Juanita de Downieville


Por: Ferreira Moreno

Contando presentemente com uma população avaliada em quatrocentos habitantes, e tranquilamente aninhada nas vertentes dum vale pitoresco banhado por um ramal do Rio Yuba, a histórica localidade de Downieville ainda hoje se evola numa atmosfera que nos cativa e que, de imediato, transporta a nossa imaginação p’ros tempos quando a Califorlândia serviu de cenário à Corrida de Oiro.
Foi em Novembro de 1849 que, nesta região montanhosa e desabitada, se estabeleceu um grupo de aventureiros, à procura do oiro, sob a chefia dum escocês. “Major” Willian Downie (1819-1893). A extração de oiro era tanta que, no curto espaço de dois anos, ultrapassava os três milhares o número de mineiros em Downieville, que tomou o nome do Major Downie.
Embora o título de “Major”seja apenas honorífico, o certo é que Willian Downie creditou-se como autor, visto ter publicado em 1893 um livro de reminiscências intitulado “Hunting for Gold” Um fac-simile do original foi editado em 1971, de cuja cópia farei uso de forma concisa p’ra narrativa que ora tenciono transcrever.
O episódio ocorreu em 1851 durante a ruidosa celebração do feriado nacional de 4 de Julho. Um mineiro de nome Cannon, bastante inebriado, esbarrou contra uma cabana onde vivia um mexicano com uma mulher chamada Juanita. Aparentemente ao dar o trambolhão, Cannon partiu a porta do casebre, mas o casal não reagiu ou por estar a dormir ou por sentir medo.
No dia seguinte, ao acordar da bebedeira, Cannon foi informado da ocorrência da noite anterior, e resolveu ir pedir desculpa ao casal mexicano. O encontro, porém, redundou num azedume e mal-entendido. Tanto assim que, inesperadamente, Juanita pegou numa faca e matou o mineiro.

Imediatamente organizou-se um tribunal que, após violentas deliberações, sentenciou Juanita a ser enforcada. E foi precisamente o que aconteceu nesse mesmo dia, embora se desconheça legalmente o grau de inocência ou crime de Juanita. Em qualquer dos casos, o trágico enforcamento abalou o mundo e deixou o borrão de infâmia na história dos campos dos mineiros na Califorlândia.
Eu já visitei Downieville várias vezes e recolhi, no meu trabalho de investigação dezenas de documentos e livros. Considero insuperáveis as diferenças de opinião entre os autores, não só diz respeito aos protagonistas da tragédia, mas também aos detalhes que ditaram o enforcamento. Por exemplo, há quem diga que Cannon era Australiano, mas eu não encontrei o seu nome no livro “Australian & The Gold Rush” (1966) de Jay Monaghan, nem tão pouco o nome de Juanita aparece mencionado no outro livro “Chile, Peru & The California Gold Rush” (1973), igualmente da autoria de Monaghan.
Há quem diga que Cannon era escocês, ou mesmo Americano, cujo primeiro nome era Jack, Fred ou Joe. Um escritor, em particular, chama-lhe Frederick Augustus Cannon. Outros há que afirmam ser ele um autêntico brutamontes.
Joseph Henry (1894-1955) escreveu o seguinte: (“A semelhança da maioria das história de Juanita está cheia de contradições e confusões. É inteiramente admissível que o seu nome de batismo era Josefa, e de origem latina, provavelmente mexicana, e pressumivelmente espanhola ou chilena ou peruana”.) Anybody’s Gold. 1941.
Vicki Ruiz, professora de História na Arizona State University, num ensaio publicado me 1966, afirmou categoricamente que a Juanita de Downieville era uma mulher mexicana de nome Josefa Segovia, “que foi sentenciada e enforcada no mesmo dia que matou um mineiro anglo e popular pugilista.
No decurso das minhas pesquisas deparei com testemunhas insinuando, derrogatoriamente que Juanita era uma dançarina e prostituta, atractiva e irascível. Porém, há outros testemunhos mais positivos e com maior conselho realístico. A este propósito , Kevin Starr recomendou que p’ra um moderno historiador, o incidente de Downieville pode ser observado com uma expressão ritualista da hostilidade racista e sexual. ( Americans & The American Dream 1986). Por sua vez, Paula Mitchell Marks anotou a evidência de ter sido a etnia mexicana e o facto de ser mulher as causas que vitimaram Juanita. (Precious Dust, 1995). Embora se aceite interpretações duvidosas, devemos concordar que o racismo causou o enforcamento de Juanita. (John Boessenecker, Gold Dust & Gunsmoke, 1999).
Em conclusão: Jamais saberemos se Juanita estava inocente ou culpada. Foi-lhe negado um julgamento imparcial. Juanita jaz sepultada ao lado de Cannon. E a lenda do seu enforcamento perdurará eternamente!