Por Ferreira Moreno
"Instantâneos", curiosamente,
servem de título à rubrica assinada pelo meu bom
amigo Ricardo Melo, e que há largos anos o "Diário
Insular" vem publicando com uma assiduidade digna de registo
na imprensa regional.
Recentemente na edição de 10 de
Maio, Ricardo Melo debruçou-se à janela da sua casa
na Rua da Sé em Angra, e anotou uns Instantâneos
que, de imediato, prenderam-me a atenção com o subsequente
reavivar de cenas pinceladas pela Saudade, e que ainda agora subsistem
na retina da minha imaginação de emigrante, somando
já 48 anos de vivência em terras da Califorlândia.
Assim se expressou Ricardo Melo: "Outrora era muito costume
as pessoas assomarem às janelas, manhã cedo, abrindo-as
não raro de par em par, ou p'ra um adeus e as últimas
recomendações ou recados, a quem ia de jornada de
trabalho ou de estudo, ou tão só p'ra arejar a casa
e sacudir o pó, quando ninguém estivesse a olhar
(que tal era proibido), e bem assim trocar as primeiras notícias
com a vizinha da frente."
Claro que hoje em dia há muita aparelhagem p'ra lavar
a casa e limpar o pó, ficando tudo a luzir num instante,
ainda que fora de prazo. Igualmente temos agora os telemóveis
facilitando, com mais rapidez e segurança, o intercâmbio
mexeriqueiro da vizinhança...
Antigamente, porém, bem me lembro e Ricardo Melo confirma,
"as janelas de parceria com as portas tiveram sempre papel
preponderante na vida das pessoas, fossem de rés-do-chão
ou de primeiro andar." Talvez por isso, acostumei-me a ouvir
a nossa gente dizer que a porta era a boca da casa e as janelas
os olhos da mesma.
A este respeito escreveu Carreiro da Costa: "À
ilharga da porta temos a janela. Alta ou baixa, larga ou estreita,
é sempre, em qualquer circunstância, o olhar da casa,
o mesmo olhar sereno e doce que lhe dá vida e colorido.
Fechada, é um olhar que repousa e dorme; aberta, é
um olhar que sorri e encanta." (Etnologia dos Açores,
Volume II, 1991).
Sorrindo ou chorando, as janelas da nossa casa são, de
facto, os olhos da gente!
À memória da esposa de Ricardo Melo, falecida há
poucos meses, dedico este ramalhete de quadras do nosso cancioneiro,
qual outro "instantâneo"do amistoso convívio
com este simpático casal na minha passagem pela Terceira
o ano passado...
Quando passo à tua janela
Não me trates com desdém,
Dá-me ao menos um sorriso
Por alma de tua mãe.
Se os beijinhos espigassem
Como a espiga o alecrim,
A janela do meu amor
Ficava mesmo um jardim.
Põe-te à janela e verás
Um beijo a correr na rua,
Na noite de S. João,
Da minha boca p'ra tua.
A baunilha ao pé do muro
Vai trepando a bom trepar,
Assim são os namorados
Se à janela os deixam ficar.
Da minha janela à tua
Uma légua, nada mais,
Onde se vão encontrar
Teus suspiros cós meus ais.
Esta minha rouquidão
Não o sabe minha mãe,
É de ir de noite à janela
P'ra falar ao meu bem.
Minha mãe é minha amiga,
Não há outra como ela;
Amarrou-me c'uma fita
P'ra não fugir da janela.
Já tua mãe aí vem,
Vai-te embora da janela!
O raio da tua irmã
Logo foi chamar por ela.
Janelas sobre janelas,
Postigos rentes ao chão;
Beijinhos quantos tu queiras,
Casar contigo, isso não.
Janelas sobre janelas,
Postigos rentes ao chão;
Casa lá com quem quiseres,
Mas cá comigo não.
Da janela do meu quarto
Vejo a ria direita;
Também chego a ver a cama
Onde o meu amor se deita.
Minha mãe mandou-me abrir
A janela p'ra trás,
Não sei se por ter calor,
Se p'ra ver o meu rapaz.
Quando abrires a janela,
Não abras muito p'ra trás,
P'ra tua mãe não ouvir,
Os beijinhos que me dás.
Quando a minha mãe sair,
Não percas esse costume,
Vem à minha janela e diz:
Ó vizinha, dá-me lume.
Tanto cravo, tanto cravo,
Tanto cravo por abrir;
Tanta menina à janela,
Morta por se divertir.
Da janela do meu quarto
Vejo o mar por duas bandas;
Namorar e não casar
Atrás disso é que tu andas.
Tendes a dama bonita,
Não a ponhais à janela;
Passam uns e passam outros,
Todos dizem"Quem me dera!
Quando chegas à janela,
Olho p'ró céu e digo:
Bem ditosa foi a hora
Em que me casei contigo!
Toda esta noite eu andei
Volta ao mar e volta à terra,
P'ra ver se dava fundo
Ao pé da tua janela.
Quem dera a liberdade
Que réstea do luar tem;
Entrava pela janela
Ia falar ao meu bem.
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