Isabel e a Origem das Festas do Espírito Santo
entre os Portugueses


Pela Adiaspora.com



Pintura de Hildebrando Silva

O Espírito Santo...Porta-voz e Mensageiro do Divino ... a constante Revelação da Verdade entre os homens ...Espírito da Verdade ... Espírito de Deus.

"Eu rogarei a meu Pai e Ele vos dará um outro Consolador - o Paráclito que permanecerá convosco eternamente; O Espírito da Verdade que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós... Mas, aquele Consolador, O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito" - (João XIV, Versículo 16, 17 &26)

A implantação das Festas do Divino Espírito Santo em terras de Portugal é, por norma, atribuída à mui amada Rainha Santa Isabel, a dama do milagre do pão e rosas. Em 1282, a Infanta Isabel de Aragão foi dada em casamento ao jovem D. Dinis, Rei de Portugal. Isabel, mulher de uma fé inabalável e coração terno, resistiu às investidas iradas do seu esposo, pois este considerava impróprio que a Rainha se mesclasse com os pobres e despojados do seu reino, entre os quais os Judeus Sefarditas, frequentemente perseguidos na Península Ibérica. Mas Isabel, devido às suas fortes convicções cristãs, ignorava as repreensões do esposo, saindo frequentemente pelas portas traseiras do palácio, disfarçada de mulher do povo para levar esmolas aos seus sujeitos mais carenciados. Utilizou toda a sua influência real para proteger os Judeus, os quais mais tarde a proclamaram a Rainha Santa pela protecção e benevolência que lhes dedicou.

Reza a história que certo dia enquanto a Rainha passava pelos jardins, dirigindo-se as portas do palácio, com pão para os pobres em seu avental, esta cruzou-se com o seu esposo. O rei a interpelou: "Senhora, que levais em seu regaço?". "Nada, Senhor. Rosas apenas.". "Vejamos, então". A rainha abriu o seu avental e caíram rosas ao chão.


A Vila de Alenquer há longa data fora doada às Rainhas de Portugal. A Vila era uma fonte de rendimentos às consortes reais, oferecendo-lhes uma certa independência económica e sócio-política dos seus reais esposos. Foi nesta localidade, território seu, que Isabel elegeu instaurar a sua Irmandade do Espírito Santo em 1296. A abordagem franciscana à evangelização dos povos e as profecias de Frei Joaquim de Fiori, anunciando a nova vinda do Espírito Santo e o advento da Era do Espírito, em que todos os cristãos viverão em paz e liberdade, directamente inspirados por Deus e sem leis ou qualquer hierarquia, influenciaram profundamente toda a acção religiosa e social de Isabel.

É dito que Isabel foi protagonista de outro milagre ainda. Em 1290 a sua sogra teria iniciado a construção da Igreja do Espírito Santo em Alenquer, mas esta permaneceu inacabada até ao reino de seu filho. Isabel tomou a obra a seu cargo mas encontrava-se sem os fundos necessários para a completar. Todos os dias, pela manhã, instruía as suas aias a colocar rosas vermelhas no altar, pois estava certa que o Divino Espírito Santo proveria! Após a oração intercessora da Rainha, estas transformar-se-iam em moedas de oiro sobre o altar! E assim, pela a sua fé e intervenção Divina, a construção da Igreja do Espírito Santo completou-se em 1305.

É muito provável que o Casal Real tenha iniciado as Festas do Divino Espírito Santo após esta data.

