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Por Ferreira Moreno
Entre as mais diversificadas e curiosas manifestações
da arte rústica micaelense devemos incluir, sem dúvida
alguma, os chamados REGISTOS do Senhor Santo Cristo dos Milagres,
feitos em quadros covos e vidrados, dentro dos quais realça,
ao centro a reprodução da gravura da imagem do Senhor
assente num pequeno altar baldaquinado, tendo a acompanhá-la
a figura ajoelhada da Madre Tereza da Anunciada, a mais directa
responsável pela expansão do culto dispensado a
esta imagem do Ecce Homo, que se venera no Mosteiro da
Esperança em Ponta Delgada e que, segundo a tradição,
nos princípios do século 16, teria sido trazida
da Itália por duas religiosas, que até Roma haviam
viajado a fim de obter bula da Santa Sé p'ra construírem
um convento no Vale dos Cabaços, na Caloura de Água
de Pau.
A Madre Teresa da Anunciada nasceu e foi baptizada na paróquia
de S. Pedro da Ribeira Seca, concelho da Ribeira Grande, aos 25
de Novembro de 1658, tendo ingressado no Convento da Esperança
em Novembro de 1681, e aqui falecendo (com fama de santidade)
aos 16 de Maio de 1738.
Tão intensa é a devoção
local por esta milagrosa imagem que o saudoso Dr. Luís
Bernardo Leite de Ataíde (1883-1955) não hesitou
em escrever: "O povo micaelense, mesmo quando emigra, lançando-se
na vida tumultuosa e agitada das grandes cidades americanas, não
esquece o Santo Cristo, fazendo-se acompanhar do respectivo registo."
(Etnografia, Arte & Vida Antiga dos Açores,
Volume I, Página 128, Edição 1973).
Confesso conhecer uma grande variedade de registos; porém,
há um em particular que me traz intrigado ainda hoje e
cuja origem ando a investigar anos sem conta...e sem "pisca"
de sucesso! Trata-se dum antigo registo que se encontra em exposição
numa das prateleiras do museu histórico da Missão
de Carmel (século 18), nas imediações de
Monterey desta Califorlândia onde resido há mais
de quatro dezenas d' anos.
Vou transcrever apenas as informações até
aqui recolhidas, oferecendo-as à consideração
dos meus estimados leitores num humilde gesto de entreajuda...
Cristiano Leonardo Machado, natural de Ponta Delgada onde nasceu
em 1838, embarcou p'ros Estados Unidos em 1855 juntamente com
o irmão António, tendo desembarcado em Boston donde
transitaram p'ra Califorlândia em data que desconheço.
Sei, no entanto, que em 1867 ambos se encontravam a trabalhar
p'ra "Carmelo Whaling Company" com baleeiros açorianos,
estacionados na área de Point Lobos, a curta distância
da Missão de Carmel que, embora algo arruinada, era esporadicamente
visitada pelo Padre Ângelo Delfino Casanova, (pároco
em Monterey), que ali se deslocava a fim de celebrar Missa e assistir
à pequena comunidade de Carmelo.
A companhia baleeira de Carmelo funcionou de 1862 a 1879, mas
em Monterey existiam outras companhias de baleeiros portugueses,
uma das quais funcionou desde 1855 até 1900. O certo é
que, entrementes, Cristiano Leonardo Machado teria ido a S. Miguel
em 1865, casando-se com Maria José Sousa de Ramos na igreja
de S. Pedro de Ponta delgada, e regressando a Carmel, onde nasceram
as suas 14 crianças, ainda que tão somente 10 atingiram
a maioridade, (seis raparigas e quatro rapazes).
Eventualmente o nosso Cristiano abandonou a pesca
da baleia trocando-a pela vida no campo, pois que em 1877 já
se encontrava a cultivar uns terrenos próximos da Missão
de Carmel, e ao mesmo tempo trabalhando como sacristão
(caretaker) da mesma Missão, conforme o testemunho
do próprio Padre Casanova.
Este e muitos outros testemunhos consegui descobrir após
longa horas de consulta em diversas bibliotecas. Apraz-me sobremaneira
salientar que Cristiano Leonardo Machado demonstrou sempre um
extraordinário interesse na reconstrução
da Missão em ruínas, dedicando-lhe o melhor do seu
tempo e talento. A ele se deve, igualmente, a construção
da primeira escola no Vale de Carmel. E quando faleceu em 1924,
contava ele 86 anos d'idade e 24 netos!
Aqui agora, deixo no ar a pergunta: - Teria
sido o casal Cristiano e Maria Machado quem entregou à
Missão de Carmel o Registo do Santo Cristo?!
Rezo ao Senhor Santo Cristo
As orações mais tocantes,
P'ra Ele andar comigo
Por essas terras distantes.
O Senhor Santo Cristo
É o cofre da virtude,
Onde guardo a minh'alma,
Esperando qu'Ele me ajude.
A minha sorte no mundo
Não está nas mãos de ninguém:
Está nas do Santo Cristo,
Que à sua conta me tem.
Ó meu Senhor Santo Cristo,
Quando casada me veja,
Prometo subir de joelhos
Os degraus da vossa igreja!
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