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Por: Ferreira Moreno
O Ilhéu de Vila Franca do Campo, na ilha
de S. Miguel dos Açores, com uma superfície avaliada
em 61.640 metros quadrados, apresentando no meio uma bacia circular
de 150 metros de diâmetro, deve a sua origem a uma erupção
vulcânica. Numa lancha a motor perfaz-se em poucos minutos
a travessia dos 1.200 metros entre o Cais da Vila e o Boquete
(passagem ou entrada) do Ilhéu.
Na minha mais recente visita a S. Miguel, que incluiu um passeio
ao Ilhéu, apercebi-me da celeuma gerada à volta
dum projecto delineando a construção dum cais no
exterior do ilhéu, oficialmente decretado Reserva Natural
desde 1983.
Já de regresso à Califorlândia, reli o livrinho
“O Cicerone de Vila Franca” do saudoso Professor Teotónio
Machado d’Andrade (1915-1986), e verifiquei que o Ilhéu
(em outros tempos) havia sido destinado p’ra “acolher”
uma doca. Lembrei-me, então, das palavras Nihil novi sub
sole, (não há nada novo debaixo do sol), estampadas
no décimo versículo do primeiro capítulo
do Livro do Eclesiastes.
Seguidamente recorri à obra “Penhascos Dourados –
O Ilhéu da Vila”, que o nosso veterano e abalizado
investigador Manuel Ferreira publicou em 1989, tratando precisamente
de toda a documentação que, através dos séculos,
descreve os episódios relacionados com a construção
dum porto de abrigo no Ilhéu de Vila Franca.
Assim, logo após a catástrofe de 1522, que destruiu
por completo Vila Franca, estimulando a sua reconstrução
e reconhecendo a necessidade dum porto adequado, D. João
III (1521-1557) mandou examinar as condições da
operacionalidade do Ilhéu. Foi-lhe apresentado um plano,
acertando que a caldeira (baía) do Ilhéu podia recolher
30 navios, rebaixando e alargando o boquete, e tapando as fendas
que o circundam.
O plano, aparentemente, ficou diluído em águas de
bacalhau. Porém, em 1654, surge alento quando D. João
IV (1640-1656) ordena um estudo da possível construção
do molhe na citada caldeira. Mas o rei-restaurador acabou por
entregar a alma ao Criador e o Ilhéu apenas ficou a ver
navios. D. Pedro II, em 1691, volta a ordenar o estudo do Ilhéu.
Novamente, muita parra e pouca uva. Em 1766, no reinado de D.
José, o caso volta a ser encarado... mas nada feito.
Entretanto, como epidemia de sarampo, a febre dos relatórios
e das missões d’estudo prossegue, em caldos requentados,
sem vislumbres de quaisquer soluções concretas.
Nos anos 1830, com o aparecimento em cena de João António
Garcia de Abranches, renovaram-se as esperanças da construção
duma doca no Ilhéu. Foi ele quem mais batalhou, com persistência
e coragem, p’rá realização do projecto.
D. Maria II (1834-1853) não só aprovou os “Estatutos
da Companhia do Porto de Abrigo Marítimo no Ilhéu
de Vila Franca do Campo”, mas também ofereceu um
padrão (com a inscrição do seu nome) p’ra
ser levantado no Ilhéu, e mais ainda encomendou uma rica
imagem de Nossa Senhora da Glória destinada à futura
ermida a ser erguida no Ilhéu.
Infelizmente, foram aniquilados os esforços de Garcia de
Abranches que, desapontado e amargurado, aviou as malas em 1841
rumo ao Brasil, onde faleceu três anos depois.
João António Garcia de Abranches presumivelmente
nasceu em Portugal continental, tendo emigrado p’ró
Brasil, donde mais tarde seria deportado p’ra Lisboa, seguindo
depois p’rós Açores. É autor de várias
publicações, destacando-se entre elas “Memória
concernente à construção da doca do Ilhéu
de Vila Franca no Campo na Ilha de S. Miguel”e “História
do Ilhéu de Vila Franca na Ilha de S. Miguel”, (1834
e 1841 respectivamente).
P ‘ra quem estiver deveras interessado em familiarizar-se
com todos os pormenores relativos à criação
duma doca ou porto de abrigo, molhe ou cais, recomendo a leitura
das páginas 379-404 do Volume VI do Arquivo dos Açores,
ao título “Ilheo de Villa Franca do Campo.”
Afianço que o tempo será bem empregado e a paciência
plenamente recompensada!
E já termino, recordando que em 1861 era solenemente lançada
a primeira pedra do porto artificial de Ponta Delgada, mas só
no ano seguinte é que tiveram início as obras do
arranjamento do respectivo quebra-mar.
São da autoria do Prof. Teotónio Machado d’Andrade
as quadras que se seguem:
Não há terra como esta,
Tem condão especial,
Não fosse ela desta ilha
A primeira capital.
Esta Vila tem encanto,
Esta Vila tem magia,
Quem chega cá de visita,
Fica cheio de alegria.
A talhinha regional
Passa por serras e montes,
É ela a louça ideal
P’ra beber água das fontes.
Tantos Manéis e Marias,
Quem será que mais desbanca,
P’ra festas e romarias
Não há como Vila Franca.
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