|
Por: Ferreira Moreno
Previno, antecipadamente, que estas "Lembranças"
em nada se relacionam com o lendário Capitão Nemo,
a bordo do igualmente lendário submarino "Nautilus",
cujas fabulosas aventuras formam a extraordinária narrativa
concebida pelo prodigioso novelista francês Jules Verne
(1828-1905), e publicada em livro (1868) ao títilo "
20,000 Leagues Under the Sea", (20.000 Milhas submarinas).
Walt Disney (1901-66) reproduzíu em filme (1954) uma emocionante
e colorida versão da obra de Jules Verne, com James Mason
personificando o Capitão Nemo. No elenco artístico,
entre outros, apontarei apenas Kirk Douglas, Peter Lorre, Paul
Lukas e Robert Wilk.
As aventuras que ora tenciono narrar, além de fabulosas
têm a particularidade de serem autênticas. Não
são, portanto, figmentos de ficção literária
ou cinematográfica. Tudo isso aconteceu há 85 anos
e teve início a cerca de 370 milhas noroeste da ilha do
Faial nos Açores. O escritor picoense Manuel Greaves incluíu
a narrativa no livro que publicou em 1948 ao título "
Histórias que me contaram."
Eram quatro horas da tarde do dia 3 d'Agosto de 1918, com a Europa
ainda envolvida na Primeira Guerra Mundial. Um barco Português,
denominado GAMO e comandado pelo Capitão João Fernandes
MANO, com 38 tripulantes a bordo e um grande carregamento de bacalhau,
singrava com destino a Lisboa. Eis senão quando, a bombordo,
surge um submarino alemão que se aproxima da embarcação
portuguesa, e arria um pequeno bote p'ra onde descem alguns marinheiros
que, seguidamente, cobrem a distância. Um deles , falando
em português, ordena a tripulação p'ra abandonar
o "Gamo" que, evidentemente, não estava armado.
Cônscio do perigo, o Capitão Mano recomenda calma
e prudência aos seus companheiros, e procura arrecadar (tanto
quanto possível) instrumentos náuticos, mapas e
provisões de boca, enquanto os alemães afixam bombas
explosivas à proa e à pôpa. Distribuídos
por oito doris (usados na pesca do bacalhau) e dois pequenos botes
de quilha, os portugueses são constrangidos a remar p'ró
largo. Daí a momentos ouvem-se três estrondosas detonações,
um após outras, desfazendo o " Gamo" em estilhaços.
Antes de submergir, o submarino ainda atirou dois tiros de canhão,
liquidando por completo o ataque perpetrado.
A comida e a água foram repartidas entre os náufragos.
Segundo os cálculos do Capitão Mano, a ilha açoriana
mais próxima estaria localizada à volta dumas 370
milhas a noroeste. Remando metódicamente, e procurando
manter-se perto uns dos outros, os portugueses alimentavam a esperança
de encontrar algum navio. Era , porém, o Capitão
Mano quem lhes incutia mais confiança e maior coragem.
Três dias passados, o fresco entrou a crescer. Ao quarto
dia, o tempo toldava e o mar agitava. Durante a noite a viagem
era lenta, não havia lua, e o mar piorou à quinta
noite ocasionando um funesto desastre, quando uma vaga desenvolta
virou dois doris e os seus seis tripulantes.
Ouçamos Manuel Greaves: " Os doris
emborcaram, quáse ao mesmo tempo, ficando os corpos debaixo
deles. Ao grito de socorro, os outros acudiram. Os doris foram
voltados, mas cinco marinheiros não estavam presos neles;
tinham mergulhado. Sonolentos, extenuados, inconscientes, nenhuma
diligência os acordou, nem o trambulhão, nem o frio
do mar. Só um foi salvo. Rebuscaram o mar cerca duma hora,
vigilantes, na esperança de salvar algum que viesse à
tona. Infelizmente, nenhum afluíu. E os dois doris,
esgotada a água, tomaram outros marinheiros e timoneiros."
Ao dia seguinte, racionadas a comida e a água, a viagem
prosseguíu. Havia mais fresco no mar picado ao sétimo
dia. O frio atormentava cada vez mais. Ao amanhecer do penúltimo
dia foi avistada, no horizonte leste, a ponta ilha do Pico enlaçada
numa nuvem larga e branca. Mais trinta milhas e estariam em terra!
Mas a fraqueza, que tolhia os esforços
dos náufragos, não lhes permitíu alcançar
a costa nesse dia. Na manhã seguinte, após o descanso
da noite, rumaram p'ró Pico, avistando à tarde o
Cabeço Gordo do Faial, e ao fim do dia a costa oeste
da ilha e o farol dos Capelinhos.
Na manhã seguinte, após 11 dias
e 10 noites a vogar no mar, os portugueses foram finalmente recolhidos
por gasolinos, que haviam partido da Horta. Em terra, foi
com emoção que alguns náufragos se baixaram
p'ra beijá-la, e ali permaneceram semi mortos até
serem reavivados com café e aguardente. Depois, em automóveis,
foram conduzidos p'ró Faial-Hotel da cidade da Horta.
É certo que cinco tripulantes do "Gamo" ficaram
sepultados no mar, mas mais certo ainda foi o heroísmo
do Capitão MANO que guiou todos os restantes ao porto de
salvação!
|