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Por Ferreira Moreno
É de facto reconhecido e confirmado a
existência das mais curiosas e pitorescas expressões
populares em determinadas localidades das ilhas açorianas.
Por exemplo, nas Flores há quem chame "autoridade"
a um bode, "espertalhote" a um coelho e "afogadeira"
a uma gravata, enquanto no Corvo um bezerro é um "pasmadão".
No que diz respeito (e digo-o com todo o respeito,
claro!) aos peitos ou seios das mulheres, consta-me que os chamam
catrinas (flores) e altarinhos (Pico), e quando
são um "tudo nada" pequeninos recebem a designação
típica de "par de limões" no Pico.
Vem isto a (des)propósito de que, antigamente, em Vila
Franca Do Campo (S. Miguel) chamavam TENOR a um vaso da noite,
de avantajada dimensão e uso familiar. Trata-se, neste
caso, do tradicional "penico" ou"bacio."
Sobre o assunto se debruçou (passe
a expressão) o ilustre etnógrafo e historiador
terceirense Dr. Luís da Silva Ribeiro (1882-1955) num artigo
que escreveu p'ro "Correio dos Açores" em Julho
de 1941 ...
"Infelizmente não sou filólogo; e digo infelizmente
porque muitas vezes sinto a falta dumas noções de
filologia noutros assuntos, e o assunto, pouco limpo, não
é bem de molde a ser tratado a sério num jornal
como este.
Todavia a explicação afigura-se-me tão simples,
que cabe nas possibilidades mínimas da minha parca e mal
segura ciência filológica. Hoje já não
se faz distinção, como na velha retórica,
entre assuntos nobres e não nobres, dignos e indignos,
e como não pode ser que algum leitor do jornal tenha formulado,
de si p'ra si, a mesma pergunta, vou dizer sobre ela o que me
parece."
Primeiro que tudo, acentua o Dr. Ribeiro, há quem relacione
a palavra bispote com bispo, o que não admira, visto na
linguagem familiar, o objecto que designa, ser conhecido igualmente
por capitão e doutor! E se tão elevada categoria
lhe é atribuída nas armas e nas ciências,
é natural que busquem pr'a ela paralelo numa alta função
eclesiástica!
Bispote, porém, deriva do inglês
piss-pot e nada tem que ver com bispo!!!
Quanto ao nosso "tenor" de Vila Franca, adianto-me
desde já a informar que tal nada tem que ver, igualmente,
com o cantor ou a qualidade da voz humana masculina desse nome.
Eis a explicação do Dr. Ribeiro, que considero
bastante engraçada e atinada ...
"A voz mais alta ou aguda do homem, ou aquele
que a possui, diz-se tenor, porque na música antiga contrapontada,
era a essa voz que competia manter o cantochão ou canto
litúrgico, enquanto as outras vozes bordavam os contrapontos.
A palavra tenor vem do latim (tenere) significando sustentar
e manter, e foi introduzida no nosso vocabulário ou directamente
do latim ou então por via italiana (tenore)."
Equivalentemente, em latim, tenere significa
também "conter", e visto que os nomes dos objectos,
na maioria dos casos, resultam da sua qualidade permanente de
maior relevo, torna-se-nos fácil aduzir a designação
de tenor dada a um vaso destinado a conter alguma coisa.
Interessante, ainda, o facto de que o termo "tenor"
é usado p'ra indicar uma medida em certa região
da Índia. Disto nos dá notícia Fernão
Mendes Pinto (1510-1583) ao descrever umas das numerosas salas
palaciais das cinco casas do rei tártaro:
"E nos quatro cantos desta casa, quatro tenores (barriletes)
que levaria cada um quase um quarto com suas caldeirinhas presas
por cadeias." (Peregrinação, Vol. I,
Cap. 124, Pág. 364, Edição Publicações
Europa-América).
Uma outra prova de que "tenor" representava um vaso
ou medida grande, vamos encontrá-la no "Cancioneiro
Geral", publicado pela primeira vez em 1516, da autoria de
Garcia Resende, onde se lê; Bebe mais sumo de vinha do que
leva um tenor."
Garcia Resende (1470-1536), como provavelmente sabeis, foi Moço
da Escrevaninha (secretário particular) del-rei D. João
II e mais tarde acompanhou como Secretário o rei D. Manuel
a Castela e Aragão.
E agora, à despedida, este conselho do Dr. Ribeiro: "Assim
a palavra TENOR não é na Vila Franca um eufemismo
de decência originado na necessidade de substituir por outro
vocábulo que se houvesse aviltado. É um dos muitos
arcaísmos que se encontram na linguagem popular dos Açores.
É, pois, um tenor que não dá o "dó"
de peito!"
Na Lagoa são oleiros,
N'Água de Pau, curtidores,
N'Água d'Alto, ferreiros,
Na Vila Franca ... tenores!.
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