Em Louvor das Fontes


Por: Ferreira Moreno

Neste meio século, já transcorrido, desde a minha saída das ilhas e subsequente vinda p’rá Califorlândia, entre o rol de imagens ainda hoje gravadas na minha imaginação, quero salientar agora a visão sugestiva das fontes, quer nas ruas da freguesia quer nos caminhos fora da freguesia. As fontes emprestavam um certo encanto às localidades, onde estavam situadas, não só p’la frescura das suas águas, mas também p’la animação que irradiavam com a presença de mulheres e raparigas, que lá iam encher as suas talhas e bilhas.
Claro que, presentemente, tudo isto se circunscreve a uma recordação do passado, visto que hoje em dia toda a gente tem água em casa. Foi o que notei na minha última passagem p’la Ribeira Grande, onde nasci, e onde existia uma fonte na Rua da Ponte Nova, perto da casa dos meus pais.
Confesso que, sob o aspecto estético, a fonte não era assim de grande valor, mas considerada sob o ponto de vista social e económico, essa fonte constituía realmente um elemento de reconhecido apreço.
Revendo narrativas de cronistas e achegas de historiadores, somos informados que, aparentemente, as fontes só apareceram nas ilhas à roda do século XVI. Até a esse tempo, as populações serviam-se de poços com água salobra, particularmente nos povoados do interior carecendo de água potável, por se encontrarem algo desviados das nascentes e ribeiras.
Quando, finalmente, se procedeu à canalização das águas, o processo era por demais rudimentar com o emprego da madeira, ou seja, serviam-se dum pau em forma de calha, dispondo-o de maneira a facilitar o curso da água pela calha. Evidentemente que, por vezes, o pau apodrecia ou a calha ficava entupida. E era “um trabalho do corisco” dar-lhe o devido conserto!
A este respeito estou a recordar-me dum incidente, ocorrido no ano de 1650 em Vila Franca do Campo, e transcrito no primeiro volume de “A Vida de Nossos Avós”do saudoso Dr. Urbano de Mendonça Dias.
Aconteceu que o povo entrou a reclamar a falta de água, quando se verificou que tal era devido “a falta dum pau de que se fizesse uma calha, visto que o que lá estava, por onde a dita água vinha, encontrava-se muito podre e não servia.”
A queixa foi apresentada aos dois juízes ordinários que, por sua vez, chamaram o vereador Francisco de Freitas da Costa, morador na Vila, que respondeu pelo porteiro alegando estar manco duma perna, mas mesmo assim “se pudesse vir, viria, ainda que viesse manquejando, e que daria ordem ao pau.”
Entrementes, os juízes mandaram recado ao Procurador do Concelho, “que não compareceu por estar doente de cama”, e bem assim um outro vereador que, igualmente, não compareceu por estar doente e morar na Achadinha.
Ao fim e ao cabo, p’ra satisfazer as exigências do povo e remediar a situação, os juízes optaram em arranjar o pau, substituindo o que estava podre, e a água começou a correr sem percalços ou azedumes!
Um outro incidente, igualmente pitoresco e narrado pelo Dr. Urbano, teve lugar no século passado durante a festiva inauguração duma fonte. No momento em que o Presidente da Câmara estava a “botar discurso”, a água entrou a molhar-lhes os botins e as meias. Com receio de “apanhar uma constipação”, o orador deliberou fechar a fonte, provocando uma algazarra geral.

Fui à fonte beber água,
Sant’António me chamou;
Quando os santos têm amores,
Que fará quem já pecou!

Fui à fonte beber água,
Achei um ramo de flores;
Quem o perdeu tinha sede,
Quem o achou tinha amores.

Fui à fonte beber água,
Bebi, tornei a beber;
Estava lá o meu amor,
Regalei-me de o ver.

Fui à fonte beber água,
Bebi por baixo da murta;
Fui p’ra ver teus lindos olhos,
Qu’a sede não era nada!

Fui à fonte beber água,
Debaixo duma rachada;
Foi p’ra ver o meu amor,
Que a sede não era nada!

Fui à fonte das três bicas,
Dei a mão à liberdade;
Estava vária do sentido
Quando t’eu fiz a vontade!

Menina, vai à fonte
Com duas bilhas na mão,
Pode dar-me de beber
E refrescar-me o coração.

Minha mãe mandou-me à fonte
P’la hora do calor;
Eu quebrei a cantarinha
A dar água ao meu amor.

As quatro esquinas da fonte
Já se não chamam esquinas;
De confessar as meninas.