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Por: Ferreira Moreno
Augusto Gomes (1921 – 2003), terceirense
de saudosa memória, no seu livro dedicado à Cozinha
Tradicional da Ilha de São Miguel, escreveu:
“Há quem opine terem sido os Árabes os introdutores
do açúcar em Portugal. Outra versão mais
consistente, ao D. Henrique a introdução desta cultura.
Já em 1404, no reinado de D. João I, referência
é feita a um certo marcador genovês de nome Mice
João de Palma, “nosso servidor das nossas canas de
açúcar no Algarve.”
Gaspar Frutoso, no Livro II das Saudades da Terra, menciona um
fidalgo genoês de nome Mice João, casado com Trista
Teixeira, filha de Tristão Teixeira, primeiro capitão
de Machico, pai de quatro filhos e oito filhas.
Em boa fé, Augusto Gomes pressupõe ter sido esse
João da Palma “um dos primeiros mestres das primitivas
e rudimentares prensas ou engenhos de açúcar”,
que se construíram na ilha da Madeira. Frutoso não
se pronunciou a este respeito, limitando-se apenas a enumerar
a vasta lista dos engenhos dispersos pela ilha, a par da quantidade
das canas de açúcar, acrescentando ainda ter sido
na vila de Machico onde o primeiro se plantou e se vendeu açúcar
“no total de treze arrobas.”
Eduardo Pereira, no primeiro volume de “Ilhas de Zargo”editado
em 1939, escreveu: “A cana sacarina é uma cultura
coeva dos primeiros trabalhos da colonização, tendo
sido introduzidas na Ilha em 1425 as primeiras estacas importadas
da Sicília por ordem do infante D. Henrique. Da Madeira
propagou-se esta planta às ilhas Canárias, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Brasil.”
Frutoso já havia fornecido a informação de
ser o infante D. Henrique o responsável pelo envio de canas
da Sicília “para povoarem na ilha.” Até
aqui tudo bem, excepto que não encontrei a mínima
evidência confirmando o envio de “pessoal especializado
no seu cultivo e técnica transformadora.”
Perdoem-me a minha ousadia, mas atrevo-me a ferir sensibilidades
patrióticas, mas o próprio Frutoso, ainda que ligeiramente,
menciona este facto. Trata-se do genovês João Esmeraldo
que, na sua fazenda da Lombada, arrecadava anualmente vinte mil
arrobas de açúcar, “e tinha como oitenta almas
suas cativas entre mouros, mulatos e mulatas, negros, negras e
canários.”
Evidentemente que os “canários”, acima referidos,
eram escravos importados das vizinhas ilhas Canárias. Se
não me acreditam, aconselho a leitura do Livro II das Saudades...
P’ra desfazer as dúvidas dos mais endurecidos, tenho
aqui à mão o livro Caribbean Slavery in Altantic
World, editado por Verene. A Shepherd e Hilary McD. Bckles no
ano de 2000. O livro, dividido em 17 secções, contém
81 capítulos assinados por outros tantos autores, ao longo
de 1.120 páginas.
O capítulo quarto é inteiramente dedicado à
Madeira, plantação de cana-de-açúcar
e escravatura. O autor, Sidney M. Greenfield, realizou o seu trabalho
de investigaçÃo na ilha da Madeira, e é deveras
fenomenal a bibliografia portuguesa (incluindo as Saudades do
nosso Frutoso) a que o autor teve acesso.
Greenfield esteve igualmente em Portugal numa comissão
financiada pela National Science Foundation e pela Graduate School
da Universidade de Wisconsin-Milwaukee. E mais não adianto
p’ra evitar melindres de cepa torta.
Passemos agora às “Ihas de Zargo.” Diz-nos
Eduardo Pereira que, nos tempos primitivos, as canas-de-açúcar
eram espremidas em alçapremas ou engenhos muito rudimentares,
sendo os cilindros destes engenhos construídos algumas
vezes de grossos troncos de til, que nos Açores (salvo
erro) é designado por louro-de-cheiro. Data de 1452 a construção
do primeiro engenho de açúcar que laborou na Madeira,
próximo de Machico.
E a corroborar (por inteiro) a minha atrevida inferência,
Eduardo Pereira acrescenta: “Os nossos mestres de açúcar
foram os mouros e os escravos canários, gozando estes de
privilégio de residência na Madeira de 1505, quando
D. Manuel I proibiu a permanência de estrangeiros.”
O objectivo e finalidade desta proibição estão
suficientemente patentes nas próprias palavras do monarca,
“para que os estrangeiros não fossem ensinar para
fora da ilha o seu mister”, ou seja, o trabalho e conhecimentos
dos escravos me produzir açúcar.
Da cana sacarina extrai-se outro produto, que é o mel de
cana. Está indústria, nas palavras de Eduardo Pereira,
foi introduzida na Madeira pelos mouros, “que se distinguiam
entre os escravos doutras raças pela sua perícia
no cozimento de mel e em mais alguns misteres,” Este mel
de cana é usado como alimento e como auxiliar de confeitaria.
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