se tenha em conta e se aceite como possibilidade
remota que os antigos Fenícios ou Cartaginezes deixaram
uma estátua no Corvo, (muitos séculos antes do Chineses),
ainda assim tal não passa duma engenhosa trapaça.
Foi esta precisamente a ideia que nos legou o respeitável
Dr. Manuel Monteiro Velho Arruda. E aproveito já esta oportunidade
p’ra aconselhar Gavin Menzies que faça o favor de
ler, com religiosa atenção, a “Colecção
de documentos relativos ao descobrimento & povoamento dos
Açores”, onde Velho Arruda alude ao facto de que
em 1317, ou seja, um século antes dos chineses, embora
não houvesse ainda um projecto de descobrimentos, os Portugueses
tinham capacidade p’ra aventurosas viagens no Atlântico
oceano.
A verdade é esta: Até a data em que os navegadores
portugueses desembarcaram nos Açores, as ilhas encontravam-se
totalmente desertas, sem quaisquer vestígios de prévio
povoamento... e de chineses, nem rabicho!
Desejava recomendar, igualmente, os quinze volumes do “Arquivo
dos Açores”, particularmente o segundo e terceiro
volumes (1880-21), onde é vigorosamente debatida a questão
da estátua-fantasma. Temos ainda as duas edições
(1967-87) de “A Ilha do Corvo” de Carlos Alberto Medeiros;
o terceiro volume (1871) da “História das Quatro
Ilhas” de Silveira Macedo, e ainda a “Notícia
do Arquipélago dos Açores” (1871) de Accurcio
Garcia Ramos, esclarecendo que “este rochedo-estátua
é uma ilusão óptica e um capricho de erupções
lavicas.”
No seu “Relatório”sobre o Corvo, o Padre José
António Camões (1777-1827), natural das Flores,
nega enfaticamente a existência da estátua equestre,
asseverando ainda que “não consta, que em tempo algum,
houvesse mortal que chegasse àquele sítio, por ser
mesmo inacessível, assim como ainda hoje o é, e
só pássaros lá pode chegar.”
O famoso cientista José Agostinho (1888-1978), que conheci
em vida e com quem mantive correspondência, após
a sua missão arqueológica no Corvo no Verão
de 1945, declarou que “a estátua não foi feita
pela mão do homem; é um simples bloco de basalto
que tomou aquela forma por acidente.”
Estas e outras observações do saudoso Tenente-Coronel
José Agostinho foram publicadas na revista “Açoreana”,
(Volume IV, Angra 1946), onde somos ainda elucidados que os corvinos
“nunca viram nem ouviram falar de edificações
arruinadas.”
Tudo isto, e muito mais, encontra-se transcrito no precioso livro
“Os Açores” do saudoso Dr. Cortes Rodrigues
(1891-1971), e que se integra na série Antologia da Terra
Portuguesa. Tenho à disposição de Gavin Menzies
a cópia da segunda edição de 1976, uma vez
que ele teve ainda o desplante em declarar: “Depois duma
grande tempestade em 1870, ficou exposta no Corvo uma vila de
pedra.”
Acho por demais curiosa tal “descoberta, pois que não
está “referenciada”no manuscrito “Notas
do Corvo”, (agora em livro de recente publicação),
da autoria do Padre Lourenço Jorge (1882-1918),, natural
da ilha do Corvo.
Sobre este assunto, falei com o Padre Francisco Xavier, presentemente
a paroquiar na Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, na
cidade de San José da Califorlândia, e ele assegurou-me
de nunca ter ouvido falar e muito menos ter avistado a fabulosa
estátua implantada pelos chineses.
O seu testemunho é digno de fé, pois que ele foi
pároco no Corvo de Setembro de 2002 a Setembro de 2003!
Ó ondas do mar levai-me
Capitão, faz-me um favor:
Deita-me no cais do Corvo,
Nos braços do meu amor.
Adeus, Ilha do Corvo,
As costas te vou voltando:
A despedida está feita,
O regresso não sei quando.
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