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Por Ferreira Moreno
Despertou-me muito interesse e encheu-me de lembranças
a reportagem ilustrada que o jornal "A Uniao" publicou
(24/FEV./03), da autoria de Aranda e Silva, àcerca do terceirense
Ricardo Jorge Machado Simas, oleiro profissional desde os 19 anos
d'idade.
Contando presentemente apenas 28 anos, e embora enriquecido com
um recente curso de cerâmica, Ricardo Simas revela que a
sua formação profissional, como oleiro de barro,
foi-lhe originariamente transmitida e assegurada com os ensinamentos
dum tio, já aposentado e mais conhecido por "mestre"
Álvaro Freitas.
A "Olaria Simas" está localizada em São
Bento, ( freguesia urbana d'Angra), mas foi na antiga oficina
do tio que o Ricardo, ainda criança, aprendeu os rudimentos
que ele aperfeiçoou com vontade persistente, garantindo-lhe
agora uma posição de apreciável mérito
e excelente qualidade na apresentação de todos os
produtos artísticos, engendrados pelo seu talento profissional
de oleiro.
Aparentemente, os primeiros povoadores que se
fixaram nas ilhas não estavam providos com muita louça.
Assim discorre Gaspar Frutuoso: "E não tendo naquele
tempo potes, nem talhas nem outra louça, se serviam de
cabaças em seu lugar e de bacios e escudelas de pau (...)
com água nelas se cozia a carne, cortados os colos, e postas
um pouco debaixo da terra ou sobre ela, barradas ou cercadas de
barro e pondo o fogo ao redor delas." (Saudades. Livro
IV, Pág. 238, Ed. 1998).
Isto acontecia na época de 1501 e 1502. No testemunho
de Frutuoso, "Esta era a louça de que então
se servia a mais da gente, porque traziam pouca de Portugal e
escassamente vinha a esta ilha de S. Miguel um navio de ano em
ano. Faziam isto alguns por se enfadarem de comer carne assada."
Recuando à página 228, deparamos com esta curiosidade:
"Havendo aqui no tempo antigo pouca louça, coziam
a carne em cabaças, e às vezes cozinhavam um carneiro
e uma cabra, ou carne de vaca, cozendo-a e assando-a na pele."
Este curioso processo, referido por Frutuoso, consistia em fazer
uma fogueira na terra, e depois de muito quente, "faziam
uma cova nela, e embrulhando a carne do gado que matavam na mesma
pele, a metiam na cova, tornando-a a cobrir com a cinza e rescaldo
da fogueira, e tornando a fazer outra fogueira em cima, assim
se cozia."
Creio, no entanto, que este processo foi de curta
duração, visto que bem cedo ocorreu nas ilhas a
descoberta da existência de barro, cujas qualidades e aplicação
eram certamente do inteiro conhecimento dos nossos primeiros povoadores.
E as cabaças foram obviamente substituídas, no uso
doméstico, pela tosca louça de barro, "onde
os nossos avós cozinhavam os seus manjares e os comiam,
e onde faziam as suas salgas de carnes e de peixes, para as usarem
pelo tempo adiante."(Urbano de Mendonça Dias, A
Vida de Nossos Avós, Volume Oitavo, Edição
1948).
Aliás, falando de Santa Maria, é
novamente Frutuoso quem nos informa: "Há nesta ilha
barro, de que se faz louça vermelha, sem ter necessidade
da de fora, e telha muito boa, que além de abastar para
a terra se traz p'ra São Miguel muita dela." (Saudades,
Livro III, Pág. 40, Ed. 1998).
A freguesia mariense chamada Almagreira
recebeu tal nome por haver ali uma terra vermelha, empregada na
pintura da louça de barro, a que o próprio Frutuoso
se refere nos seguintes termos: "Atrás destas covoadas,
no caminho, está um poço que se chama Almagra, porque
a tiram nele de umas covas."
A fim de tornar curta uma história longa, bastará
mencionar que, embora em número reduzido, tínhamos
já oleiros em S. Miguel e Santa Maria nos anos de 1500.
Eventualmente, a classe dos oleiros organizou-se corporativamente,
obedecendo a regulamentos municipais e escolhendo Santo António
como patrono.
Guardarei outras curiosidades p'ra nova oportunidade. No entanto,
recordo nostalgicamente aquele brinquedo de minha meninice - o
encantador assobio de barro com a água a borbulhar sons
sibilantes!
Aqui deixo a minha homenagem aos oleiros, do passado e do presente,
com a transcrição duns versos que há tempos
"escavei"e depois "arquivei", mas cujo autor
desconheço ...
Manualmente os oleiros imprimem
Ao barro, na máquina em rotação,
Diversas formas até conseguirem
Muitas louças com muita perfeição.
Assim, fazem potinhas e talhões,
Tigelas, lava-mãos e pucarinhos,
E outras louças de várias proporções,
Usadas pelos ricos e pobrezinhos.
As louças vendem-se nas olarias,
Outrora vendiam-nas os carreteiros,
Que em carroças andavam alguns dias,
Por locais de pobres e fazendeiros.
Eh! Louça da Vila! Era apregoado
Pelos ditos carreteiros, fortemente,
Que por aquele pregão ecoado,
Era ouvido pelo povo atentamente.
A louça da Vila é apreciada
Pelos turistas, pela Vila em digressão,
Que então vão às olarias observá-la,
Comprando alguma p'ra recordação.
Aos oleiros devemos dar valor
Pela sua vida profissional,
Que se alicerça num poder criador
Tornando a sua arte original.
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