A Festa realizava-se no Dia de Pentecostes. Numa cerimónia solene, imbuída de ricos simbolismos religiosos e místicos, denominada de Império, O Rei e a Rainha exteriorizavam a sua vontade de servir o seu povo no espírito da humildade e caridade cristãs. Após a celebração da Eucaristia, a procissão pelas ruas da Vila, culminando com a coroação do Imperador e os dois Reis. O Império era o do Espírito, onde os mais humildes serão exaltados e mais exaltados rebaixados. O Imperador e os reis eram crianças do povo, símbolos da Inocência, a quem o rei e a rainha entregavam as suas coroas e o ceptro real, as insígnias do poder temporal. O Imperador fazia-se acompanhar por três pajens e duas damas de honra. Estas últimas recebiam seus dotes dos reais anfitriões. Seguia-se uma tourada e a carne era distribuída pelos pobres, e depois o banquete ou bodo, onde abundava para todos o pão, bolo, carne e vinho.

Esta é a estória de Isabel, a sua inquebrantável Fé e Amor pelo o Espírito da Verdade...Transformando as Rosas de seu coração em Pão para o seu Povo!


Veríamos o ideário de Isabel e a sua visão de um Império do Espírito propagados no tempo nas profecias do messianismo português de António Bandarra, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Prof. Agostinho da Silva. Transcrevemos um texto deste último que, a nosso entender, melhor exprime, em termos contemporâneos, todo o espírito religioso-místico e humanista da excelsa fundadora do Festas do Espírito Santo entre os portugueses.

Texto do Professor Agostinho da Silva (1906 - 1994) - Visionário, poeta, filosofo, filólogo, ensaísta, tradutor, romancista, sociólogo, vero anarquista utópico, etc. etc. mas acima de tudo, um sublime espírito livre cristão, de fé inabalável e devoto do Divino Espírito Santo, um exilado e transgressor de regras.


"1. Existe um Deus que é o conjunto de tudo quanto apercebemos no Universo. Tudo o que existe contém Deus, Deus contém tudo o que existe. Pode-se, sem blasfémia, considerar o aspecto imanente ou o aspecto transcendente de Deus; pode-se, sem blasfémia, falar não de Deus mas apenas do Universo, com Espírito e Matéria, formando um todo indissolúvel. A doutrina de deus, tal como a pôs Cristo, permite considerar todas as religiões como boas, embora em graus diferentes, todos os homens como religiosos. Não poderá, portanto, fazer-se em nome de Deus qualquer perseguição; todo o homem é livre para examinar e escolher; a maior ou menor capacidade de exame e o resultado da escolha serão, em qualquer caso, a expressão do que ele é e do máximo a que pode chegar segundo as suas capacidades.

2. A visão mais alta que podemos ter de Deus, nós que somos apenas uma parte do Universo, é uma visão de Inteligência e Amor; os pecados fundamentais que o homem poderá cometer são as limitações da Inteligência e de Amor: toda a doutrina estreita, sem tolerância e sem compreensão da variedade do mundo, toda a ignorância voluntária, todo o impedimento posto ao progresso intelectual da humanidade, toda a violência, todo o ódio, limitam o nosso espírito e o dos outros, impedem que sintamos a grandeza, a universalidade de Deus.

3. Deus não exige de nós nenhum culto; prestamos a nossa homenagem a Deus, entramos em contacto pleno com o Universo, quando desenvolvemos a nossa inteligência e o nosso Amor: um laboratório, uma biblioteca são templos de Deus; uma escola é um templo de Deus, e o mais belo de todos. Todos podemos ser sacerdotes, porque todos temos capacidades de Inteligência e de Amor; e praticamos o mais elevado dos cultos a Deus quando propagamos a cultura, o que significa o derrubamento de todas as barreiras que se opõem ao Espírito. Estão ainda longe de Deus, de uma visão ampla de Deus, os que fazem consistir o seu culto em palavras e ritos; mas dos que subirem mais alto não pode haver outra atitude senão a de os ajudar a transpor o longo caminho que ainda têm adiante. Ninguém reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência, com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais elevado.

4. Para que possa compreender Deus, para que possa, melhorando-se, melhorar também os outros, o homem precisa de ser livre; as liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio; ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça do rebanho; é como que o aluno de uma escola da humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte das preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de exploração e transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma propriedade. A tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos."