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Por Ferreira Moreno
Quando esta crónica foi publicada, lá
p’rá fins de Setembro, as primeiras poalhas doiradas
do Outono já estarão a voltejar em terras dos Açores,
imprimindo a essas paragens atlânticas novas tonalidades
emoldurando panoramas de extraordinária suavidade, com
os terrenos acariciados por um sol brando, com os céus
forrados dum azul cristalino, e com o mar espraiando a serenidade
dum cenobita em meditação.
É neste renascer de vida e cor que o Outono empresta mais
encantos às nossas ilhas, tornando-lhes os campos mais
verdes e os ares mais temperados. Por ser um período diferente,
há mesmo quem diga ser o Outono a mais bela estação
do ano nos Açores.
Visto que embarquei p’rá Califorlândia em 1955,
confesso que as memórias do Outono nas ilhas repousam algo
esbatidas na poeira de cinquenta anos de ausência. No entanto,
não se hão dissipado de todo as impressões
guardadas ainda na minha imaginação. E foi a Saudade
que agora as fez reviver ao reler um artigo-palestra de Carreiro
da Costa que, “Ao Veio do Tempo”, deixou dito e escrito
em 1967:
“Período diferente, na verdade. Diferente do Inverno
cheio de névoas e de ventanias.
Diferente da Primavera revestida de flores. Diferente do Verão
soalheiro e quente. Período diferente, mas no fundo com
traços comuns demais. Por um lado, a paisagem açoriana,
embora outro modo colorida, permanece a mesma, suave e repousante.
Por outro lado, os trabalhos do homem, conquanto traduzidos em
sentidos diversos, concorrem por igual para o mesmo fim.”
Novamente e aos poucos, reavivaram-se na minha fantasia aqueles
Outonos de outrora, Outonos calmos repousantes, de madrugadas
douradas e de entardecerem avermelhados.
Avolumaram-se na mente tantos outros Outonos de tons suaves diluindo-se
na transparência de horizontes de paz e vivência tranquila.
Carreiro da Costa fez referência, igualmente, às
lidas próprias do Verão, tais como as malhas, as
ceifas e as debulhas, a que mais tarde viriam juntar as apanhas
do milho e das uvas. De tudo isto bem me lembro, pois que sempre
participei nestas lidas que, presentemente, o progresso mecânico
há varrido dos moldes antigos e tradicionais de há
meio século.
A casa onde nasci, na Rua Ponte Nova, tinha um grande quintal.
Era lá que se malhavam os feijões e as favas, as
ervilhas e os tremoços, entre o tinir das vagens secas
e o batuque cadenciado dos magoais. Seguindo-se o esfolhar dos
grãos.
Ao malhar da fava
Ao malhar do feijão,
Ninguém aqui malha
Sem vir garrafão!
As malhas da nossa terra
São alegres, divertidas;
Cantam os rapazes alegres
Aos bailados das raparigas.
No tempo das ceifas era um gosto ver os ceifeiros
tosquiando as cabeleiras louras das searas onduladas. E que belo
espectáculo era esse das debulhas, enchendo as eiras de
palhas e praganas, mais os balcões e adros de capachos
e esteiras tostando ao sol os grãos de trigo novo!
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