|
Por Ferreira Moreno
Dando crédito à tradição,
já referida por Gaspar Frutuoso (1522-91) no livro
VI das " Saudades da Terra", a ilha do Corvo nos Açores
foi assim chamada " por uma ave negra que nela acharam ao
tempo do seu descobrimento", mas o que é mais provável,
na opinião de Ferreira Drumond ( 1796-1858), " parece
é que este nome se lhe deu de sua cor que imita o mais
negro corvo." ( Suplemento aos Anais da Terceira).
Sabemos, no entanto, que muito antes do respectivo
descobrimento, por razões que neste momento desconheço,
a ilha do Corvo (raven ou crow, em inglês) teria
igualmente o nome de Corvo Marinho (cormorant, em inglês).
Não está adentro do meu alcance inventivo apontar
que espécie de pássaro ou ave existe ou existiu
na ilha, excepto que o corvo marinho é um palmípede
com os dedos dos pés unidos por uma membrana. Aliás
notam-se outras diferenças que no caso presente, não
interessam à correnteza desta crónica.
Entretanto, acorrem-se à mente certas curiosidades dignas
de registo. Por exemplo, o famoso poema "The Raven"
do macabro novelista norte-americano Edgar Allan Poe
(1809-1849), natural de Bóston, Massachesetts, e que serviu
de tema p'ra três produções cinematográficas,
respectivamente, em 1915, 1935 e 1963.
Mais ainda, em séculos passados, houve nos Estados Unidos
uma tribo nómada de índios alcunhados " Crows",
que se distinguiram como guerreiros e caçadores, bem como
afiliados às tropas americanas. Ignoro, porém, o
motivo da alcunha " Corvos", mas (que eu saiba) nunca
receberam o nome de " Corvinos."
Na Califorlãndia temos mais de vinte
localidades com o apelido CROW, a maioria das quais, incluindo
Crows Nest (ninho de corvos) no Condado de San Luís Obispo.
Certamente deriva do pássaro Corvus brachyrhynchos,
enquanto outras advém de indivíduos com o sobrenome
Crow, ou bem assim da abreviatura " Jim Crow", aplicada
indistintamente (em outros tempos) a qualquer Africano-Americano.
Além do Crow Creek, no Condado de Shasta, assim denominado
em memória do mineiro Isaac Crow, temos Crowns Landing,
no Condado de Stanislaus, perpetuando o nome de Walter Crow e
filhos, que fixaram residência nesta área depois
de 1849, ou então John Bradford Crow, natural de Kentucky,
que aqui se estabeleceu após ter adquirido quatro mil alqueiros
de terra ao longo do Rio San Joaquin em 1867.
Foi este o testemunho que encontrei no livro" Califórnia
Place Names" de Erwin Gudde.
Por seu turno, em " Signposts & Settlers", Robert
Alotta acrescenta a possibilidade do nome Crows Landing (desembarque
dos corvos) ter sido afixado por ali ter ocorrido uma matança
de corvos!
Agora de regresso aos Açores, e novamente com Gaspar
Frutuoso, somos informados que a ilha do Corvo, em eras distantes,
foi também chamada a ilha do Marco por antigos mareantes,
" porque com ela (por ter uma serra alta) se demarcam, quando
vêm demandar qualquer das outras."
Aspectos da Ponta do Marco, na parte noroeste
da costa.
Conforme a narrativa de Frutuoso, foi no cume
desta serra, da parte do noroeste, ou no poio desta rocha, que
se achou a estátua de pedra posta sobre uma lagem, (figura
de cavaleiro esculpida em rocha viva), que era em cima de um cavalo
em osso um homem vestido com um bedém (capa) , sem barrete
( cabeça descoberta), com uma mão na coma do cavalo,
( montado a cavalo em pêlo, tendo na mão esquerda
a crina), e o braço direito estendido com os dedos da mão
encolhidos (mão cerrada), salvo o dedo índex ( à
excepção do dedo índice), com que apontava
contra o poente ( apontando ao nordeste).
Mais recentemente, em As Ilhas do Ocidente
(1979), Guido de Monterey conta-nos que el-rei D. Manuel (1495-1521),
ao ter conhecimento da existência da estátua do Cavaleiro,
mandou que a retirassem e lha trouxessem mesmo que fosse em pedaços.
Obviamente o " Venturoso" monarca não pensou
que tal fosse o resultado duma formação rochosa
natural, mas possivelmente o produto dum monumento feito pelo
homem, aumentando assim o interesse em examinar a " estátua"
a fim de aquilatar a verdadeira época da descoberta da
ilha.
Aparentemente o engano acabou por ser desfeito, mas ferreira
Drumond volta à carga mantendo que o constante boato desta
maravilhosa estátua " rompeu na Corte de Lisboa com
grande força" no reinado de D. Maria I ( 1777-1816),
obrigando o governo a desenganar-se do que se dizia, ao tempo
do Príncipe Regente ( o futuro D. João VI), que
em Agosto de 1800 havia ordenado o Ministro D. Rodrigo de Sousa
Coutinho a expedir um aviso ao Conde de Almada ( D. Lourenço
José Maria de Almada Cirne Peixoto, governador e capitão-general
dos Açores, 1799-1804) p'ra encetar nova investigação.
Mas nada de positivo resultou, ou por não existir o facto
revestido das circunstâncias que se desejavam, ou porque
a investigação não foi capaz de ver a luz
plena. Ao fim e ao cabo, assentou o governo reservá-la
em oculto, ficando tudo no mesmo estado de segredo em que se conservava
até ali.
Assim, em razão desta misteriosa figura apontando p'ra
outras terras lendárias, surgiu o pretexto p'ra chamar
ao Corvo a ilha do Marco, a cujo respeito o Padre José
António Camões ( 1777-1827), natural das Flores,
no seu " Relatório das coisas mais notáveis
que haviam nas ilhas das Flores e Corvo", escreveu o seguinte:
" Nunca houve nela (ilha do Corvo) estátua equestre
de bronze; o que sim houve, e se sabe por tradição
verídica, que sobre uma formidável rocha meia légua
de altura, situada ao noroeste da ilha, antigamente se divisava
um perfeito homem, a cavalo, com um braço estendido, e
como apontando p'ra parte do meio dia; mas não consta,
que em tempo algum, houvesse mortal que chegasse aquele sítio,
por ser mesmo inacessível, assim como ainda hoje o é,
e a observação daquela maravilhosa estátua
de pedra provavelmente a fizeram por óculos, ou pessoas
de visita muito aguda.
Como por naquele sítio tem quebrado a rocha muitas vezes,
e foi por consequência faltando a terra, ficaram descobertos
muitos altos e escarpados rochedos, que ao longe têm semelhanças
e figura de homens, e com efeito enganam à primeira vista.
Mas só pássaros lá podem chegar, e esta confusão
de objectos novos fez perder absolutamente a vista do tal cavaleiro
de pedra, ou talvez se desfez com as rochas que quebraram. Conserva
só o nome de Pedra do Marco, que se julga será a
que dão o nome de Ponta Branca."
E já termino relatando um episódio
ocorrido entre Guido de Monterey e um corvino...
Atento à abundância de chuvas nos Açores,
o visitante perguntou a um habitante do Corvo se por ali havia
muitas chuvas, ao que o homem respondeu com a maior seriedade
e compostura: " Há muitos dias em que chove e outros
em que não chove. Sabe, a ilha é tão pequena
que, por vezes, a chuva não lhe acerta."
|