Lembranças de Militares nas Ilhas


Por: Ferreira Moreno

Em Julho de 1987 o Instituto Histórico da Ilha Terceira promoveu o Segundo Colóquio internacional subordinado ao tema "Os Açores e as Dinâmicas do Atlântico, dos Descobrimentos à Segunda Guerra Mundial." Os trabalhos dos respectivos conferencistas foram posteriormente recolhidos num grosso volume, (um milhar e meio de páginas), o qual faz parte do meu modesto espólio bibliográfico.

Há pouco descobri que um dos intervenientes, ou conferencistas, converteu num livro de 133 páginas o trabalho, que originariamente apresentou nesse Colóquio, àcerca do "grande esforço que o Exército desenvolveu durante o período da Segunda Guerra Mundial p'ra defender a soberania portuguesa no Arquipélago dos Açores."

Trata-se do General Manuel de Sousa Menezes, cuja edição de " A Defesa dos Açores Durante a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945", descreve extensivamente o "esforço humano, material e financeiro e por vezes psicológico que se repartiu pelos portugueses do Continente e pelos portugueses dos Açores."

Na nota biográfica, exposta no livro, somos informados que Manuel de Sousa Menezes foi promovido a Alferes e mobilizado p'rós Açores, como expedicionário em 1944, tendo servido no Batalhão Independente de Infantaria 17 na ilha Terceira. Porém, não é do livro que ora tenciono falar. De preferência, vou simplesmente reproduzir algumas curiosidades agrupadas pelo autor no capítulo intitulado " Estórias de Ouvir Dizer."

E assim temos, por exemplo, o caso daquele oficial p'ra quem a ilha de S. Miguel era um viveiro de espiões. Sempre que apareciam sinais broncos nas paredes das casas e no chão das ruas, ele tomava tais sinais como ameaças das "Quintas Colunas" subvertendo a segurança nacional.

Um outro caso, conhecido pela guerra do caldeiro, traz-nos à lembranças o comandante que mandou formar o Batalhão na parada em ordem de marcha, p'ra ir sitiar as oficinas de Engenharia Militar e resgatar os caldeiros, que necessitavam de conserto mas tardavam em serem devolvidos à unidade!

Diz-nos ainda o ilustre general que "as raparigas solteiras dos Açores animaram-se de esperanças casamenteiras ao verem desembarcar nas Ilhas centenas de homens jovens. As propostas de casamento foram muitas; umas com êxito e outras que falharam. E quando alguém chamava a atenção das raparigas p'ra usarem prudência em situações desta natureza, elas respondiam: Não posso resistir; o seu falar é tão doce!"

Afiança-nos o general que tal era devido ao "contraste entre o falar de boca cheia nas ilhas de S. Miguel e Terceira e o cantante do continente. Devem-se ter realizado algumas
Centenas de casamentos, o que foi benéfico p'rá renovação dos sangues e dalguns costumes."

Somos igualmente esclarecidos que, na Terceira, "a questão das liberdades amorosas" foi Sobremaneira agravada com a chegada dos americanos e ingleses, na procura dum "mercado de oferta muito limitado." Daí resultou, então, a abertura de "novos mas sempre pobre bordéis", acontecendo algumas reformadas voltarem ao activo, "cobertas de pó d'arroz."

Aparentemente, o rendimento na produção não aparelhava a concorrência dos fregueses, ocasionando atropelos e brigas, e obrigando a intervenção das autoridades que optaram pela seguinte solução: As segundas e quintas-feiras eram reservadas p'rós americanos; terças e sextas p'rós ingleses; quartas e sábados p'rós portugueses…destinando-se os domingos p'ra penitência geral!

As manhãs de cada dia eram, impecavelmente, reservadas p'rá inspecção sanitária, com a presença do Delegado de Saúde do Distrito, "que se orgulhava de não ter havido casos graves de origem venérea durante aqueles cinco anos."

E agora a fechar, mais esta estória relacionada com um alferes miliciano apaixonado por uma encantadora rapariga açoriana, cujo nome era Dora e com a qual continuou a corresponder-se, após ter sido desmobilizado e regressado ao continente. Tempo depois, preocupado com o silêncio de Dora, que cessara em responder ás suas cartas amorosas, o alferes miliciano decidiu escrever ao seu antigo comandante a indagar, urgentemente, notícias da sua namorada.

O comandante, que era um "belo ponto" e gostava de "fazer versos", enviou-lhe o seguinte telegrama: "Manda saudades embora/ Na vida há muitas mulheres/ A Dora já não te adora/ A Dora adora um alferes."

A rematar estas "Lembranças", aqui vai um par de quadras:

Eis que me vou embora,
Tenho muito que fazer;
Tenho que estar no quartel
À hora de recolher.

Quando faço sentinela,
Digo logo: Quem vem lá?
Se é homem retira ao lado,
Se é mulher chega p'ra cá.