Compensação para os Índios


Por: Dr. Tomás Ferreira


É possível que o leitor ou leitora, não se interessem muito com coisas que dizem respeito aos índios, mas a não ser que esteja a ler este artigo fora do Canadá ou a viajar num avião, é quase certo que está neste momento em cima de uma terra que pertenceu aqueles que hoje em tempos de linguagem mais correcta e justa, se chamam os nativos ou membros das “First Nations” (primeiras nações ou nações originais dos país). Deve dizer em abono da verdade que esta terra em que o leitor e eu estamos, não foi com raras excepções, obtida exterminando os índios ou com uma invasão militar, como sucedeu noutras partes do continente americano, ou por esse mundo, seja na África ou na Ásia. Este território em que nós estamos, foi realmente quase todo ele comprado aos índios, embora provavelmente tenham sido aldrabados ou em certa maneira forçados a fazer um negócio que os prejudicava. Isto, apesar de tudo, é muito diferente do que se passou noutras partes do continente americano, como é o caso do extermínio dos Incas e Azetecas dizimados pelos espanhóis, civilizações que por sinal estavam em certa medida mais desenvolvidas que as europeias a quem faltava apenas o poder que o uso da pólvora e portanto as armas de fogo, lhes dava. A propósito a pólvora não foi inventada pelos europeus mas pelos chineses e trazida para a Europa possivelmente pelos árabes e mercadores das cidades que hoje constituem a Itália. Uma vez que nós luso-canadianos vivemos neste país que foi uma nação índia e muito de nós até possuímos uma casa ou outra propriedade neste território, que pertenceu aos índios, temos de certa maneira responsabilidade no que se passa com os povos originais desta nação. Embora nós não tenhamos aldrabado os índios, e quase destruído a sua cultura, somos à semelhança daquele que compra uma mercadoria roubada, culpados pelo que aconteceu.

Claro que não estou a sugerir ao leitor que vá à procura dum índio que seja descendente daqueles que eram os donos do terreno onde está a sua casa, e lhe ofereça dinheiro, mas que a próxima vez que veja um nativo, que pense que os seus antepassados eram os donos deste país em que vivemos, o Canadá. Aliás mesmo que o índio esteja alcoolizado e mal vestido – os que andam limpos e bem vestidos como representante do chefe do Estado no Ontário, o diplomata James Bartleman não dão nas vistas – deverá pensar que a situação trágica em que estão muitos povos nativos foi causada pela chegada dos colonos franceses e ingleses no século XVII, ajudados mais tarde, por todos nós que ocupamos esta terra. A propósito é moralmente errado, defender a ocupação de outras terras e opressão de outras gentes com o pretexto que se lhes vai “levar a civilização.” Cada povo tem o direito de decidir o seu destino e se por exemplo, os Papuas da nova Guiné ou os poucos índios que restam no Brasil, que estão ainda na idade da pedra, não quiserem que façam buracos na sua terra para tirar petróleo e poluírem o ambiente, estão perfeitamente no seu direito de recusar. Diga-se de passagem que alguns dos tais povos “atrasados” a quem os europeus foram levar a civilização ocidental, como é o caso dos Chineses, Incas, Azetecas, Indianos ou Japoneses estavam tanto mais desenvolvidos do que aqueles que os iam civilizar.
Também é preciso não esquecer, infelizmente os seres humanos são todos iguais, que nem todos os invasores que construíram impérios escravizando os outros povos e tirando-lhes as suas riquezas eram europeus. Gengis Kham o imperador mongol que invadiu parte da China, Afeganistão, Índia, o Cáucaso chegando até a Europa e os impérios Khemer, Manchu, Mugnal, e tantos outros conquistaram enormes áreas da Ásia oprimindo muitos povos e roubando-os das suas riquezas e liberdade.
Também em África existiram impérios como Bukina, Fasso e Zimbábue e na América do Sul Incas e Azetecas, conquistaram os povos vizinhos. Até no Canadá, quando franceses e ingleses começaram a colonização no Século XVII, verificaram que as diversas tribos índias andaram todas em guerra umas contras as outras.
Uma ideia nefasta

