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Por Ilda Januário
Lídia Fontes Ribeiro
O congresso do 2o aniversário de Adiaspora.com
teve lugar a 18 e 19 de Janeiro. Com um programa de excelente
qualidade - que só pecou pelo excesso das comunicações
e exibições de qualidade - trouxe até Toronto
conferencistas e artistas de vários pontos do Canadá,
dos Estados Unidos e de Portugal. De Montreal estiveram presentes
o leitor de português da Universidade de Montreal, o simpático
Luís Aguilar que deu uma excelente comunicação
sobre a situação e o futuro da língua portuguesa,
e Lídia Fontes Ribeiro, uma nova ceramista que entrevistei.
Ainda bem, porque não houve espaço nem no congresso,
nem nos nossos meios de comunicação para dar a conhecer
o trabalho e o trajecto de Lídia.
Lídia nasceu no Faial e veio para o Canadá em criança
em 1959. A mais nova de três filhas, frequentou o ensino
em francês, sendo Mestre em Sociologia. De espírito
artístico e dotada para línguas (é poliglota)
Lídia descobriu em si uma tendência muito forte para
a dança, o flamenco, e para a arte visual - foto e vídeo
- tendo seguido cursos nestas formas de arte que nunca conseguiu
prosseguir profissionalmente nem integrar no seu trabalho regular.
É, desde alguns anos, funcionária pública,
usando como meio de trabalho o computador, "o que mata a
alma". Eis senão quando descobriu, ainda não
há três anos, um talento que desconhecia que tinha
- a pintura do azulejo.
É evidente que esta descoberta não surgiu do nada.
Lídia, ama em partes iguais, mas por razões diferentes,
Portugal e Espanha, exprimindo-se perfeitamente tanto em português
como em espanhol. No seu coração açórico-quebequense
cabe a península ibérica inteira. É essa
a beleza de se ser imigrante: o distanciamento, a nostalgia e
o cosmopolitismo corroem tudo o que seja fronteira
O azulejo
também, sendo uma arte milenária e migratória
que herdámos dos mouros na Península Ibérica
e que atingiu idade de ouro, em Portugal, no século XVIII.
Segundo Lídia, tudo começou quando o padre José
Maria Cardoso da Missão de Sta. Cruz de Montreal, entrou
em contacto com o escultor e ceramista Nelson Figueiredo e o convidou
para vir a Montreal dar um curso de pintura do azulejo. No primeiro
ano foram cerca de 100 estudantes! No segundo seriam umas 70 ou
80 pessoas. Cerca de 150 ou 160 inscrições, nem
todas de luso-canadianos. Cada curso teve uma duração
média de 30 horas. Dentro da comunidade, os que se conhecem
e já fizeram exposições juntos são
pouco mais de uma dúzia. Alguns deles, como Lídia,
já começaram a receber encomendas de trabalhos.
Os pigmentos naturais são comprados em pó e misturam-se
com água. Os azulejos, que também vêm de Portugal,
são pintados em majólica, uma técnica que
permite pintar sem as cores se misturarem. O artista faz o traçado
com grafite, a partir de um picotado em papel vegetal, com uma
agulha, "como um bordado"; em seguida passa-se o pincel
no traçado e aplicam-se os tons. A destreza e agilidade
manuais adquirem-se. A prática leva ao aperfeiçoamento,
como em tudo.
Depois de pintados, os azulejos vão a
cozer num dos centros de cerâmica de Montreal. Há
também a descoberta dum traçado que se inicia e
que evolve de maneira inesperada; de cores que não se revelam
plenamente até o azulejo estar cozido. E o azul? No começo
havia muito policromia no azulejo português; a predominância
do azul resultou da influência chinesa e holandesa. Lídia
adora o amarelo do sol que alia ao azul em vários dos seus
painéis.
Nas exposições públicas que fez com alguns
companheiros de curso, uma delas na McGill, estação
de metropolitano de Montreal, Lídia notou que o azulejo
pode ser uma ponte entre as comunidades étnicas. Todas
se pareciam relacionar com ele. Pode-se vir de qualquer país
e reproduzir, usando a pintura no azulejo, o que é importante
para cada um, da sua cultura e do seu imaginário afectivo
e estético, não tendo que limitar-se aos motivos
portugueses. Cada um faz o que quer.
Lídia quer voltar aos Açores para observar com
cuidado a herança do azulejo nas ilhas; talvez envolver-se
nalgum projecto lá
Ela inspira-se muito de livros
sobre o azulejo português, dos painéis dos séculos
XVI, XVII e XVIII. Ultimamente começou a dar largas aos
temas de Espanha, incluindo o belíssimo trabalho "Cante
Hondo" que trouxe para A Diáspora inspirado na obra
do pintor Júlio Romero de Torres (1874-1930). Ainda está
a descobrir a arte e a si própria através do azulejo,
a sua interioridade. São momentos solitários de
reflexão em que revive as viagens que fez, como imigrante,
a Lisboa e ao Porto. Ficava maravilhada com os azulejos, nunca
se julgando capaz de fazer tal coisa: "Afinal aprendemos
uma técnica e com a prática chegamos a fazer aquilo;
a luminosidade que irradia o azulejo, uma certa naïveté
das coisas do quotidiano que fica gravado, que é uma parte
de ti própria, porque ninguém vê as coisas
da mesma maneira, nem pinta com a mesma sensibilidade. Pode-se
inventar, fazer arranjos pessoais, como colagens. Estamos sempre
à procura de nos próprios, o azulejo vai-me ajudar
a realizar o meu amor pela arte e cultura ibéricas, a ir
buscar a infância e as culturas que aprendi no Quebeque.
É um meio maravilhoso de divulgar a cultura portuguesa
e uma catarse pessoal que renova a energia."
Haverá algum aspecto negativo da arte do azulejo? Sim,
Lídia tem notado ultimamente que o pó se entranha
nas vias respiratórias o que, com o tempo, poderá
a vir causar-lhe problemas. Vai ter que obrigar-se a usar máscara
em certas fases da obra. E depois é o trabalho de carregar
com obras simultaneamente pesadas e frágeis cada vez que
se desloca, em que o perigo de se partir algum painel no caminho
e na montagem é constante.
Em busca de si própria em terras da diáspora, foi,
quarenta anos mais tarde que, em simples quadrados vidrados, se
lhe espelha a alma e lhe vai cozendo, no forno da interioridade,
a certeza de ser Lídia, já tão longe e ainda
tão perto das suas origens.
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