Flores do Outono nas Ilhas


Por: Ferreira Moreno

Recentemente, no Clube dos Pescadores de New Bedford, teve lugar uma festa de homenagem a Manuel Calado, uma “presença”constante e popular na imprensa, rádio e televisão locais, desta vez perpetuada com apresentação do seu livro de poemas “Frutos da Minha Lavra.”
Foi-me totalmente impossível participar nestas festividades, promovidas por iniciativa de José Brites e da sua prolífica “Peregrinação Publications”, agora a celebrar dez anos de existência.
Aos continentais Manuel Calado e José Brites, a quem me sinto unido por sólidos e longos elos de Amizade, de permeio com a sua arreigada afeição pelas ilhas da minha origem, quero dedicar-lhes esta crónica saudosista, com um arrochado abraço de parabéns.
Conforme acentuou Carreiro da Costa na série “Tradições, Costumes & Turismo”de Outubro de 1968, é nesta quadra outonal que os Açores se revestem de novas manchas coloridas de flores. Durante Julho e Agosto predominou, entre outros, o azul das hortênsias, quais pedaços de céu e mar numa postura de recolhimento. Seguiu-se, em Setembro e Outubro, o amarelo das conterias, transformando as encostas em gigantescos altares de talha doirada.
Presentemente, surgem as belas-donas, abrindo-se como cálices cor-de-rosa. Despidas de folhas, razão pela qual recebem o sugestivo nome de “naked ladies”(mulheres nuas), as belas-donas constituem uma das notas mais expressivas do Outono açoriano. Tão suave e ao mesmo tempo tão nítido é o tom rosado das suas corolas, que as belas-donas parecem desdobrar-se em poentes de magia.
E uma serenidade, de beleza nostálgica, apodera-se de nós ao vê-las, que quer alinhadas pelas bermas das estradas, quer agrupadas em manchas compactas pelas colinas, ou ainda isoladas entre a vegetação das matas.
A bela-dona, que deriva do italiano “bella donna” (linda mulher), pertence à família das Amarilidáceas. É conhecida vulgarmente por amarilis, ou seja, do vocábulo latino “Amaryllis”que, na poesia clássica pastoril, era o nome tradicional dado a uma pastora, Em inglês, a nossa bela-dona tem a designação de “belladonna lily.”
Há quem erroneamente dá às belas-donas o apelido de “bordões-de-São-José.”A meu ver, desde criança nas ilhas, tal aplica-se ao “agapanthus”, igualmente conhecido em inglês por “African Lily” ou ainda “Lily of the Nile” (Lírio do Nilo), cuja flores são azuis e brancas. Curioso que o termo agapanthus deriva do grego “agape” (amor) e “anthos” (flor).
Outra flor tão própria do Outono açoriano é o chamado cravo-de-esperança, imprimindo uma nota ao mesmo tempo alegre e triste no todo da vegetação em volta. No dizer de Carreiro da Costa, o cravo-de-esperança não obedece às regras da simbologia das cores, pois não é verde nem claro nem escuro, mas sim de um vermelho forte, carmesinado e sanguíneo.
Ajuntam-se a estes, como pompons amarelos de vários tons, apreciados “cravos-de-Túnis”, mais conhecidos na gíria popular como “cravos-de-defuntos”, devido talvez ao seu uso em ramos e grinaldas, que se levam p’ró cemitério.
Fazendo-lhes companhia, temos os crisântemos a desabrochar quais novelos de lã de várias cores, evolando-se numa fragrância doce e apimentada, que mais aviva na lembrança a saudade de quem se ausentou p’ra sempre.
Embora florindo já em pleno verão, os hibiscos são flores que se abrem com abundância ao longo do Outono açoriano, despontando com pingos de lacre cor-de-rosa ou vermelho-cardeal.
Temos ainda as “cassias-floribundas”, popularmente conhecidas giesteiras, irrompendo em cachos doirados dum amarelo extraordinário.
O encanto outonal espalha-se por jardins e parques com os penachos rompendo em tufos brancos, penugentos e macios, mas exibindo uma atitude nobre e altiva. Há quem lhes chame “rabos-de-raposa”, mas o devido nome seria “penas prateadas”, visto derivar do latim “Cortadeira argentea.” Em inglês dá-se-lhe a designação de “pampas-grass.”
Com estas flores, e muitas outras, o Outono marca a sua presença nas ilhas e mosaicos de beleza nostálgica e repouso ameno!

Eu fui ao jardim das flores,
Apanhei dumas e doutras;
Encontrei o meu amor,
Destas fortunas há poucas.

Eu entrei no meu jardim,
Colho flores ao desdém;
A todos digo que morro,
Só a ti digo por quem.

Até as flores, querida,
Também se lhes muda a sorte:
Umas enfeitam a vida,
Outras enfeitam a morte.

O meu peito é um jardim,
Meu coração um canteiro;
Eu mesmo rego as flores,
Eu mesmo sou jardineiro.