Algumas das ideias mais desumanas e perigosas de aquilo a quem em inglês se chama “Social engeneering”, que se poderá traduzir como modificar ou tentar melhorar a maneira e formas como um grupo de pessoas vivem, começam aparentemente como boas intenções. Assim há mais de cem anos que sucessivos governos do Canadá, tendo verificado que os índios nesse tempo discriminados e marginalizados, não se integravam na sociedade, decidiram fazê-los canadianos à força. Claro que o que muitos queriam eram transformar os índios em cidadãos de segunda, que trabalhassem e não dessem dores de cabeça, porém muitos deles, possivelmente estavam convencidos que iriam solucionar os problemas que existiam com os povos nativos e até teriam boas intenções.
Nesta medida, entre aproximadamente 1870 e 1970, milhares de crianças índias foram tiradas à força ao seus pais, transportadas às vezes para centenas de quilómetros de distância para colégios internos aonde os faziam cristãos à força, ensinavam inglês e os proibiam de fala a sua língua nativa. Administrados por várias igrejas cristãs, nomeadamente anglicanas, presbiterana, católica e “Unitária do Canadá, estas escolas pretendiam transformar cada menino índio num “canadian”e fazer desaparecer todo os vestígios das suas raízes culturais. Imagine o leitor que quando éramos crianças os chineses entravam em Portugal tomavam todas as nossas terras e nos separavam dos nossos pais enviando-nos para uma escola longe da nossa casa, onde éramos obrigados a falar chinês e proibidos de falar a nossa língua. Nos anos sessenta do século passado lentamente muita gente no Canadá começou a chegar à conclusão que estes colégios internos, as chamadas “Indian Residential Schools”, eram uma forma bárbara e desumana de destruir a cultura dum povo, que afinal tinha sido o dono deste território em que vivemos. Desta maneira, à medida que nascia e se desenvolvia o multiculturalismo, que promove a preservação das culturas dos diversos grupos étnicos deste país, as famigeradas “Indian residential schools”, desapareceram, embora os efeitos nocivos para a cultura das nações nativas deste país ainda se irá sentir durante muitos anos. Baseados no conceito racista que os índios eram inferiores e teriam de ser feitos canadianos à força e muitas vezes com falta de fundos e pessoal especializado, as escolas algumas delas albergando professores, violentos e cruéis e com problemas sexuais especialmente pedofilia, tornaram-se em campos de concentração para a juventude índia que viria a sofrer as consequências do abuso e maus tratos, para o resto da sua vida. Embora as causas para a existência de sérios problemas sociais entre os índios, como alcoolismo, tóxico-dependência, violência familiar, criminalidade e desemprego, sejam muito complexas, não há dúvida que as causas dos problemas que hoje existem na comunidade índia do Canadá.
Compensação

Não existe dinheiro neste mundo que possa compensar aqueles jovens que foram retirados à força de casa dos seus pais, transportados para dezenas ou centenas de quilómetros de distância para escolas onde foram obrigados a esquecer a sua língua e cultura e sujeitos a maus tratos, sevícias e até abusos sexuais. No entanto, uma compensação financeira e o reconhecimento pelo estado dos males porque foi responsável, poderão ajudar a sarar as feridas causadas pelas “Indian Residential Schools”. Com uma coragem política que é para admirar, uma vez que com apenas 3% da população os índios pouca força política têm quando chega as eleições, o Primeiro Ministro Paul Martin e o seu governo, antes de serem derrubados pela coligação dos conservadores, separatistas do Quebeque e o NDP, tomaram a decisão de tentar de certa forma compensar o povo índio, pelos danos feitos pelo resto da sociedade canadiana. Isto claro, não vem dar muitos votos aos liberais de Paul Martin, uma vez que infelizmente, alguns canadianos incluindo luso-canadianos não mostram muita simpatia pelos povos nativos.
Um acordo histórico
No dia 23 do mês corrente foi anunciado que o governo do Canadá, reconhecendo os danos feitos aos povos nativos iria gastar 2 bilhões de dólares para compensar os índios que foram forçados a frequentar os colégios internos para índios. Os 80.000 nativos que ainda estão vivos e que estiveram nestas escolas, receberão 10.000 dólares cada uma e mais 3.000 por cada ano que tiveram de as frequentar. O governo também irá contribuir com 125 milhões de dólares, para um programa para tratar e ajudar aqueles que mais sofreram com a sua permanência nestes famigerados colégios internos.
Embora alguns índios se oponham, a maioria parece estar de acordo com a compensação oferecida pelo governo, tendo o chefe da Assembleia das Primeiras Nações, o organismo de cúpula da maioria das organizações de índios, Phil Fontaine, ele próprio um antigo aluno, afirmou que este era um marco histórico no caminho para a reconciliação e a cura para os milhares de índios que foram sujeitos a maus tratos e abusos nos colégios internos para índios baptizados em inglês pelo nome inofensivo e simpático de “Indian Residential School”.
Embora nenhum de nós, nem os nossos antepassados cá estivessem quando os índios sofreram, esta injustiça, ao tomarmos a cidadania canadiana ou até apenas a ser residentes nesta terra, passamos a ser de certa maneira responsáveis pelo mal que foi feito aos povos que cá estavam, quando os europeus aqui chegaram.

Façamos votos, que as medidas tomadas pelo governo, ajudem a sarar as feridas do passado pelo governo e ajudem a construir um Canadá mais justo, humano e feliz, não só para nós mas para os nossos descendentes.