Expressões e Curiosidades


Por: Ferreira Moreno

Ensinaram-me em criança que o nosso pai Adão ao ouvir a voz recriminatória de Javé, no paraíso terreal, engasgou-se quando mastigava a maçã que a mãe Eva lhe havia dado momentos antes. Embora não existia notícia alguma comprovando que a maçã ficou atravessada na garganta de Adão, o certo é que usamos a curiosa expressão “maçã-de-adão”p’ra designar aquela saliência da cartilagem tireóide, na parte anterior do pescoço dos homens.
Em inglês, dá-se-lhe o nome de “Adam’s apple.” No entanto, a típica menina-do-olho (pupila), corresponde vulgarmente ao nosso “ai-jesus”, aparece em inglês na expressão apple of the eye (maçã do olho). Aparentemente, todo o carinho reservado à nossa vista deve-se ao facto de que qualquer ferimento causado na retina ou na íris (pupila do olho) pode resultar em cegueira.
Considero bastante curioso que, na bíblia portuguesa, as várias referências feitas à pupila ou menina-do-olho encontram-se traduzidas por maçã (apple) na bíblia inglesa.
Por exemplo, no Livro do Deuteronómio (32:10) lê-se que Javé guardou o seu povo “como se fosse a menina dos seus olhos”, (Salmo 17:8). Nos provérbios (7:2) é Javé quem insiste: “Guarda a minha instrução como a pupila dos teus olhos.” No Livro de Zaxarias (2:12) lemos: “Assim diz Javé: Quem vos fere, fere a pupila dos meus olhos.”
Quer a maçã quer a macieira estão igualmente referenciadas nas páginas da Bíblia Sagrada. E assim temos no Cântico dos Cânticos (2:3) esta amostra: “Macieira entre as árvores do bosque, é a sua sombra quis sentar-me, com o seu fruto na boca.” Mais adiante (8:5) deparamos com outra amostra: “Eu te despertei debaixo da macieira, onde a tua mãe te concebeu e deu à luz.”
Ainda no Cântico dos Cânticos, o autor intercala esta súplica: “Dai-me forças com maçãs, que estou doente de amor” (2:5), acrescentando de seguida este elogio: “O sopro das tuas narinas perfuma como o aroma das maçãs” (7:9). E nos Provérbios (25:11) temos a advertência de que “a palavra dita na hora oportuna é a maçã de ouro em bandeja de prata.”
A expressão inglesa “To upset the apple-cart”, ou seja, revirar a carroça de maçãs, identifica-se perfeitamente com a expressão portuguesa em transtornar os planos de alguém. E o adágio inglês “An apple a day keeps the doctor away”, reduz-se simplesmente ao conselho português: “Comendo uma maçã por dia, evita-se ir ao médico.”
Na simbologia cristã, a maçã na mão de Adão representa o pecado, mas na mão de Cristo simboliza o fruto da salvação. Seguindo os trâmites da tradição, a Virgem Maria é considerada a nova Eva, e por isso, é igualmente representada com uma maçã na mão.
No entanto, incumbe-me esclarecer que não foi a maçã, nem tão pouco a macieira, a causa funesta da fulminante expulsão de Adão e Evado paraíso terreal. P’ra tanto e sem rodeios, bastará acentuar que o Génesis apenas faz referência ao fruto de uma espectacular, mas não especificada, “árvore do conhecimento do bem e do mal.”
Encerro esta ligeira série de “Expressões & Curiosidades” com uma colectânea de quadras do nosso cancioneiro:

A maçã da macieira,
Cai sempre a mais madura;
E c’má moça solteira,
Sempre cai a mais segura.

A maçã da macieira
Não quer ser apedrejada;
E c’má moça donzela
Que espera ver-se casada.

A maçã na macieira
E’c’má mãe c’o’a filha,
Que não é senhora dela
Senão ementes a cria.

A maçã na macieira,
Se lá está não apodrece;
Deixa estar a maçãzinha,
Logo vem quem na merece.

A maçã que escolhestes
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Não comi nem a dei:
Ainda a tenho guardada,
P’ra vera tua lei.

A maçã que escolheste
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outro mo daria.

Minha maçã vermelhinha,
Criada no ramo alto;
Inda sou rapaz novo,
Ao que prometo não falto.

A macieira bem podada
Sempre parece macieira:
A mulher que é bem-casada
Sempre parece solteira.

Fiz a cama na macieira,
A cabeceira em teu peito,
Se me perdes a amizade,
A ti perco-t’o respeito.

Quem quiser comer maçãs,
Vá ao pé da macieira,
Vá comendo, vá gostando,
Vá metendo n’algibeira.

Esta noite, por meu gosto,
Até passei a ribeira
P’ra te dar duas falinhas,
Meu galho de macieira.

Tenho uma maçã cheirosa
Ao canto do meu baú,
P ‘ra dar ao meu amor,
Oxalá que sejas tu!

A maçã é venenosa,
Se eu a comi vós ma destes;
Se eu amei a mais alguém
A culpa vós a tivestes.

Tanto limão, tanta lima,
Tanta maçã pelo chão;
Tanta menina bonita,
Nenhuma na minha mão!